Postado em 09/05/2011
por Miguel Nítolo
Era apenas uma questão de tempo. As empresas sabiam e o governo tinha consciência do que nos aguardava caso o país engatasse de fato um crescimento sustentado ou chegasse perto disso. Faltaria mão de obra qualificada – e a carência é tal que ameaça travar a expansão dos mercados e reter o avanço da economia. Esse é um problema que aflige basicamente todas as nações emergentes e anos atrás começou a afetar duro o Brasil, festejado hoje como um dos portos mais seguros para o capital. O fato é que a privação de pessoal habilitado não está causando dores de cabeça a apenas alguns segmentos, mas a numerosos ramos de atividade, colocando em estado de atenção as agências de recrutamento e mesmo os departamentos de recursos humanos de grandes corporações.
Na realidade, em nosso país a questão é ainda mais delicada devido a um importante detalhe: o pré-sal, uma porção do subsolo alguns quilômetros abaixo do leito do mar que guarda um enorme reservatório de óleo à espera de ser bombeado para cima. A extração dessa riqueza, numa faixa que se estende de Santa Catarina ao Espírito Santo e chega a alcançar 200 quilômetros de largura, vai exigir da Petrobras e das empresas privadas envolvidas na extraordinária tarefa um esforço gigantesco, em termos de investimentos, tecnologia e pessoal capacitado.
Então, se o Brasil já vinha carecendo de mão de obra especializada para atender a suas necessidades nos mais variados campos, com o pré-sal a situação ganha ainda maior proporção. Isso sem falar, é claro, do boom da construção civil e das grandes obras de infraestrutura que se tornaram prementes em razão da realização da Copa do Mundo de Futebol em solo brasileiro, em 2014, e das Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes e vice-presidente da Força Sindical, chama também a atenção para os pesados desembolsos nos setores automotivo, siderúrgico, eletroeletrônico, têxtil, químico e de papel e celulose. Ele relata que o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estima para os próximos quatro anos investimentos totais da ordem de R$ 3,3 trilhões. “Diante desse ciclo virtuoso de crescimento, é natural que a demanda de mão de obra especializada ganhe as alturas, notadamente nos segmentos de ponta”, diz.
Sinal de avanço
O que fazer? A trilha aberta pelas grandes economias aponta para a importação de mão de obra especializada. De certa forma, o Brasil já vem fazendo isso, só que ainda moderadamente, ao contrário do que recomendam alguns especialistas ouvidos pela reportagem, na opinião dos quais essa prática devia ser acelerada sem constrangimentos. De 2005 até o final de 2010, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) teria concedido perto de 190 mil autorizações de trabalho a estrangeiros. Apenas nos seis primeiros meses do ano passado, entraram legalmente no país 22,1 mil trabalhadores de vários pontos do planeta, especialmente dos Estados Unidos, Reino Unido, Filipinas, Colômbia, Argentina e Venezuela. “A escassez de mão de obra é sinal de que avançamos”, destaca Alfredo Behrens, professor de Liderança e Gestão Intercultural da Fundação Instituto de Administração (FIA). “E a solução passa, necessariamente, pela importação da mão de obra que nos faz falta”, prega.
O divulgado apagão de recursos humanos não aconteceu por acaso, longe disso. “Nas últimas duas a três décadas houve um verdadeiro desestímulo às carreiras científicas e técnicas”, observa Otavio de Mattos Silvares, reitor do Centro Universitário do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), de São Paulo, interpretando o atual momento. “Esse desestímulo, aliás, é semeado já na formação básica de nossas crianças”, sustenta.
Silvares lastima a escassez de professores do ensino fundamental e médio nos campos das ciências, matemática, biologia e química. Além disso, explica, como eles nem sempre estão suficientemente preparados e equipados para o bom desempenho didático, não levam as crianças e jovens a se encaminhar para o estudo das ciências. “O decrescente número de brasileiros que ingressam nas escolas de engenharia e nos institutos de física, química, biologia e matemática é consequência direta disso”, pondera o reitor do IMT. É sabido que o Brasil forma, anualmente, em torno de 30 mil engenheiros, mas a demanda a cada período giraria em torno de 60 mil profissionais.
De seu lado, o sindicalista Miguel Torres acentua que o sistema educacional não reage na velocidade que o novo padrão de desenvolvimento exige. “Por tudo isso são imprescindíveis investimentos pesados, públicos e privados, em educação geral e formação profissional. Para nós, trabalhadores, esse tema deve ser estratégico e prioritário”, diz. Na realidade, as providências terão de vir de todos os lados. “O governo terá de entrar com sua parte, melhorando o nível de qualificação, e as empresas terão de fazer a sua, contribuindo para o desenvolvimento e a capacitação desses profissionais”, sustenta Elaine Saad, vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH).
O professor Behrens lembra que o Brasil já enfrentou outros apagões de mão de obra, como nos casos da energia elétrica, do tráfego aéreo e dos portos, segundo ele em decorrência de décadas perdidas em virtude da baixa produtividade e dos desequilíbrios macroeconômicos que desestimulavam investimentos. “Mas apagões têm solução; do contrário, como a Índia e a China conseguem crescer mais do dobro que nós?”, pergunta.
O fato é que o emprego bate à porta, e a lista de ocupações que hoje faz a diferença no processo de crescimento da economia é extensa. “Os geólogos estão sendo caçados ainda nas universidades, além de vir aumentando a procura por petrólogos, petrofísicos e geofísicos. E se acham na mesma situação os profissionais especializados em perfuração e os técnicos capazes de avaliar o retorno financeiro dos projetos de exploração”, relata Adriano Bravo, CEO da Petra Executive Search, uma consultoria de recrutamento e seleção com atuação nas áreas de óleo e gás, mineração, energia, indústria de transformação, construção pesada e construção civil.
