Postado em 05/01/2012
por Carlos Juliano Barros
No apagar das luzes do último mês de outubro, o secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Luiz Cláudio Costa, embarcou para a cidade chinesa de Xangai a fim de participar da 4ª Conferência Internacional sobre Excelência Universitária. À primeira vista, a viagem poderia parecer apenas mais um compromisso protocolar. Porém, desde a criação dessa espécie de congresso mundial da elite acadêmica, oito anos atrás, essa foi a primeira vez que um representante brasileiro recebeu convite oficial para expor as medidas que o país vem adotando para qualificar sua pesquisa científica e aprimorar o ensino superior como um todo.
Pouco tempo antes da realização dessa conferência em Xangai, os meios de comunicação nacionais deram bastante destaque à divulgação de um ranking – elaborado pela respeitada consultoria inglesa Times Higher Education (THE) – que elenca as melhores universidades do planeta. Também pela primeira vez na história, uma representante brasileira figura entre as 200 mais bem avaliadas. Ocupando o 178º lugar, a Universidade de São Paulo (USP) é, na realidade, a única de toda a América Latina a aparecer na listagem. Os dados do THE foram divulgados um mês após outro conceituado ranking, organizado pelo também britânico Quacquarelli Symonds (QS), colocar a USP e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) entre as 300 melhores do mundo, nas posições de número 169 e 235, respectivamente. O bom – e inédito – desempenho da mais renomada instituição de ensino superior brasileira foi parar inclusive nas páginas da revista inglesa “The Economist”. Apesar de rasgar elogios à USP, a publicação afirma que, de modo geral, nas universidades latino-americanas, “o impacto das pesquisas é inexpressivo, as técnicas de ensino são ultrapassadas e a taxa de evasão, muito alta”.
Se por um lado o Brasil precisa ainda percorrer um longo caminho para se integrar definitivamente ao pelotão de frente da produção científica mundial, por outro, esses episódios recentes mostram que o país vem, sim, encurtando essa distância. Atualmente, já ocupamos o posto de 13º maior produtor de artigos acadêmicos em todo o planeta, segundo a Thomson Reuters – a mais confiável base de dados sobre o assunto. Nesse quesito, se nos compararmos a outras nações de perfil semelhante, como as que compõem o bloco dos chamados Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), ficamos atrás apenas do gigante de olhos puxados, cuja economia cresce a taxas astronômicas. Em alguns campos do conhecimento, tais como medicina tropical, engenharia aeronáutica e biogenética aplicada à agricultura, nossos centros de pesquisa já são tidos como referências globais. Além disso, não se devem encarar as classificações feitas pelo THE e pelo QS, por exemplo, como “escrituras divinas”, alerta o professor Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), “porque essas listas têm falhas”.
Na verdade, existem pelo menos cinco rankings diferentes que se destinam a aferir a qualidade das universidades em todo o mundo, com cálculos que levam em conta as mais diversas variantes. Há desde os que contabilizam o número de agraciados com Prêmio Nobel que fazem parte do corpo docente, passando pelos que consideram o número de páginas na internet que citam determinada universidade, até aqueles que se pautam pela avaliação que os diretores das maiores empresas do mundo fazem sobre a formação de seus funcionários. Nesse sentido, é mais do que natural que instituições consagradas – como as americanas Harvard e Stanford ou as britânicas Oxford e Cambridge – encabecem essas listagens, alimentadas por plataformas de dados criadas basicamente nesses dois países. Por outro lado, pondera Luiz Cláudio Costa, do MEC, “não é o caso de quebrar o termômetro”, já que os rankings oferecem pistas valiosas sobre o que precisa ser melhorado. “Essas listagens deixam claro, por exemplo, que as universidades brasileiras têm certas deficiências no que diz respeito ao impacto da produção científica”, analisa o professor Brito Cruz, da Fapesp. “Isso é uma coisa com que devemos nos preocupar mesmo, porque as condições que existem para se fazer pesquisa aqui já são suficientemente boas para que nossa produção tenha impacto maior”, completa.
