Postado em 09/02/2012
O quadrinista argentino Ricardo Siri, conhecido como Liniers, de 38 anos, é autor dos personagens engraçados e existencialistas de Macanudo, Bonjour, Posters, Cosas que te Pasan si Estas Vivo, entre outros. As histórias da menina Enriqueta e seu gato Fellini, do Misterioso Homem de Negro, de coelhos, duendes e pinguins são publicadas em livros em diversos países, no jornal argentino La Nación, no espanhol El Periódico de Catalunya e, desde 2009, dividem espaço com as tiras de Adão Iturrusgarai, Laerte e Angeli na Folha de S.Paulo.
Em passagem pelo Brasil, ele ministrou o workshop Encontro com Liniers! em 25 de novembro de 2011 e integrou o show Kevin Johansen + The Nada fazendo live painting, que é uma forma de improvisação de ilustração durante shows, em 24 e 25 do mesmo mês, ambos no Sesc Pompeia. Em depoimento à Revista E, o quadrinista fala sobre a parceria com o amigo e músico Kevin Johansen, sobre suas influências e processo criativo. “Normalmente as pessoas acham que uma tirinha ótima é resultado de uma inspiração genial, mas a sua primeira ideia com certeza não vai ser tão boa como a sua centésima ideia. A chave é desenhar muito e ter paciência”, diz. A seguir, trechos.
Vida de desenhista
Gostava muito de ler quadrinhos quando criança. Comecei lendo Mafalda, depois Tintim, Asterix. Como eu e um amigo do colégio éramos muito ruins no futebol, ficávamos no recreio desenhando quadrinhos, e desde então comecei a gostar.
Meus primeiros trabalhos foram fanzines, depois publiquei quadrinhos em revistas, até que entrei no jornal argentino Página 12, primeiro ilustrando algumas matérias, depois com o Bonjour, quadrinho que está sendo publicado hoje no Brasil. Nesse período, Maitena [escritora e cartunista argentina] me disse que eu deveria publicar no La Nación.
Ela acabou falando do meu nome no jornal e surgiu o convite: Macanudo estreou no La Nación em 2002. Gosto de desenvolver uma história, uma ideia, acho que isso me levou a ser quadrinista e não exclusivamente ilustrador. Fiz alguns desenhos para discos e pôsteres de filmes, mas acho que não sou tão bom ilustrador para viver só disso [risos].
O principal para ser um bom quadrinista é trabalhar muito. Normalmente as pessoas acham que uma tirinha ótima é resultado de uma inspiração genial, mas a sua primeira ideia com certeza não vai ser tão boa como a sua centésima ideia. A chave é desenhar muito e ter paciência. Os assuntos vêm de todos os lados. Nunca recorro ao mesmo caminho para fazer uma tirinha, porque senão perde a surpresa.
Se você juntar todos os quadrinhos e trabalhos que eu fiz, aquilo reflete de certa forma o que sou, são pequenas ideias que tenho. Não gosto muito de comparar estilos, mas claro que, se você analisar, eu e os quadrinistas da minha geração temos uma estética similar, porque nós lemos mais ou menos as mesmas coisas, temos referências culturais em comum.
Influências
Todos os tipos de artistas me influenciam, desde Woody Allen, Bob Dylan até o jovem artista que acabei de conhecer. Sempre estou aberto para ler e olhar. Do Brasil, uma grande influência para mim é Fabio Zimbres [quadrinista brasileiro]; a primeira vez que vi seu trabalho, aquilo mudou a minha cabeça.
O trabalho do Fabio não tem nada em comum com nada, é totalmente diferente de tudo o que já vi. As tiras de Laerte, Angeli e Adão [Iturrusgarai] também são maravilhosas. O impacto de Quino para mim é muito grande não só como desenhista, mas como pessoa. Quino tem algo como [Charles] Chaplin ou [Bob] Dylan. Quando termina de ver um filme do Chaplin, você se transforma em um ser humano melhor; com o Quino é a mesma coisa. Ele é o desenhista de quadrinhos argentino por excelência.
Crítica política
Comecei a publicar Macanudo no meio da crise econômica, em 2002, era uma época de pessimismo muito grande, parecia que o mundo ia cair nas nossas cabeças. Macanudo é uma palavra argentina que significa que está tudo bem, como supimpa, então as tiras eram uma pequena dose de otimismo diário para os leitores. Ser otimista naquele momento era uma forma de ser contra o sistema.
Os quadrinhos, assim como toda forma narrativa, são o meio perfeito para a crítica social ou política. Para as coisas melhorarem, tanto o cinema quanto o jornalismo e os quadrinhos devem ter liberdade absoluta. E muitas vezes os desenhistas conseguem dizer coisas que os jornalistas não conseguem; talvez pelo fato de os desenhos serem simpáticos, as críticas passem mais fácil [risos]. Às vezes uma boa ilustração política é mais interessante do que uma matéria.
Quadrinhos ontem e hoje
Com a crise de roteiros de Hollywood, o cinema encontrou nos quadrinhos uma fonte de ideias novas. Os quadrinhos melhoraram muito nos últimos 20, 30 anos. Sempre existiram gênios no mundo dos quadrinhos, mas eles tinham que trabalhar em um mercado muito restrito, escrevendo histórias para crianças ou de aventura ou de super-heróis. Atualmente eles estão experimentando a mesma liberdade que os escritores têm, o que fez com que os quadrinhos ficassem mais interessantes.
Live painting
Eu e Kevin [Johansen] somos amigos há muitos anos, mas nunca tínhamos imaginado fazer algo profissional juntos. Até que um amigo em comum, falando sobre o cenário do show, disse que, já que eu era quadrinista, poderia desenhar algo, e aí surgiu a parceria. Kevin me deixou muito livre para fazer todo tipo de experimentação durante o show.
Com esse projeto realizei o sonho de garoto de ser músico e, pelo menos de um jeito nerd, consegui [risos]. Comecei a desenhar no camarim, porque sou muito tímido, mas comecei a me divertir com a reação da plateia durante o show, os risos, então tomei coragem para subir no palco.
“O impacto de Quino para mim é muito grande não só como desenhista, mas como pessoa. Quino tem algo como [Charles] Chaplin ou [Bob] Dylan. Quando termina de ver um filme do Chaplin, você se transforma em um ser humano melhor, com o Quino é a mesma coisa”