Postado em 08/09/2011
por João Mauro Araujo
Há 90 anos, o jornalista cearense Leonardo Mota (1891-1948) publicou no Rio de Janeiro o livro Cantadores: Poesia e Linguagem do Sertão Cearense, divulgando nacionalmente poetas como Cego Aderaldo, Cego Sinfrônio, Anselmo, Manuel Passarinho e Serrador, que viviam pelo sertão nordestino cantando em desafio ao som de rabecas e violas. Em viagens por diversas cidades e vilas do interior, Leota, como era conhecido o escritor, abordou os repentistas em seus locais de atuação, ouvindo histórias e anotando informações sobre a cultura da região. Apesar de não ser um trabalho de pesquisa pioneiro no que diz respeito à poesia popular nordestina, a obra acrescentou ao caminho percorrido por Sílvio Romero (1851-1914), Pereira da Costa (1851-1923), Rodrigues de Carvalho (1867-1935), Gustavo Barroso (1888-1959) e Câmara Cascudo (1898-1986), dentre outros estudiosos, as histórias de vida, os valores humanos, as fisionomias desses artistas.
Leonardo Mota viveu num tempo em que os pesquisadores registravam os desafios usando o método taquigráfico, ou seja, de um lado os repentistas corriam os dedos pelos instrumentos que acompanhavam o canto e, de outro, Leota copiava os versos rapidamente num caderno para não perder a sequência. Além disso, também eram anotadas as versões dos repentes memorizadas pelos próprios poetas ou pelo público que os via.
Se fosse vivo, o folclorista cearense assistiria hoje a desafios que mantiveram alguns códigos fundamentais, mas que ao mesmo tempo incorporaram mudanças resultantes de diálogos e negociações entre os cantadores e a tradição dessa arte. Leota poderia observar também a permanente interação com mídias como rádio, jornal, revista, internet, televisão. Testemunharia, ainda, o que foi uma valorosa conquista da classe dos poetas populares: o reconhecimento profissional, sancionado em 14 de janeiro de 2010 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A lei 12.198 classificou a atividade de repentista como profissão de quem utiliza o improviso rimado como meio de expressão artística cantada, falada ou escrita.
Essa era uma reivindicação antiga dos cantadores. A professora Maria Ignez Novais Ayala, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), cuja tese de doutorado, defendida na Universidade de São Paulo (USP) em 1983, versou sobre os repentistas do nordeste, reproduziu em seu livro No Arranco do Grito – Aspectos da Cantoria Nordestina (1988) trechos de uma entrevista em que o pernambucano José Miguel da Silva (1929-1982) afirma ter sido preso diversas vezes por apresentar sua arte em bares no bairro do Brás, em São Paulo. Numa das discussões que travou com um policial, o poeta disse que vivia da viola, que precisava trabalhar, e a autoridade respondeu: “Mas isso não é profissão”.
No dia 1º de janeiro de 1970, foi fundada a Associação de Repentistas, Poetas e Folcloristas do Brasil (Arpofob), que teve como primeiro presidente Marcos Cavalcanti de Albuquerque (1909-1981), conhecido pelo nome artístico de Venâncio. No final do ano seguinte, uma das grandes conquistas da Arpofob foi o direito de inscrição dos cantadores repentistas nos quadros da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), na especialidade de músicos práticos, o que abriu a possibilidade de proteção previdenciária e de aposentadoria. No final da década de 1970, alguns repentistas foram a Brasília pedir a aprovação de um projeto que reconhecia a profissão de cantador, mas não houve resultado favorável.
Pela lei sancionada em 2010, o profissional repentista foi reconhecido nas seguintes funções: cantadores e violeiros improvisadores; emboladores e cantadores de coco; poetas repentistas e contadores e declamadores de causos da cultura popular e, por fim, escritores da literatura de cordel. Apesar de considerar tardia tal medida, os cantadores acreditam que a classe será beneficiada, principalmente as novas gerações de poetas do improviso. Alguns já se manifestam, inclusive, no intuito de criar um sindicato nacional.