Segundo Costa, o Brasil atravessou nos últimos 15 anos uma fase necessária de ampliação do acesso ao ensino superior, ao mesmo tempo em que intensificou a avaliação das instituições de ensino, sobretudo as privadas, descredenciando aquelas que não atendiam a padrões mínimos. “Precisávamos expandir, mas com qualidade. Agora, temos um desafio talvez um pouco maior: da qualidade para a excelência”, define ele. Apesar dos inegáveis avanços, é bem verdade que os dados ainda deixam a desejar: apenas 17,4% dos brasileiros entre 18 e 24 anos estão matriculados em alguma universidade. Até 2020, o MEC trabalha com a ambiciosa meta de elevar esse índice para 33%. E ainda existe um agravante: três quartos dos jovens em idade universitária estudam em instituições privadas, nas quais, é mais do que sabido, fazer pesquisa não é, por assim dizer, uma prioridade, salvo raras e honrosas exceções.
Avanços
Apesar de o setor privado responder por 75% das vagas no ensino superior, o incremento da pesquisa acadêmica realizada em território nacional deve-se principalmente ao robusto crescimento da rede pública, ao longo das últimas duas décadas. Isso porque nove em cada dez artigos científicos publicados no Brasil saem dos fornos das universidades federais e estaduais. Só na USP, por exemplo, o número de vagas na graduação e na pós cresceu 70%, desde 1989. Esse salto quantitativo, porém, foi alavancado, sobretudo, pela criação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Desde 2003, o governo brasileiro já criou 14 novas instituições de ensino superior. Alicerçado numa estratégia de “massificação” e “interiorização”, o Reuni mais do que dobrou o número de municípios brasileiros que contam com ao menos um campus e quase triplicou o total de vagas – que passaram de 100 mil para 250 mil – oferecidas nos cursos de graduação.
Nos últimos dez anos, os cursos de pós, berço da produção científica de ponta, também tiveram grande expansão. Nesse período, os chamados programas completos – aqueles que contam com mestrado e doutorado – passaram de 776 para 1.453, segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Assim como na graduação, a oferta de pós também seguiu a lógica da interiorização, o que vem contribuindo para diluir a excessiva concentração da produção científica nas universidades do centro-sul do Brasil. “A taxa relativa de crescimento do número de programas de pós-graduação, entre 2007 e 2010, foi três vezes maior no norte que no sudeste”, afirma Lívio Amaral, diretor de Avaliação da Capes.
Outro dado positivo é o aumento expressivo do número de bolsas de pesquisa: em 1995, cerca de 12 mil estudantes de mestrado e pouco mais de 7 mil de doutorado tinham sido contemplados com essa espécie de ajuda de custo. Quinze anos depois, os índices passaram para 33 mil e 22 mil, respectivamente. O diretor da Capes até reconhece que o baixo valor das bolsas – em média, R$ 1,2 mil para mestrado e R$ 1,8 mil para doutorado – é um problema que ainda precisa ser resolvido. Tanto é que, dois anos atrás, os pesquisadores, que antes eram proibidos de acumular fontes adicionais de recursos, além da bolsa, foram liberados para se dedicar a outras atividades remuneradas. Porém, essa autorização está condicionada à anuência do departamento a que o pós-graduando está vinculado.
Em São Paulo, a Fapesp até paga valores ligeiramente superiores aos oferecidos pelos órgãos federais de fomento à pesquisa, como a Capes e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Porém, na opinião de Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP, as bolsas são na verdade uma forma de “complementação”, uma vez que os cursos de mestrado e doutorado nas universidades públicas são mantidos integralmente com recursos estatais. “Mesmo assim, é preciso encontrar patamares financeiros superiores aos existentes, mas de acordo com o poder de investimento dos estados e da União”, reconhece.
