Postado em 09/05/2011
por Nilza Bellini
A mais completa coleção mundial de palmeiras, 1,3 mil espécies originárias do Brasil, Ásia e Oceania, cresce nos canteiros do mais jovem jardim botânico brasileiro: o Inhotim, em Brumadinho (MG). Reconhecido em junho de 2010, ele é o 34º a integrar a Rede Brasileira de Jardins Botânicos, sociedade civil que promove a cooperação entre estudiosos e apoia a criação e o desenvolvimento de novas instituições do gênero. Inhotim é um éden encravado numa área de 145 hectares, cem dos quais abertos à visitação pública desde 2006. Suas 4 mil plantas são típicas de projetos paisagísticos. Além das palmeiras, há ali um expressivo conjunto de aráceas, incluindo de imbés a antúrios e copos-de-leite, com cerca de 500 espécies, a maior coleção viva dessa família no hemisfério sul.
A sensação que se tem do local, onde aos canteiros e estufas se integram mais de 500 obras de arte contemporânea de cerca de cem artistas, de 30 diferentes nacionalidades, é a de um intenso prazer visual, sonoro e olfativo, como aliás sempre acontece nesses espaços gigantescos que abrigam musgos, sementes e plantas. O diretor do Jardim Botânico do Inhotim, Rodrigo Salles e Portugal, destaca, porém, que esses lugares não são apenas bonitos parques para observação e lazer. Sua finalidade é, além da educação ambiental e da conservação da natureza, garantir que cada uma das espécies expostas seja parte de um catálogo científico que classifica a flora representada e que os resultados das pesquisas ali promovidas transponham os limites da área à qual estão confinados. Ainda criança, Inhotim tem pelo menos três linhas de pesquisa muito importantes, conta Rodrigo Portugal. “A primeira propõe a recuperação paisagística em áreas degradadas por mineradoras no quadrilátero ferrífero de Belo Horizonte, a segunda planeja antecipar a preservação de espécies e camadas de solo antes da intervenção das mineradoras e, em terceiro lugar, vem a busca de parcerias para montar uma extratoteca, que é um banco de extratos para pesquisa de princípios ativos em plantas”, conta.
História milenar
A ideia de um espaço para observação, preservação e cultivo de plantas e sementes é milenar. Essas coleções de enormes variedades de espécies, muitas delas raras ou em vias de extinção, existem em todo o planeta há quase 3 mil anos. Os registros arqueológicos e históricos apontam para o antigo Egito como o local onde surgiu uma das primeiras: um espaço que teria existido ali para o cultivo de plantas aromáticas. Com o tempo, esse modelo se aperfeiçoou e resultou na estrutura do italiano Orto Botanico, com canteiros para cultivo, vias para passeio público e observação e estufas para conservação. Fundado em 1595 e atualmente mantido pela Universidade de Pisa, esse instituto é referência mundial para os hortos atuais. No Brasil, os primeiros assemelhados a ele foram criados a partir de 1796, por determinação da rainha dona Maria I, a Louca, em Belém do Pará, Rio de Janeiro e São Paulo, segundo documentos preservados na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
A decisão portuguesa foi motivada principalmente pelo interesse que as plantas brasileiras já vinham despertando. Os jardins serviam para abrigar espécies, aclimatá-las e prepará-las para exportação. Um dos marcos do período, nessa história botânica, foi a tomada pelos portugueses de Caiena, capital da Guiana Francesa. Em 1809 eles se apossaram do jardim daquela capital, o La Gabrielle, onde já eram cultivadas a cana-caiana, a noz-moscada, o cravo, a fruta-pão e, segundo alguns registros, a carambola e a fruta-do-conde. Expropriaram mudas e as transferiram para o Horto do Grão-Pará, instituição que desapareceu em 1902. Então, os filhotes dessas mudas já estavam em hortos e jardins de outras regiões brasileiras ou mesmo sendo cultivados em sítios e fazendas.