Origem
É difícil precisar o início da prática da cantoria nordestina, devido não só à ausência de documentos históricos como ao fato de que, por ser de tradição oral, os “registros” ficaram mais no âmbito da memória. Os primeiros textos sistemáticos sobre o tema apareceram nas últimas décadas do século 19, a partir da observação de cantorias daquele período ou de fatos lembrados por narradores locais.
Fala-se muito das relações de “hereditariedade” mantidas entre a cantoria nordestina e a poesia dos trovadores da Europa medieval. Câmara Cascudo, em considerações presentes nas obras Vaqueiros e Cantadores (1939) e Literatura Oral no Brasil (1952), situou a origem da dinâmica do “desafio” no canto amebeu grego. “Era uma fórmula que fixava o processo mítico dessas disputas poéticas ou musicais, Apolo contra Mársias, Pan contra Apolo. A técnica do canto amebeu fora empregada por Homero, na Ilíada e na Odisseia. Horácio alude a uma disputa entre os bufões Sarmentus e Messius Cicerrus”, escreveu Cascudo.
Geralmente os próprios repentistas nomeiam o poeta Gregório de Matos Guerra (1636-1695) como o “pai espiritual dos cantadores”, ou o primeiro repentista a improvisar ao som de viola, instrumento de corda presente no Brasil desde o século 16, figurando sempre nas orquestras das festas jesuíticas. Como sucessor de Matos, é citado o padre Domingos Caldas Barbosa (1738-1800). Após essa referência, há um grande salto na investigação histórica, até chegar a lugares e personagens que mais se assemelham à configuração atual.
Com base na data de nascimento de cantadores que viveram nos séculos 18 e 19, nas microrregiões da Serra do Teixeira, de Patos, do Seridó e de Piancó, na Paraíba, e de Pajeú, em Pernambuco, é possível tomar 1840 como o início dessa prática. Um marco simbólico foi o desafio ocorrido entre Francisco Romano Caluete (vulgo Romano da Mãe d’Água, 1840-1891) e o escravo Inácio da Catingueira (1845-1881), no mercado de Patos, em 1870 (segundo uma versão) ou na residência de Firmino Aires, em 1874 (de acordo com outra). Esse desafio é importante porque serve de referência sobre o método e o significado da cantoria nordestina em uma fase antiga.
Porém, assim como a torcida se dividia entre esses históricos repentistas, os relatos contados oralmente e depois publicados em estudos folclóricos e folhetos de cordel também ficaram muito fragmentados. Em síntese, Romano tocava viola, era de família abastada e se considerava branco, apesar de seu opositor dizer que ele não era; Inácio cantava acompanhado de pandeiro, era negro e escravo. Nessa peleja, os repentistas abordaram diferenças raciais, econômicas, conhecimento geral e habilidade no improviso poético. Naquele tempo e por muitas décadas depois, as cantorias em geral se manteriam bastante agressivas, pois quem humilhasse mais o adversário sairia vencedor.
Desafio
O cantador cearense Aderaldo Ferreira de Araújo, o Cego Aderaldo (1878-1967), tornou-se bastante conhecido por causa da história de um desafio, de conteúdo fictício, porém bastante representativo da cantoria da época, que foi escrito em folheto de cordel, em 1916, com o título A Peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum, de autoria do poeta Firmino Teixeira do Amaral (1896-1926). Diz-se que Amaral criou essa ficção para ajudar a promover o cantador, que passava por dificuldades em Belém. Nessa história, Zé Pretinho insultava o adversário, satirizando, por exemplo, a cegueira de Aderaldo, que, por sua vez, fazia provocações racistas a Zé Pretinho.
Em livro de memórias publicado em 1963, Aderaldo acrescentou alguns versos à peleja como forma de se “desculpar” pelos ataques. Isso já sinalizava uma outra fase da cantoria de viola, de uma geração pós-Aderaldo, que optaria por valorizar o desafio de “cantar com” em vez de “cantar contra” o outro violeiro.