Entretanto, o apoio não se restringe apenas à concessão de bolsas para mestrandos ou doutorandos. Segundo o diretor científico da Fapesp, as agências de fomento federais e estaduais nunca financiaram tantos projetos de pesquisa. “Hoje, um pesquisador em São Paulo que manda uma proposta para a Fapesp tem 60% de chance de ser contemplado. Já no caso de um pesquisador de Londres que envia um projeto para um dos research councils [agências de fomento] do Reino Unido, a possibilidade de aprovação fica entre 12% e 18%”, analisa Brito Cruz. O professor ressalva, no entanto, que em países como Inglaterra, Alemanha e EUA a infraestrutura construída ao longo de várias décadas, com laboratórios, bibliotecas e outros serviços essenciais ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia, está bem à frente da brasileira. “Aqui a estrutura vem melhorando, mas precisa se aprimorar mais para ficar competitiva de verdade”, acrescenta.
Internacionalização
A divulgação do conhecimento concebido nas universidades brasileiras ainda esbarra em um obstáculo curioso: o idioma. “Não tem jeito, a língua da ciência é o inglês”, afirma Brito Cruz. Mais de 60% de nossos artigos científicos ainda são publicados apenas em português e, em sua maioria, constam de livros e revistas que circulam somente em âmbito nacional – o que restringe consideravelmente o número de citações que acadêmicos de outros países fazem de um paper brasileiro. E esse é justamente um dos indicadores mais valiosos para mensurar tanto a repercussão de uma pesquisa como a qualidade de uma universidade.
Segundo a Fapesp, quando se realiza um estudo em parceria com instituições estrangeiras e se publica o resultado em língua inglesa, o número de citações pode aumentar em até 50 pontos percentuais. “Já existem linhas de crédito da Capes e do CNPq para financiar revistas científicas e melhorar sua qualidade”, garante Lívio Amaral. Na avaliação do professor Jacques Marcovitch, “esse é um falso problema”, que pode ser facilmente resolvido. “Bastará que os pesquisadores, todos eles com domínio de pelo menos dois idiomas estrangeiros, traduzam seus artigos, com o apoio de revisores qualificados. Por outro lado, muitos veículos indexados já publicam textos de autores brasileiros em inglês”, afirma.
A barreira do idioma não é um entrave apenas à divulgação de pesquisas. Ainda são raríssimas as universidades em que as bancas formadas para analisar a contratação de professores são realizadas em outras línguas, o que estimularia a participação de mais profissionais estrangeiros nos concursos. Isso, porém, não quer dizer que medidas importantes não estejam sendo tomadas para estimular a ainda embrionária “internacionalização” das universidades brasileiras. No ano passado, a Capes e o CNPq criaram um programa batizado de Ciência sem Fronteiras, que oferece 75 mil bolsas tanto a estudantes brasileiros que desejam fazer pós-graduação no exterior como a pesquisadores de outras partes do mundo que queiram trabalhar aqui. “É uma ideia que, felizmente, foi retomada. Estávamos perdendo a oportunidade de dar acesso a nossos estudantes ao que há de mais moderno em ciência, contentando-nos apenas com o aspecto quantitativo de nossa produção científica, que vem aumentando em função dos investimentos ao longo dos últimos anos”, analisa Ronaldo Pilli, pró-reitor de pesquisa da Unicamp.
Essa mesma universidade, por sinal, criou três anos atrás um projeto pioneiro para a contratação de professores estrangeiros, pelo qual os docentes com doutorado concluído, mas em início de carreira, recebem uma bolsa de até R$ 8,3 mil por um período de, no máximo, dois anos. “Nosso compromisso é que, ao final desse programa, eles tenham oportunidade de concorrer a um concurso nas áreas de pesquisa em que atuam, porque entendemos que são estratégicas para a universidade”, explica Pilli. Até o presente momento, a Unicamp já contratou cinco profissionais por meio desse projeto e espera que o quadro de professores estrangeiros chegue a 20 ainda em 2012.
Para fomentar não só a internacionalização, mas também a excelência, Pilli considera ainda que algumas regras que regem a gestão das universidades brasileiras poderiam ser atualizadas. Uma delas é justamente a que trata da isonomia salarial entre os docentes – isto é, o pagamento de uma remuneração padrão, que varia de acordo com a titulação e o tempo de casa de cada professor, mas que não leva em conta a qualidade de sua contribuição à ciência. “Se a questão da isonomia fez todo sentido num determinado momento do desenvolvimento da ciência e tecnologia no país, talvez hoje precise ser repensada para que as universidades brasileiras possam atrair profissionais mais conceituados do país e do exterior”, explica o pró-reitor da Unicamp.
