Postado em 08/09/2011
por Pedro Biondi
Há dez anos entrava em vigor a lei federal 10.257, mais conhecida como Estatuto da Cidade, que regulamentou o capítulo de desenvolvimento urbano da Constituição Federal e instituiu uma tábua de mandamentos cujo norte era a ideia de cidades sustentáveis. Na busca desse cenário ideal, o uso da propriedade urbana é limitado pelo bem coletivo, pela segurança e pelo bem-estar dos cidadãos e pelo equilíbrio ambiental. Nas cidades sustentáveis, diz o estatuto, é assegurado “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”.
Ainda segundo o texto dessa lei, a política urbana tem por objetivo “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana” e deve ser implementada por meio de gestão democrática, com participação da sociedade. Seus instrumentos permitem adensar, flexibilizar, reorientar ou “congelar” áreas para estimular a atividade econômica, promover a qualidade de vida, baratear a moradia e preservar o patrimônio natural ou histórico. E propiciam ao governo municipal a recuperação de parte dos lucros gerados por melhorias de infraestrutura que valorizem imóveis ou regiões.
De lá para cá esses princípios e práticas entraram em implementação, acompanhados de passos importantes em trilhas legais, institucionais e políticas. Apesar disso, as áreas urbanas – onde se concentram 84,4% dos 191 milhões de brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – continuam gerando ou expressando carências profundas, relacionadas à falta de moradia, a nós de trânsito e à produção de montanhas diárias de lixo – problemas que, em muitos casos, vêm sendo descritos por imagens como “caos” e “colapso”. Seria a norma frágil, avançada demais ou fácil de contornar?
Na prática
Segundo o economista Jeroen Klink, as conquistas reais ficaram aquém da expectativa até aqui. “Não mudou drasticamente o processo de aprovação de obras e o controle social sobre ele, e tampouco a governança sobre a terra”, exemplifica o professor da Universidade Federal do ABC.
Entre as novidades para a administração municipal está a exigência de estudo de impacto de vizinhança (EIV) para empreendimentos com possíveis efeitos negativos. Também as audiências públicas compõem o cardápio de aberturas participativas para as decisões importantes. Poucas prefeituras, porém, têm lançado mão delas quando não são obrigatórias, e organizações civis se queixam das condições em que se dão as consultas. Por fim, praticamente não se tem notícia de algumas aplicações, como a desapropriação de imóveis subutilizados.
“Sob o ponto de vista das instituições e da política, o estatuto é um bebê ainda”, pondera o relator de direito à cidade da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca Brasil), Orlando dos Santos Junior. Em sua opinião, a questão de fundo é um conflito entre diretrizes e práticas de mercantilização e desmercantilização da cidade – ou seja, entre as “leis do mercado” e suas contrapartidas. “Temos uma Constituição em que a propriedade privada tem muita força”, comenta.
O vice-presidente do Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo (Secovi), Claudio Bernardes, destaca as possibilidades geradas para o desenvolvimento das cidades por instrumentos urbanísticos previstos no estatuto, como as operações urbanas consorciadas, a outorga onerosa e a transferência de potencial construtivo (ver texto abaixo). Ele faz contudo uma ressalva: “É como uma caixa de ferramentas cirúrgicas, que deve ser usada por alguém com capacidade. Nas mãos de um médico ruim, fica perigosa”. Bernardes, que também é pró-reitor da Universidade Secovi, explica que o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo no tempo, em especial, pode ser muito positivo ou muito negativo. Em sua opinião, os problemas que afetam os grandes centros e as localidades em seu entorno pedem hoje a elaboração de um “Estatuto da Metrópole”.
Longa gestação
O Estatuto da Cidade descende de uma das 83 proposições elaboradas pela sociedade civil e recebidas pelos parlamentares na Constituinte – a emenda popular 63/1987, ou Emenda Popular da Reforma Urbana, apresentada com 131 mil assinaturas. Boa parte de seu conteúdo não entrou no texto constitucional, mas foi incorporada na lei que o regulamentou.
