Postado em 04/07/2011
O sociólogo marxista Michael Löwy lançou, recentemente, o livro Revoluções (2009, Boitempo), que reúne os principais registros fotográficos dos processos revolucionários do final do século 19 até a segunda metade do século 20.
No mês de maio, foi inaugurada uma mostra com 400 imagens do livro, expostas, no Sesc Pinheiros, até o dia 3 de julho. Filho de imigrantes judeus de Viena, Löwy nasceu em São Paulo, no ano de 1938, e se formou em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo.
Em depoimento à Revista E, relembrou alguns episódios marcantes da carreira, bem como discorreu sobre sua visão política, amparada na experiência, em Paris, onde vive desde 1969. Sobre o livro recém-lançado, Löwy fez questão de salientar a força das imagens para evidenciar a subjetividade revolucionária.
“Aprendemos muito com as fotos, sobre a composição social dos insurretos, o papel das mulheres, o lugar das barricadas. Nossa preocupação era fazer aparecer a revolução, não como uma abstração, uma ideia, mas uma ação de seres humanos, homens e mulheres, que se revoltam contra uma ordem que se tornou insuportável”, explica. “Estou convencido de que as fotos de revoluções – sobretudo se foram interrompidas ou vencidas – possuem uma poderosa carga utópica.”
Atualmente, Löwy é diretor emérito de pesquisas do Centre National de La Recherche Scientifique (CNRS), que o homenageou, em 1994, com a medalha de prata em Ciências Sociais. Entre outros livros, publicou A Teoria da Revolução no Jovem Marx (2002, Vozes), ?Walter Benjamin: Aviso de Incêndio (2005, Boitempo) e Lucien Goldmann ou a Dialética da Totalidade (2009, Boitempo). A seguir, os principais trechos da conversa.
formação
Meu primeiro guia nos meandros da política de esquerda foi o amigo Paul Singer, também de cultura judaico-alemã. Ele era marxista de tendência Rosa Luxemburgo, decididamente anti-stalinista. Assim, comecei, aos 16 anos, a ler Marx e, sobretudo, Rosa, que me inspirou uma paixão amorosa, política e intelectual, que perdura até hoje: seus escritos “fizeram minha cabecinha” e, por mais voltas que desse o mundo, nunca entreguei essa rapadura. Comecei minha vida política como luxemburguista e, de alguma forma, continuo a ser teimosamente fiel a esse primeiro amor.
Quando comecei a estudar Ciências Sociais, em 1956, o militantismo político estava no centro de meus interesses. Na rua Maria Antonia, onde ficava a USP [Universidade de São Paulo], tive a chance de ter professores como Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Antonio Candido, Fernando Henrique Cardoso – marxista, naquela época longínqua –, Paula Beiguelman, Azis Simão, entre outros.
Mais do que a sociologia que me ensinaram, o que marcou minha formação foi a descoberta, logo no começo de meus estudos, de um autor naquela época quase desconhecido no Brasil: Lucien Goldmann. O tipo de marxismo heterodoxo de Goldmann, suas críticas contundentes à sociologia burguesa e seu método dialético de sociologia da cultura me fascinaram.
surrealismo
Descobri o surrealismo nos meus tempos de estudante, através dos escritos de André Breton, dos poemas de Benjamin Péret e dos documentos reproduzidos por Maurice Nadeau, em sua História do Surrealismo. Desde 1975, participo das atividades do grupo surrealista de Paris. No curso de sua história, o surrealismo se relacionou tanto com o marxismo quanto com o anarquismo.
A adesão ao marxismo e à dialética hegeliana são aspectos essenciais do surrealismo, a partir do Segundo Manifesto (1930). A ruptura com o comunismo stalinista e a aproximação a Trotsky são testemunhas de uma visão marxista crítica. Ao mesmo tempo, sempre existiu no surrealismo um aspecto libertário, uma simpatia pelo anarquismo. O pensamento de Breton é uma forma de “marxismo libertário”.
socialismo
Considerando a propagação massiva de preconceitos antissocialistas pelos meios de comunicação, monopolizados pela oligarquia capitalista no Brasil, o surpreendente é a presença de uma forte corrente de simpatia pelo socialismo, em amplos setores sociais: trabalhadores do campo e da cidade, estudantes, intelectuais, cristãos progressistas.
Essa corrente pode se reforçar, à medida que se desenvolvem movimentos e partidos que associam de maneira profunda o combate anticapitalista, o horizonte revolucionário e a defesa das liberdades democráticas.
Não houve revoluções propriamente ditas na história do Brasil, mas sim alguns movimentos de rebelião, que tinham aspirações revolucionárias: a greve geral (dirigida pelos anarco-sindicalistas) de São Paulo, em 1917; a coluna Prestes; o levante da Aliança Nacional Libertadora em 1935; a resistência contra a ditadura militar nos anos de 1960-1970; e as tomadas de terra do MST.
Acho que o Brasil é um dos países do mundo onde a atividade intelectual marxista é mais intensa, com uma extraordinária produtividade, uma sede de conhecimento infinita e uma diversidade impressionante, que se traduz em livros, revistas, escolas de formação, e atividades culturais e políticas.
meio ambiente
A energia hidrelétrica deve ser utilizada, mas não dessa forma, com megaprojetos como Belo Monte, a serviço da indústria de exportação de alumínio, destruindo imensas áreas de vegetação. É uma pena que o governo brasileiro, em vez dessas obras faraônicas, que têm consequências ambientais devastadoras, não desenvolva as energias alternativas, como a eólica, solar.
Em minha opinião, socialismo e ecologia são inseparáveis. Por isso, o novo conceito, que começa a circular no mundo inteiro, o ecossocialismo. A crise ecológica atual e a perspectiva dramática do aquecimento global nas próximas décadas colocam em perigo a sobrevivência de grande parte da humanidade.
As soluções apresentadas pelas classes dominantes, no quadro da “economia de mercado”, são totalmente incapazes de enfrentar esse desafio, que exige alternativas civilizatórias radicais. O ecossocialismo é uma corrente de pensamento e de ação que propõe, ao mesmo tempo, a defesa ecológica e a luta por uma alternativa socialista. Para os ecossocialistas, a lógica do mercado e do lucro capitalistas conduz à destruição do equilíbrio natural.
fotografias
Geralmente, as fotos servem para ilustrar as análises históricas. No livro Revoluções, fizemos o caminho inverso: são as fotografias que nos contam o que aconteceu e o comentário trata de entender o ocorrido através das fotos. As imagens não substituem as palavras, a análise, a narração histórica, mas trazem uma dimensão essencial: a da subjetividade revolucionária, tal como se manifesta no olhar, nos gestos, no sorriso ou no desespero dos lutadores.
Aprendemos muito com as fotos, sobre a composição social dos insurretos, o papel das mulheres, o lugar das barricadas. Nossa preocupação era fazer aparecer a revolução, não como uma abstração, uma ideia, mas uma ação de seres humanos, homens e mulheres, que se revoltam contra uma ordem que se tornou insuportável.
Estou convencido de que as fotos de revoluções – sobretudo se foram interrompidas ou vencidas – possuem uma poderosa carga utópica. Contém uma qualidade mágica ou poética que as tornam sempre atuais, sempre subversivas. Elas nos falam ao mesmo tempo do passado e de um futuro possível. ::