Muita gente erra quando considera o Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) como o primeiro do Brasil, esquecendo-se do paraense. É verdade, porém, que o jardim carioca sempre foi o mais exuberante. Instalado por dom João VI em 1808, recebeu o nome de Real Horto. Por um erro histórico, durante muito tempo acreditou-se que suas primeiras mudas tinham vindo do La Gabrielle. Foi possível comprovar, posteriormente, que elas foram trazidas do Jardim La Pamplemousse, localizado nas ilhas Maurício, no oceano Índico. Entre as espécies importadas estava a Palma Mater (Roystonea oleracea) plantada pelo próprio dom João e fulminada por um raio em 1972, quando tinha cerca de 40 metros de altura.
O Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi aberto à visitação pública em 1822, mas apenas no início do século 20 definiu-se como um espaço cultural e científico. Ações da gestão histórica do naturalista João Barbosa Rodrigues, de 1890 a 1909, marcaram a instituição em definitivo. É desse período a construção do chafariz central e o início da estruturação do herbário. Atualmente o Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro é o mais importante do país no gênero.
Reconhecimento internacional
Rogério Gribel, diretor de pesquisa da instituição, conta sobre as diversas vertentes de educação e pesquisa que lá florescem. O JBRJ desde 2010 está classificado na categoria A, a mais alta para jardins botânicos brasileiros, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente. Nos últimos cinco anos, seus pesquisadores publicaram mais de 500 trabalhos, dos quais 334 artigos em periódicos especializados, 104 capítulos de livros e 15 livros (autoria, edição ou organização).
Toda essa ciência fortaleceu o reconhecimento no exterior e facilitou o financiamento de importantes projetos por organizações internacionais, como o Banco Mundial, além de favorecer parcerias com a iniciativa privada. “Também temos uma carteira muito rica de projetos em colaboração com outros jardins botânicos, universidades e instituições de pesquisa”, ressalta Gribel.
Uma das mais importantes dessas iniciativas é o projeto de repatriamento de centenas de milhares de exemplares da flora nacional descritos por naturalistas e depositados em Kew Gardens, em Londres, e no Museu de História Natural de Paris. Esse “repatriamento” é na verdade digital: as amostras são escaneadas e estarão em três anos disponibilizadas para toda a comunidade científica, como já acontece com cerca de 18 mil daquelas que pertencem ao herbário carioca. Sua execução demanda um sistema computacional complexo e é patrocinada pela iniciativa privada.
Dentre as publicações recentes da instituição, uma das mais importantes é o Catálogo de Plantas e Fungos do Brasil. Síntese de uma complexa pesquisa que envolveu 413 cientistas brasileiros e estrangeiros sob a coordenação do JBRJ, o catálogo tem mais de 1,7 mil páginas divididas em dois volumes. Publicado em 2010 com o apoio do Centro Nacional de Conservação da Flora, apresenta dados e estudos sobre todas as espécies conhecidas da flora brasileira, sua localização geográfica, gráficos comparativos entre biomas e informações sobre endemismos. “Esse trabalho confirmou que o Brasil tem a maior diversidade de plantas e fungos do planeta, cerca de 41 mil espécies”, explica Rogério Gribel. “Representou o cumprimento de uma das metas da Estratégia Global para Conservação de Plantas, tem versão online e é um estudo permanentemente atualizado.”
Gribel destaca, ainda, a pesquisa que envolve o resgate de plantas rupícolas, aquelas que crescem diretamente sobre as rochas, no trecho de construção da Linha 4 do metrô do Rio de Janeiro. O trabalho, financiado inteiramente pelo consórcio responsável pela obra, permitirá a preservação de coleções vivas dessas espécies, estudos sobre sua diversidade genética e sua posterior reintrodução nos locais dos túneis. Duas orquídeas e uma bromélia já raras são endêmicas dessas áreas. O mais ambicioso programa científico do JBRJ, porém, é o que vai elaborar a lista das espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção, o “Livro Vermelho”, patrocinado pelo Banco Mundial. Essa iniciativa, de caráter nacional, que estará sob a coordenação do JBRJ, envolve parcerias com várias outras instituições científicas e jardins botânicos de diferentes regiões do país e permitirá, quando concluída, elaborar planos de ação para evitar o fim dessas plantas.