“Enquanto vivi exclusivamente da cantoria, o objetivo era realizar um trabalho mais benfeito que o outro. Quem se apresentasse melhor vencia o desafio”, comenta o repentista Manuel Bandeira de Caldas, ou Daudeth Bandeira, como é conhecido na profissão da viola. Ele acompanhou a passagem de geração em que os repentistas criaram outra ética para sua arte, a qual vigora mais ou menos desde a década de 1960, quando se tornou mais comum os cantadores formarem duplas para se apresentar. De qualquer maneira, na cantoria de viola, mesmo entre amigos, existe o desafio, pois há sempre uma plateia atenta ao que se está dizendo e de alguma forma comparando a versificação de um e outro. “É você fazer a sua estrofe, a sua construção mais bonita, mais perfeita que a do outro... Esse é o grande desafio”, acrescenta Bandeira.
Cantar com um parceiro pode ser recomendável porque, além das afinidades estéticas e da relação de amizade, pode haver ajuda mútua, caso um dos dois não esteja tão inspirado, e mesmo assim no final da apresentação ambos dividem o dinheiro arrecadado na “bandeja”. Contudo, Bandeira diz que para ele nunca aconteceu de faltar repente e não ter possibilidade de cantar: “Acho que isso não ocorreu com ninguém, porque é um jogo de palavras, e o cantador está acostumado a usá-las, tem facilidade de lidar com as rimas”. Ele diz, no entanto, que há ocasiões em que está menos inspirado.
Aprendizado
Apesar da diferença básica entre a expressão oral improvisada e o texto poético impresso, é comum relacionar a cantoria de viola à literatura de cordel. Ambas constituem ramos de uma mesma raiz cultural, de origem sertaneja, rural, nordestina. Elas coincidem nas métricas básicas, como a sextilha, mas a cantoria costuma usar mais variações.
O movimento editorial do cordel teve início com Leandro Gomes de Barros (1865-1918), Francisco das Chagas Batista (1882-1930) e Silvino Pirauá de Lima (1848-1913), provavelmente na segunda metade do século 19, embora só existam documentos preservados a partir de 1902. Produzido para ser cantado ou declamado, o cordel é subdividido em diversos gêneros e classificações, com destaque para o chamado “romance”. Nesse gênero, os poetas adaptavam em versos e à sua realidade cultural grandes clássicos do repertório europeu, como a História do Imperador Carlos Magno e dos Doze Pares de França, e até árabe, como a História da Donzela Teodora. Muitos cantadores memorizavam esses textos de cordel e os cantavam nas feiras livres para ganhar dinheiro com as apresentações e a venda dos folhetos.
A família de Severino Feitosa morava em um sítio, onde plantava mandioca, milho e feijão. “Meu pai tinha uma viola e no período de entressafra ele cantava. Chegava a viajar de 40 a 50 quilômetros, em lombo de burro ou cavalo, para fazer as cantorias dele”, lembra Feitosa. O dinheiro das apresentações do pai ajudava na renda familiar. Ele costumava receber cantadores em casa, o que ajudou a influenciar o filho, que ainda adolescente começou a cantar nas casas de farinha dos sítios.
Nessas ocasiões, Feitosa combinava com um primo para, juntos, improvisarem repentes enquanto as pessoas mexiam a farinha ou raspavam a mandioca. “Naquela época, um dia de serviço valia 5 mil réis. Um camarada fazia a cota com o pessoal, e a gente tirava de 15 mil a 20 mil na cantoria”, comenta Feitosa, que logo percebeu estar mais afinado com o repente que com o trabalho rural.
Feitosa passou então a cantar também com o pai nas feiras das cidades e povoados da região: “A gente levantava às três horas da manhã e ia a pé, por 25 quilômetros, para estar na feira às oito horas. Depois da apresentação, à noite ainda íamos para o sítio cantar de novo”. Os repentistas chegavam às feiras livres e costumavam se achegar a algum bar próximo durante o horário de movimento. Cantavam e aproveitavam o grande fluxo de pessoas para fazer os “tratos”, ou seja, o agendamento para a semana. “Em certos lugares onde a gente se apresentava não tinha nem energia elétrica, o povo usava ainda luz de candeeiro”, afirma Feitosa. O pagamento poderia ser preestabelecido ou feito por meio de contribuições colocadas em uma bandeja que ficava perto dos artistas, sistema chamado tradicionalmente de pé de parede. Anos mais tarde, Feitosa se mudou para Patos, dando prosseguimento à carreira profissional.