Segundo Bravo, as oportunidades também se abriram para os oficiais da marinha mercante, operadores de robôs submarinos e especialistas em processos petroquímicos, profissionais experientes em bombeio de produção e contadores com inglês fluente.
Ponta do iceberg
Também é esperado um intenso movimento no mercado de sondas nos anos vindouros por conta dos investimentos das petroleiras. Entretanto, diz Bravo, não haverá mão de obra capacitada em número suficiente para operar todos os equipamentos. “Essas sondas são de última geração e, portanto, a grande maioria dos profissionais brasileiros não tem especialização técnica para manuseá-las.” O titular da Petra Executive Search destaca que muitas outras áreas do setor petrolífero também estão exigindo pessoal habilitado, tais como os navios de apoio, de lançamento de linhas e de mergulho, assim como as unidades de produção, helicópteros e portos de apoio e fábricas de equipamentos com conteúdo nacional, para citar somente alguns exemplos. “As sondas são apenas a ponta do iceberg”, adverte. De fato, são. Monica de Mello, da Welcome Expats, de Macaé, no litoral do Rio de Janeiro, empresa de realocação criada com o objetivo de auxiliar expatriados, destaca que operadores de guindastes e plataformistas também estão sendo bastante requisitados, bem como especialistas em recursos humanos e TI (tecnologia da informação).
O investimento da Petrobras para o período que vai de 2010 a 2014, da ordem de R$ 224 bilhões, dá uma ideia do que vem por aí. “A ampla carteira de projetos da empresa vai movimentar toda a cadeia produtiva do setor de óleo, gás e energia, passando pela construção civil e pelos estaleiros”, ressalta a assessoria de imprensa da estatal. “Garantir que não falte mão de obra para cumprir esse planejamento e assegurar que a economia brasileira continue crescendo é um dos grandes desafios dos próximos anos”, completa.
Macaé, onde a indústria petrolífera cresce a olhos vistos, é o município com o maior número de estrangeiros em atividade. “Segundo a prefeitura, eles representam 10% da população local, de quase 200 mil habitantes”, destaca Monica. Ela arrisca dizer, contudo, que esse percentual é bem maior. “Não estão computadas as tripulações das plataformas e das sondas de perfuração, que alternam 28 dias a bordo e outro tanto nos países de origem. Na troca de turno desse pessoal a cidade acaba recebendo milhares de estrangeiros em trânsito.” Monica acentua que uma coisa é certa: a presença da mão de obra internacional vai aumentar ainda mais, e muito. “Há empresários determinados a trazer do exterior até mil pessoas ou mais”, conta.
Segundo o dirigente sindical Miguel Torres, em 2010 aproximadamente 53,4 mil estrangeiros foram autorizados a trabalhar no país e, mesmo considerando o fato de que esse número tenha crescido muito nos últimos cinco anos, a esmagadora maioria das concessões (95,4%) se destinou a trabalho temporário de até dois anos. “As autorizações permanentes representaram apenas 4,6% do total, e quase a metade delas foram concedidas a supervisores, administradores, diretores e gerentes. Por outro lado, a maioria das autorizações temporárias (52%) relacionou-se aos segmentos de estaleiros, embarcações e plataformas petrolíferas e de gás.”
Sem xenofobia
Ainda não se ouviram vozes contra a chegada da mão de obra estrangeira porque, explicam os especialistas, ela é muito bem-vinda. “O conhecimento que os trabalhadores de fora trazem deve facilitar a geração de empregos não só no ramo em que eles prestam serviço, mas em basicamente todos os segmentos”, pontifica o professor Behrens, da FIA. Ele assinala que a cadeia lógica de raciocínio é a seguinte: a falta de trabalhadores capacitados limita o crescimento. Em contrapartida, a importação de mão de obra especializada facilita a expansão que, por sua vez, cria empregos tanto para brasileiros quanto para estrangeiros.
O que pensam sobre isso o operário brasileiro e suas entidades de classe? “É preciso registrar que defendemos para os trabalhadores imigrantes, independentemente de nacionalidade e qualificação, as mesmas prerrogativas que preservamos para a mão de obra brasileira e que dizem respeito, por exemplo, às condições de trabalho, ao direito à informação e à proteção social e à igualdade de direitos”, sustenta o dirigente sindical Miguel Torres.
E o que pensa o imigrante sobre o Brasil? “Eles revelam grande ansiedade no tocante à segurança e à moradia”, relata Vivian Manasse Leite, sócia-diretora da Goingplaces, empresa de consultoria intercultural que dá assessoria tanto a empresas quanto a estrangeiros que vêm trabalhar no Brasil e a brasileiros que vão atuar no exterior. O desconhecimento da língua portuguesa e a burocracia também têm atrapalhado a vida dessa gente. Vivian comenta que, como em geral os estrangeiros não dominam nossa língua e muitos brasileiros com quem eles se relacionam falam um inglês apenas mediano, é comum ocorrerem sérios problemas de comunicação. A sócia-diretora da Goingplaces diz que essas dificuldades são de parte a parte, já que os brasileiros também reclamam dos trabalhadores de fora. Ela conta que as queixas nesse caso residem, conforme alegam, “na aparente falta de interesse pela vida pessoal dos funcionários daqui (a priori, a aproximação se daria apenas entre os estrangeiros) e no isolamento dentro do ambiente de trabalho”.
Um dia os conflitos derivados da falta de pessoal qualificado serão – se não no todo – pelo menos em parte solucionados com a ampla disponibilidade de mão de obra local. Para isso, o país deverá investir mais e melhor em educação, especialmente na formação de quadros técnicos, necessários em qualquer nação em fase de crescimento.