Atualmente, nenhuma instituição de ensino superior brasileira pode abrir mão de um concurso e contratar a peso de ouro um profissional consagrado internacionalmente. “Essa é uma forma de garantir a impessoalidade no preenchimento das vagas nos quadros docentes”, argumenta Marcovitch. “Entretanto, chegou a hora de pensarmos um modelo que garanta esse princípio ético e, ao mesmo tempo, adapte as regras de contratação. O exemplo mais conhecido, um tanto exagerado, mas cabível, mostra que a USP, caso queira formar um corpo docente com detentores do Prêmio Nobel, não poderá fazê-lo, pois terá de submetê-los a concurso”, complementa.
Burocracia x autonomia
Outro ponto importante para alavancar a qualidade da ciência produzida no país diz respeito à necessidade de “proteger o tempo do pesquisador”, como define o diretor científico da Fapesp. “Nas boas universidades americanas e europeias, não é o pesquisador que faz a prestação de contas de seu projeto de pesquisa. Existe na universidade um escritório que cuida somente disso”, explica Brito Cruz. Porém, não se trata apenas de criar uma espécie de suporte administrativo, mas também de contratar pessoas que se ocupem diretamente da gestão do projeto, agendando reuniões, mandando artigos para congressos, convidando cientistas estrangeiros para ministrar palestras, dentre outras funções. “Algumas universidades já começam a fazer isso. O Departamento de Bioquímica da USP há tempos tem um serviço muito bom desse tipo. A Unicamp criou há alguns anos a Unidade de Apoio ao Pesquisador (UAP), que faz a prestação de contas e a compra de alguns insumos”, completa Brito Cruz.
Aliás, a aquisição de matérias-primas essenciais representa outro entrave na vida dos cientistas brasileiros. Além da burocracia que emperra as importações, causando atrasos nas pesquisas ou mesmo inviabilizando-as, há queixas generalizadas quanto à aplicação indiscriminada da lei 8.666/1993, que estabelece regras para os processos de licitação e compras públicas. “A legislação atual se baseia principalmente na questão do preço. Porém, nem sempre o material mais barato atende às necessidades do pesquisador”, argumenta Ronaldo Pilli, segundo o qual a lei precisa ser revisada.
Outra dificuldade a ser superada diz respeito à autonomia das universidades públicas, principalmente as federais. As estaduais paulistas, por exemplo, desde 1989 têm seu orçamento bancado por uma parcela fixa (9,57%) de tudo o que o governo estadual arrecada com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). “Com essa experiência, São Paulo teve um avanço importante. Pode ser que exista, mais para a frente, uma política do governo federal de aportar recursos de forma definida para as universidades federais”, explica Luiz Cláudio Costa, do MEC.
A questão da autonomia, no entanto, não é de ordem apenas financeira. Segundo Brito Cruz, da Fapesp, as federais ainda são muito suscetíveis a ingerências do MEC e não têm liberdade plena para definir os rumos da atividade acadêmica. “Numa universidade paulista, o conselho universitário decide do jeito que achar melhor quanto dinheiro vai aplicar em salário, em infraestrutura e em custeio da instituição. Enquanto isso, em uma federal, algum gênio em Brasília acha que sabe fazer isso melhor do que o conselho da universidade”, critica. O secretário de Educação Superior do MEC reconhece que as federais precisam aperfeiçoar seus processos de gestão, mas afirma também que muitos avanços foram conquistados nos últimos anos. “Hoje, elas têm autonomia para contratar docentes e funcionários sem autorização do governo”, exemplifica Costa. Além disso, as eleições para reitor em uma universidade federal são feitas de forma direta, com participação de toda a comunidade acadêmica – o que não se verifica, por exemplo, nas estaduais paulistas. Em linhas gerais, pode-se dizer que o Brasil até vem fazendo a lição de casa para incrementar a qualidade das universidades e das pesquisas científicas, embora ainda seja preciso fazer – e investir – muito mais para compensar o tempo perdido.