Festival
Acostumados a se apresentar nas tradicionais cantorias pé de parede, em sítios ou em feiras livres, a partir dos anos 1940 os repentistas começaram a ocupar outros ambientes de espetáculo. Um fato marcante dessa passagem foi o convite feito por Ariano Suassuna, em 1946, aos irmãos Batista – Lourival (1915-1992), Dimas (1921-1986) e Otacílio (1923-2003) – para cantarem no Teatro Santa Isabel, no Recife, com a finalidade de arrecadar fundos para uma causa filantrópica. A famosa tríade de irmãos cantadores aceitou a proposta, mas a princípio foram rejeitados pelo então diretor do teatro, que não achava apropriado artistas da “cultura popular” ocuparem aquele “espaço nobre”. Os irmãos, porém, subiram ao palco e fizeram seus improvisos. No ano seguinte, foi a vez do Teatro José de Alencar abrir suas cortinas para a cantoria de viola. Lá, o jornalista e repentista Rogaciano Leite (1921-1969) organizou o I Congresso de Cantadores, que contou com a presença dos maiores improvisadores da época, como o Cego Aderaldo, Domingos Martins da Fonseca (1913-1960) e Otacílio Batista. Em outubro de 1948, houve outra edição do congresso, no Teatro Santa Isabel, que destacou a presença dos grandes do repente: Domingos Fonseca, os irmãos Batista, Severino Lourenço da Silva Pinto (o Pinto do Monteiro, 1896-1990) e Rogaciano Leite. Esses congressos em teatros, além de significar literalmente um novo palco para a cantoria, possibilitando ao público assistir a vários repentistas num mesmo evento, simbolizaram a chegada dos cantadores aos centros urbanos.
Dois meses depois do congresso pernambucano, um jornal cearense publicou a notícia de que o repentista Domingos Fonseca decidira fundar uma associação de cantadores, com a meta inicial de construir uma casa que servisse de sede para os artistas que fossem cantar em Fortaleza. Ele e seu companheiro de viola, João Siqueira de Amorim (1913-1995), mobilizaram-se em busca de recursos para o empreendimento. Fonseca levou a campanha inclusive a outros estados do Brasil, como Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, a fim de obter mais apoio. Graças a esses esforços, em 20 de setembro de 1951 foi fundada a Associação dos Cantadores do Nordeste (ACN), com Fonseca como presidente e Amorim como primeiro-secretário. Em 1953, a prefeitura de Fortaleza doou um terreno para a construção da casa, iniciativa que só seria realmente concretizada na década de 1980. O exemplo de Fonseca e Amorim foi seguido por repentistas de vários lugares, que fundaram suas associações e construíram outras casas do cantador.
Nos anos de 1960, o rádio também se tornou um veículo muito importante para os repentistas. Cantar numa emissora era uma forma de triunfo profissional, uma vez que a divulgação em massa ajudava a obter convites para apresentações. Com o rádio, veio também a oportunidade de os cantadores gravarem discos, que simulavam desafios. Foi um momento delicado, pois os poetas teriam de fazer algo que parecia ir contra a essência dessa arte, que é o improviso. Ao mesmo tempo, porém, a gravação tornava disponíveis recursos técnicos que agradavam ao público, pois nos estúdios era possível obter um som mais limpo, a viola ficava mais equilibrada com a voz, e os próprios cantadores tinham um cuidado melódico maior. A professora Maria Ignez Ayala comenta que, ao lado da vertente tradicional, há outra contemporânea: “Parece que os cantadores se ajustaram talvez a um tempo da indústria”, diz ela.
Na década de 1970 ocorreram festivais marcantes em várias cidades do nordeste. Segundo o jornalista Astier Basílio, esses eventos de certa maneira formataram a cantoria de viola, pois selecionaram algumas modalidades de improvisação que seriam recorrentes nessas apresentações. A comissão julgadora observa o desempenho dos poetas nos quesitos rima, métrica e oração, dentro das propostas entregues aos artistas.