Apresentado em 28 de junho de 1989 pelo senador Roberto Pompeu de Souza, o projeto de lei do estatuto herdou mais uma coisa daquele momento: o cabo de guerra entre o Movimento Nacional pela Reforma Urbana e entidades do setor imobiliário e construtivo, conforme explica o consultor legislativo do Senado José Roberto Bassul, ex-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil. O artigo 182 da Constituição, embora gerasse a necessidade imediata de uma lei federal para ser aplicado, deslocou em parte essa batalha para o âmbito local, ao dar centralidade ao plano diretor municipal na política urbana.
Entre outros, o projeto de lei do estatuto despertou a ira dos participantes da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). No entanto, diz Bassul, após anos de impasse na Câmara dos Deputados, o documento passou a agradar ao pessoal favorável à reforma urbana e ao capital imobiliário. “Boa parte dos instrumentos incluídos na proposta já vinha sendo posta em prática pelos municípios, com resultados animadores para o empresariado, e isso derrubou o preconceito que marcava o projeto como socialista”, explica.
As cidades se repensam
O Ministério das Cidades realizou uma campanha para estimular a elaboração do plano diretor – que é obrigatório para municípios com mais de 20 mil habitantes ou perfil turístico – e ao final 87% deles estavam em dia com o compromisso. Um balanço crítico dessa leva de planejamentos, apresentado no livro Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade, organizado por Orlando dos Santos Junior e Daniel Todtmann Montandon, mostra que os principais sucessos divulgados dizem respeito à adesão a processos participativos e sua promoção, bem como à inclusão dos instrumentos urbanísticos. Segundo o estudo, 91% dos planos têm zoneamento, 87% preveem mecanismos para desapropriação de imóveis ociosos e 81% criam zonas destinadas a habitação para a população de baixa renda. Apesar desses avanços, há falta não só de metas e estratégias como da própria identificação de fontes de recursos para sua consecução.
Outra constatação é que há baixa capacidade institucional e técnica das prefeituras para lidar com essas questões. Segundo Santos Junior, que é também coordenador da Rede para a Implementação dos Planos Diretores Participativos, isso reflete, em parte, falta de empenho em transformações. “É necessário chegar a um modelo de debate que explicite os interesses dos diferentes atores e os conflitos resultantes”, opina. “E para a implementação dos planos parece interessante cada cidade identificar os instrumentos que são mais úteis para ela e concentrar-se neles.”
Uma das principais recomendações do balanço é que os municípios avancem (e os estados e a União os apoiem) na estruturação do Cadastro Territorial Multifinalitário – ou seja, conheçam a si mesmos de forma detalhada para embasar quaisquer decisões.
A relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito a moradia adequada, Raquel Rolnik, e o professor Jeroen Klink concluíram em 2010 o estudo Crescimento Econômico e Desenvolvimento Urbano, sobre as cidades brasileiras e as condições de habitação em 1991, 2000 e 2008. Os autores elaboraram um indicador de condições de urbanidade baseado no acesso a infraestrutura, no qual são considerados adequados os domicílios fora de assentamentos precários (favelas e afins), com banheiro, luz elétrica, abastecimento de água, afastamento de esgoto e lixo, e no máximo duas pessoas por cômodo. Os dados referentes a 1991 apresentavam um país com cidades de baixas condições de urbanidade: menos de 23% de casas e apartamentos totalmente adequados e cerca de 50% dos municípios com índice zero de moradias nessas condições.
Em 2000, o quadro mostra um Brasil com 33% dos domicílios totalmente adequados (o que significava 30,5 milhões sem alguns dos itens mínimos) e nenhuma municipalidade com 100% das residências plenamente adequadas. Na projeção para 2008, a porcentagem de domicílios adequados crescia um pouco mais rápido. As variações, embora positivas em todas as regiões, foram mais intensas onde já havia melhores condições.
Eixo do PAC
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem na infraestrutura social e urbana um de seus eixos. Segundo seu último relatório, divulgado em julho, com dados consolidados até outubro de 2010, o programa previa destinar à habitação R$ 106,3 bilhões públicos e privados entre 2007 e 2010, beneficiando 4 milhões de famílias. Além disso, deveria garantir água e coleta de esgoto a 22,5 milhões de domicílios e infraestrutura hídrica (que inclui, por exemplo, a construção de canais, adutoras e barragens de médio e grande porte) a 23,8 milhões de pessoas.