Preservação e educação ambiental
Outro importante jardim dos tempos do Império é o de São Paulo, implantado em 1825, imitando o do Grão-Pará, em terreno onde fica o atual Jardim da Luz, mas que só manteve as funções de espaço botânico até 1838. Cinquenta anos depois, o naturalista Alberto Loefgren propôs ao governo retomá-las no local, que fora transformado em passeio público. Não obteve sucesso. Para a ação que sugeriu destinaram-lhe outra área, na Cantareira, que mais tarde se tornou o Horto Florestal. Entre os objetivos de Loefgren, parcialmente atingidos, estavam estudos da flora paulista e a formação de parques e bosques de espécies nativas ou aclimatadas. Houve mais duas tentativas de montagem de jardins botânicos em São Paulo antes da instalação do que existe hoje na cidade. Uma ao lado do Museu Paulista, no Ipiranga, local chamado Horto Botânico do Ipiranga, e outra no Instituto Butantan, que recebeu o nome de Horto Botânico Oswaldo Cruz. Nenhuma vingou com essa finalidade.
O atual Jardim Botânico de São Paulo, no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, popularmente conhecido como Parque do Estado, no bairro da Água Funda, foi oficializado em 1938. No final do século 19, sua área consistia em uma vasta região com mata nativa, ocupada por sitiantes e chacareiros. As desapropriações feitas pelo governo começaram a acontecer na virada daquele século, de forma a tornar possível a utilização dos recursos hídricos da região e para que fossem preservadas as nascentes do riacho do Ipiranga.
Em 1928, a captação de água do riacho tornou-se insuficiente para o abastecimento do Ipiranga e essa função foi abandonada. Nesse ano, o naturalista Frederico Carlos Hoehne foi convidado a implantar ali um jardim botânico que servisse não apenas para recreação, como para a exposição de plantas ornamentais da flora paulista. Hoehne instalou um orquidário e executou um plano de urbanização na área, com caminhos para pedestrianismo, ruas e avenidas. No governo Getúlio Vargas, o projeto a princípio perdeu fôlego, mas foi retomado em 1938, ao ser oficializado o Departamento de Botânica do estado de São Paulo e determinado o início de pesquisas científicas para o estudo de espécies no instituto ali criado.
Atualmente, o herbário do Jardim Botânico de São Paulo possui um acervo de 350 mil exsicatas (fragmentos ou exemplares vegetais dissecados) e é uma das mais importantes referências da flora brasileira, com uma coleção de espécies vivas que alcança 50 mil itens. Seu Núcleo de Pesquisa em Educação para Conservação trabalha no cultivo de plantas de grande porte ameaçadas de extinção e do palmito-juçara (Euterpe edulis). A área ocupada para estudos no Instituto de Botânica ultrapassa os limites dos 360 mil metros quadrados abertos à visitação pública.
O engenheiro agrônomo Eduardo Catharino, doutor em biologia vegetal e diretor do Núcleo do Orquidário do Instituto de Botânica, por exemplo, comanda um importante trabalho de resgate de sementes e espécies ameaçadas de extinção, de complementação dos estudos florísticos e de recuperação das áreas degradadas por obras viárias, como foi o caso do Rodoanel. Carlos Eduardo de Mattos Bicudo, professor honorário da Universidade Nacional de Trujillo e da Universidade Nacional da Amazônia Peruana, ambas no Peru, colabora com um projeto do Instituto de Botânica que, a partir de um acervo de quase 45 anos de coletas, pretende catalogar todas as algas de rio, mar e águas salobras do estado de São Paulo.