Basílio destaca que essa configuração dos festivais selecionou um público de maior poder aquisitivo, de mais escolaridade, o que gerou novas expectativas acerca do trabalho do cantador. “Se hoje em dia existe um cuidado especial com o português, se há a preponderância de determinados estilos, assim como a tendência de colocar outros em desuso, tudo isso se deve às exigências de mercado”, comenta ele. A observação técnica das rimas também ficou mais rigorosa: “Tem de saber rimar correto. O violeiro não perdoa rima errada”, explica Sebastião de Lima, presidente da Associação de Repentistas e Poetas Nordestinos, de Campina Grande (PB).
Além dos pés de parede e das apresentações em feiras e festivais, existe ainda a cantoria de praia, muito comum no litoral nordestino. Os poetas que a praticam muitas vezes são discriminados até por outros repentistas, que os chamam pejorativamente de “carregadores de viola”, “esmoleiros”, e acusam-nos de “denegrir a imagem da classe”. Antônio José Bento canta diariamente há 22 anos na praia do Tambaú, em João Pessoa. Só encosta a viola aos domingos. “Quem fala essas besteiras sobre mim e sobre todos os repentistas que cantam na orla marítima do Brasil um dia pode cair também. Muitos que disseram isso hoje estão aqui”, afirma Bento, que atualmente vislumbra uma carreira de forrozeiro com o grupo JB da Viola e o Forró Verdade.
“Nosso objetivo é demonstrar a cultura. Muitas vezes as pessoas que vêm de outros estados e até de outros países valorizam mais nossa cultura que o próprio pessoal da terra”, lamenta Paulo da Cruz Sobrinho. Ele e seu parceiro, Manoel Francisco Alves, há poucos meses alugaram um horário na rádio Tabajara, de João Pessoa, para apresentar o programa “Cânticos da Natureza”, que conciliam com a cantoria na praia.
Poesia no São João
Durante o mês de junho, ocorrem cantorias semanais em Caruaru (PE), Campina Grande e várias outras cidades do nordeste. Esses eventos se assemelham mais aos tradicionais pés de parede, pois costumam ser organizados em palcos pequenos, sem caráter competitivo e com uma liberdade maior para os poetas realizarem seus trabalhos. “A gente vê que é o único espaço do São João em que o público interage com o artista, pedindo motes, sugerindo temas, além de reunir gente de várias idades”, afirma Herlon Cavalcanti, coordenador de cultura popular em Caruaru.
Ao lado da cantoria de viola se apresentam todos os demais contemplados com a lei que reconheceu a profissão de repentista: os cantadores de coco (emboladores), os declamadores, os cordelistas. Neste ano, o Recanto da Poesia, no Parque do Povo, em Campina Grande, homenageou o poeta Manoel Monteiro. Ele estava lá com sua banca de cordéis para receber os visitantes, contar histórias, fazer retratos e vender seus trabalhos. Monteiro diz que participou das reivindicações pela profissionalização dos poetas, através da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), da qual é membro, e aguarda confiante a análise, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), para que o cordel se torne patrimônio cultural imaterial.
Em Campina Grande, as cantorias do período junino acontecem desde 2003, chegando em 2011 à nona temporada. Iponax Vila Nova é o mestre de cerimônias, que recebe os pedidos do público, recita poesias entre uma atração e outra e conversa com a plateia: “Vou pedir desculpas à Mônica porque a gente alterou um pouquinho o mote. A rima de ‘todos’, querida, não é ‘para todos’, né? ‘Na noite dos namorados/ A lua nasceu pra gente’ ”, anuncia Vila Nova. Curiosamente, enquanto a dupla João Paraibano e Antônio Silva canta a partir do mote proposto, a corda da viola de Silva se rompe, mas ele continua a estrofe: “Pus o nome no papel/ E no dedo uma aliança/ Depositei esperança/ Dediquei amor fiel/ Fiz uma lua de mel/ Com ela tão certamente/ E daquela nossa semente/ Dois frutos foram gerados/ Na noite dos namorados/ A lua brilhou pra gente”. Como verdadeiro repentista, Paraibano nota aquilo, pega a deixa da palavra do último verso e segue o improviso: “Vamos parar o repente/ Sua corda está quebrada/ Depois que a corda se quebra/ Se torna desafinada/ Todo pássaro voa baixo/ Se a pena estiver molhada”. E o repente nordestino continua em disparada, voando ágil, veloz e preciso.