Os desembolsos do governo para as duas áreas durante esse período, contudo, ficaram muito longe das metas, segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). De acordo com o documento, o governo previa gastar R$ 16,9 bilhões em habitação de interesse social pelo PAC, mas conseguiu desembolsar apenas 2% do total, atendendo 24 mil famílias. Já em saneamento, da meta de R$ 40 bilhões, somente teria sido aplicado R$ 1,5 bilhão. O Ministério do Planejamento afirma que esses percentuais subiriam se fossem computadas obras em curso, acrescentando que a falta de iniciativas semelhantes no período anterior deixou defasada a área de engenharia dos municípios, acarretando maior demora nas ações. Ainda segundo a assessoria de imprensa dessa pasta, o Programa Minha Casa, Minha Vida, lançado em 2009, chegou a 1 milhão de unidades contratadas no período, num esforço para cobrir parte do déficit habitacional.
O PAC 2 deve destinar R$ 278,2 bilhões à habitação até 2014, entre dinheiro público e privado, no âmbito da segunda edição do Minha Casa, Minha Vida. Há previsão do desembolso de R$ 22,1 bilhões em saneamento, R$ 18 bilhões para obras no metrô, corredores de ônibus e afins, R$ 13 bilhões direcionados ao setor de água em áreas urbanas e R$ 11 bilhões para drenagem e contenção de encostas (valores que não incluem a contrapartida de estados e municípios). Além disso, existe a intenção de construir equipamentos para qualificação urbana, como praças e postos de saúde.
Ciclo vicioso
O estudo de Jeroen Klink e Raquel Rolnik problematiza o cenário. A soma de elementos claramente positivos – crescimento da economia, oferta maior de crédito, “aumento espetacular” do gasto público em desenvolvimento urbano, um dos ciclos imobiliários mais intensos da história nacional, um novo marco legal – não estaria conseguindo suplantar um modelo viciado, “marcado por disparidades socioespaciais, ineficiência e grande degradação ambiental”, em que a população de baixa renda é sempre a menor beneficiária.
A solução não se completa em nível local, conclui Klink, porque essas questões passam pelo sistema político nacional e sua lógica de negociação. Para piorar, a precariedade que empurra pessoas para áreas ambientalmente frágeis e sem estrutura potencializa os efeitos de inundações, secas e incêndios. Este ano, mal tinha arrefecido a comoção com a tragédia na serra Fluminense, o sul do país já contabilizava milhares de desabrigados e dezenas de mortes em função de chuvas, sem falar no prejuízo financeiro. Em junho, foi a vez de Roraima enfrentar uma das piores cheias de sua história. A preocupação aumenta com o agravamento dos desastres devido às mudanças climáticas.
Entre as medidas anunciadas para enfrentar essa situação, 25 cidades deverão contar, a partir deste verão, com sistemas de alerta contra enchentes e deslizamentos. Está previsto para novembro o início das operações do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), criado por decreto em julho pela presidente Dilma Rousseff. O centro, onde trabalharão inicialmente 75 pesquisadores, deve receber investimentos de R$ 250 milhões até 2015.
Um atlas das áreas de risco foi encomendado pelo Ministério da Integração Nacional à Universidade Federal de Santa Catarina. Quando esta reportagem estava em fechamento, os inventários por estados se encontravam em fase de finalização.
A luta por um teto
Estima-se que 5,5 milhões de famílias careçam de moradia digna. Os números do déficit habitacional representam pessoas morando em favelas, cortiços e loteamentos irregulares. A partir desse contingente, formaram-se organizações como a União Nacional por Moradia Popular (UNMP), que descobriu nas ocupações de prédios e terrenos uma forma de chamar a atenção da sociedade e pressionar os governantes.
De acordo com a titular da Secretaria de Mulheres da UNMP, Maria das Graças Xavier, esses movimentos conseguiram bons ajustes no Minha Casa, Minha Vida, como o subsídio maior para famílias com renda de até três salários mínimos. As bandeiras atuais dos militantes passam pelo fortalecimento do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e pelo estabelecimento de um percentual mínimo para moradia nos orçamentos federal, estaduais e municipais.