A diretora Vera Lúcia Ramos Bononi, que supervisiona os 80 pesquisadores e cerca de 50 projetos do Instituto de Botânica, concentrados nos estudos para conhecimento e conservação da biodiversidade de algas, fungos, musgos e plantas da flora paulista, é ela própria especialista em fungos. Estranho falar de fungos? Não é. Vera Bononi ressalta estudos que mostram a importância desses organismos do reino Fungi, na maioria das vezes multicelulares (como os cogumelos e bolores), representados por mais de 200 mil espécies em todo o mundo, e dos quais há espécies endêmicas na flora paulista. Não fossem eles, o planeta estaria totalmente coberto por resíduos, mesmo os biológicos. São quase desconhecidos, mas responsáveis, por exemplo, pelo grande crescimento do tempo médio de vida do ser humano: por causa deles foi descoberta a penicilina.
Uma boa notícia é que, agora, segundo Vera Bononi, o Jardim Botânico de São Paulo vai ganhar um afilhado: o governo destinou verba para transformar em horto uma das áreas irregulares de Cubatão (SP). Com dinheiro do Banco Mundial, a Secretaria do Meio Ambiente quer levar projetos semelhantes também a outros municípios do litoral paulista, como São Sebastião. Esse inicial, de Cubatão, destina-se a recuperar áreas de encostas e transferir seus habitantes para conjuntos habitacionais na Baixada Santista e no ABCD. Quase 800 famílias já foram realocadas. A ideia é montar, também, programas de educação para o cultivo de plantas ornamentais, de forma a garantir fonte de renda para essas pessoas.
A rede
Se forem de fato instalados os novos jardins botânicos planejados para o litoral paulista, São Paulo será o estado da União com o maior número dessas instituições. No interior já funcionam, entre outros, os de Jundiaí, Bauru, Paulínia e Botucatu, este último ligado à Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em Santos, estão dois: o tradicional Orquidário Municipal e o Jardim Botânico Municipal Chico Mendes. Nos estados do sul do Brasil, o de Curitiba, chamado Francisca Maria Garfunkel Rischbieter, é o mais conhecido pelos turistas que visitam a região: sua estética, com canteiros triangulares, semelhantes aos dos jardins franceses monárquicos que se transformam em tapetes de flores na primavera, é encantadora, assim como a estufa, com três abóbadas e toda de ferro e vidro, inspirada nos palácios de cristal ingleses, art nouveau, e que é seguramente a mais bonita do país.
Lúcio Costa previu um jardim para Brasília, que seria instalado no eixo monumental. O projeto não vingou por falta de água naquela região. Em meados da década de 1980, a cidade ganhou seu parque botânico, mas com características totalmente diferentes daquelas previstas pelo arquiteto e urbanista. Uma delas, porém, o torna muito importante em relação a todos os outros: é o único do Brasil a preservar área de cerrado e um dos maiores do mundo em extensão territorial: 5 mil hectares. Além da flora, abriga fauna ameaçada de extinção, o que também não é comum em outros espaços desse tipo.
No norte brasileiro estão o Bosque Rodrigues Alves, em Belém, e o Jardim Botânico Adolpho Ducke, em Manaus. O mais antigo é o Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi, com 115 anos, legítimo herdeiro daquele dos tempos do Grão-Pará. Banco genético e mostruário da biota amazônica, o parque do Emílio Goeldi serve como sede ou extensão a alguns dos trabalhos desenvolvidos nos quatro grandes departamentos de pesquisa do campus do Museu Emílio Goeldi, instalado em outra área: são linhas de ciências da terra e ecologia, botânica, ciências humanas e zoologia.
Existem diferenças substanciais entre as características predominantes dos 34 jardins botânicos ligados à Rede Brasileira de Jardins Botânicos, mas é certo, também, que as pesquisas científicas sobre o mundo vegetal, alma da natureza, seriam muito mais pobres se eles não existissem, apesar do precioso trabalho que se desenvolve isoladamente em muitas universidades. São muitas as exigências que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) faz para classificar uma área destinada a pesquisa, conservação, preservação, educação ambiental e lazer como jardim botânico. O registro de novas instituições do gênero é deliberado por uma comissão nacional. Entre os requisitos está a contratação de pesquisadores e educadores para o meio ambiente. Hoje, 3 mil desses especialistas trabalham diretamente ligados a eles. Há 20 anos eram apenas oito essas instituições, e seus funcionários se resumiam a 300. O avanço foi significativo. Que seja cada vez mais.