Depois de crescer de 5,9 milhões de unidades, em 2000, para 6,3 milhões, em 2005, o déficit habitacional caiu substancialmente, chegando a 5,5 milhões em 2008. Os números são da Fundação João Pinheiro, do governo de Minas Gerais. Para acelerar o processo, Maria das Graças Xavier sugere que administrações municipais e estaduais se disponham a firmar parcerias. “A principal contribuição delas pode ser a oferta de terrenos centrais para Zeis”, esclarece.
Desde a década de 1990, iniciativas como o Programa Favela-Bairro priorizam a permanência dos habitantes, em vez da remoção para conjuntos distantes do trabalho e de referências pessoais. Em 2004, o governo federal passou a emitir títulos de posse para moradores de favelas por meio do Programa Papel Passado, que promove também a urbanização desses locais. “Somos a favor dessa iniciativa, como forma de dar alguma segurança a pessoas numa sociedade capitalista”, afirma a líder. “Estamos discutindo a possibilidade de um modelo com posse coletiva.”
Ruas congestionadas
A crise na mobilidade urbana, com a multiplicação de carros e motos, evidencia os efeitos colaterais da estabilidade econômica. O ritmo de crescimento do volume de veículos de passeio supera o da população na maioria das 15 metrópoles brasileiras, nas quais o número de habitantes subiu por volta de 10,7% e o de automóveis aumentou 66% entre 2001 e 2010, segundo estudo do Observatório das Metrópoles, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Isso significou mais de 900 mil carros despejados nas ruas a cada ano. Assim, Curitiba, Campinas, Florianópolis e São Paulo vão se aproximando de uma proporção de um carro para cada dois habitantes.
Como resultado, na saída do feriado de Corpus Christi de 2009, os paulistanos tiveram de encarar 293 quilômetros de congestionamento. Ainda de acordo com o Observatório, um em cada quatro moradores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro leva mais de uma hora para ir de casa para o trabalho.
“Falta uma visão do transporte como serviço essencial”, afirma Nazareno Affonso, coordenador do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT) e representante da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) em Brasília. “Os investimentos são regidos pelo mercado e o transporte coletivo é visto como algo ‘para os pobres’.”
Ele alerta para uma cultura em que o transporte individual se impõe como se fosse um direito natural, sinônimo de cidadania, ao mesmo tempo em que exige um esforço contínuo de grandes obras. “O correto seria tratar o automóvel como um dos elementos do sistema, cobrar pelos custos que gera e investir os recursos arrecadados nos serviços públicos do setor.” Pelos cálculos da ANTP, os carros poluem dez vezes mais que os ônibus urbanos por passageiro transportado.
O MDT estima que as tarifas de ônibus poderiam cair 12% se o diesel para esse fim tivesse o preço ajustado; 19% se o passe estudantil e as gratuidades fossem custeados pela sociedade como um todo, por meio do poder público, e não somente pelos usuários do sistema; e 18% com redução de tributos e encargos. Dessa forma, uma passagem de R$ 2 poderia ir para R$ 1. Levando a ideia mais longe, nos últimos anos ganhou corpo o Movimento Passe Livre, que reivindica operação pública do transporte e tarifa zero.
Metas ambiciosas
O Brasil produz hoje 200 mil toneladas diárias de lixo. E, com o avanço do debate sobre o tema, a própria palavra vai mostrando sua inadequação, já que a maior parte do que se joga fora é reaproveitável. Está em vigor desde agosto de 2010 a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e agora falta ao país implementá-la. “É uma política muito avançada, com metas ambiciosas”, diz o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano, Nabil Bonduki, do Ministério do Meio Ambiente. Uma delas é a eliminação dos lixões até 2014. “A grande questão reside não nos recursos, mas em capacitação e vontade política, especialmente dos municípios”, explica o secretário.
Grupos de trabalho com foco nos tipos mais problemáticos de resíduos estão debruçados na questão da logística reversa, pela qual os fabricantes se responsabilizam por seus produtos após o uso. “Essa foi uma vitória”, diz o professor titular aposentado Luiz Moraes, da área de saneamento, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ele foi um dos coordenadores do Panorama do Saneamento Básico no Brasil, elaborado por três universidades federais (a de Minas Gerais, a UFBA e a UFRJ) a partir de chamada pública do Ministério das Cidades. De acordo com o estudo, as soluções ou serviços de esgotamento sanitário, a drenagem e o manejo de águas pluviais estão em pior situação que o abastecimento de água e a coleta de resíduos domiciliares.
O Panorama, que calcula em R$ 420,8 bilhões o investimento necessário até 2030, apresentou alguns dados reveladores. Embora o abastecimento de água mostre o quadro mais crítico no campo, onde estão 73% dos domicílios do país sem esse serviço, o esgotamento é mais problemático na área urbana, que responde por 58% do déficit. Tanto num quesito como no outro, a região nordeste concentra carências, com 55% das moradias brasileiras sem rede de abastecimento de água, poço ou nascente com canalização interna, além de 43% daquelas desprovidas de acesso à rede coletora ou fossa séptica.
No que respeita aos resíduos sólidos, ainda segundo o Panorama, as cidades têm maior cobertura. Em 2008, cerca de 90% dos moradores de áreas urbanas tinham soluções classificadas como adequadas quanto ao manejo, contra 28,8% dos residentes no campo. Nesse item, 39 milhões de brasileiros não são atendidos. Novamente, a região nordeste é aquela que apresenta os piores índices, com a parcela de 58% dos domicílios não atendidos, no país, por coleta porta a porta de resíduos sólidos domiciliares. O sudeste vem em seguida, com 28%.
Contas, propostas e esperanças
Lançado em março, o Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água mostra a necessidade de um investimento de R$ 70 bilhões até 2025 em obras de água e esgoto, especialmente nas regiões metropolitanas e nas grandes cidades das regiões sudeste e nordeste. Segundo esse estudo, da Agência Nacional de Águas (ANA), mais da metade dos municípios brasileiros poderá ter seu abastecimento “no vermelho” já em 2015.
Um reforço para a PNRS foi incluído no Plano Brasil sem Miséria, por meio do qual os catadores de materiais deverão contar com empréstimos e cursos de capacitação, além de ser estimulados a formar cooperativas. Outra frente de sustentação da política de resíduos é o apoio federal a prefeituras para que implantem a coleta seletiva.
Mobilidade é o foco de uma proposta encaminhada pelo Secovi, em parceria com o ex-governador do Paraná e consultor da ONU Jaime Lerner, para o novo plano diretor paulistano, previsto para 2012. A ideia consiste em mudar o modelo de ocupação de maneira que as pessoas possam se deslocar menos. Polos ao longo das linhas de metrô e trem, voltados a todas as faixas de renda, contemplariam trabalho, estudo e diversão.
“O rompimento com a ordem vigente requer mobilização, movimentos sociais que se articulem em torno de novas utopias”, avalia Santos Junior. “O desafio não é mais buscar um novo modelo único.”
Instrumentos legais para o desenvolvimento das cidades
• Operação urbana consorciada – Conjunto de intervenções em uma área que visem a transformações estruturais. Os recursos gerados têm de ser investidos no perímetro delimitado.
• Outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso – Autorização, com cobrança, para que o empreendedor construa acima do limite original ou mude a finalidade de um terreno. Os valores se destinam a melhorias urbanas.
• Transferência do direito de construir – Permissão para que o dono de um lote venda a área construída a que teria direito para terceiros e/ou use noutro local.
• Parcelamento, edificação e utilização compulsórios – Associados ao IPTU progressivo no tempo (elevação da alíquota do imposto), combatem a ociosidade de imóveis. No limite, alguém que mantenha um terreno ou prédio para especular fica sujeito à desapropriação com títulos públicos.
• Zonas especiais de interesse social (Zeis) – Destinadas a habitação para baixa renda, são áreas vazias ou assentamentos a urbanizar ou regularizar.
• Concessão de uso especial para fins de moradia – Permite a regularização de ocupações de até 250 metros quadrados em terras públicas para pessoas que não tenham outra propriedade. Pode ser assegurada de forma coletiva.