Postado em 03/02/2011
No início do século 20, cerca de um terço da população da capital paulista era composto por pessoas nascidas no exterior. Até que, por volta de 1920, com a redução da imigração e o crescimento demográfico do país, o fluxo migratório interno sofreu uma aceleração, dando início ao que alguns estudiosos chamam de diáspora nordestina rumo ao Sudeste – entre outros estados, a São Paulo. “A migração de nordestinos para São Paulo teve seu auge na década de 1950”, explica o demógrafo Wilson Fusco, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife, e estudioso desse movimento migratório, na sua opinião devido a dois fatores principais: o momento de intenso crescimento industrial da capital paulista e a forte seca que assolou grande parte do Nordeste naquela época. “Os estados que mais participaram da migração para São Paulo foram Bahia, Pernambuco e Ceará, e a razão é simples: são os estados mais populosos”, informa ainda o demógrafo
Clássicos e modernos
O resultado dessa mobilidade é uma cidade com cerca de 20% de sua população oriunda de estados do Nordeste e uma enorme diversidade cultural. Sabores, sons, danças, sotaques. E novamente São Paulo se mostra o grande palco escolhido para essa “ópera brasileira”. “São Paulo reproduz as expressões sociais e culturais de sua própria população”, pondera Fusco. “A cidade tem vocação para o desenvolvimento. Foi isso que atraiu muitos povos, como os migrantes nordestinos”.
A agenda cultural da cidade é um dos bons exemplos de que, na terra da garoa, tem espaço para todo tipo de guarda-chuva. Mais especificamente na música, isso se traduz na grande quantidade de casas noturnas e espaços para shows de todos os tamanhos e preços. E quando o assunto é a música nordestina, é possível dizer o mesmo. “São Paulo é uma cidade cosmopolita”, analisa o músico Oswaldinho do Acordeon. “Tem espaço e gosto para tudo, com muita influência vinda de diversas partes.” Para o artista, o público que frequenta os endereços paulistanos da música nordestina mistura tanto os vindos de lá quanto os nascidos aqui – caso do músico que veio com o pai, Pedro Sertanejo, para São Paulo aos 8 anos. “Os paulistanos preferem o lado mais tradicional da música”, acrescenta ainda. “E também temos os descendentes, que aceitam outros estilos que surgem a partir do diálogo com outras sonoridades.” É o caso do público do Studio SP, localizado na Rua Augusta, frequentado pelos modernos de São Paulo e que apresenta jovens artistas, como a banda pernambucana Seu Chico, e promove encontros como o do músico Moraes Moreira e seu filho Davi Moraes.
Oswaldinho do Acordeon conta também que, em suas andanças pelas casas de forró de São Paulo, sempre acompanhando o pai – “que foi quem abriu a primeira casa de forró em São Paulo”, afirma –, pôde testemunhar uma “expansão” dos ritmos nordestinos na Região Sudeste do país. “A coisa se deu em longo prazo”, afirma. “Depois de muita luta, tentando convencer as autoridades de que a música nordestina é a cultura de um povo – seu modo de vestir, de falar, seu comportamento e sua preferência por ídolos como Luiz Gonzaga [1912-1989], Marinês [1935-2007], e Trio Nordestino.”
Como dica de bons lugares para ouvir a música nordestina tradicional – mais especificamente o chamado forró pé de serra, Oswaldinho indica as casas Canto da Ema e Remelexo, ambas no bairro de Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo [veja quadro com endereços]. “Além de projetos como a Virada Cultural, o próprio CTN [Centro de Tradições Nordestinas], que abrange estilos mais atuais e populares, uma vez que há estrutura de grande porte”, informa.
É na base do e-mail
O músico paraibano Fúba de Taperoá, há 30 anos em São Paulo, é dos artistas que costumam apresentar seu forró nas casas de Pinheiros indicadas por Oswaldinho – o artista se apresentou no projeto No Meio da Pista Tem Paulista, do Sesc Pompeia (veja boxe Arrasta-pé). Para ele, embora a mídia ainda esteja devendo espaço aos representantes de ritmos nordestinos, o público sempre dá um jeito de comparecer. “Hoje é tudo na base do e-mail”, comenta. “Então os meninos [refere-se aos produtores das casas onde toca] põem o nome da gente no e-mail e mandam para cinco mil pessoas. Todo mundo que gosta de forró vê aquilo ali e daí vai atrás.” Segundo Fúba, o esquema é o mesmo na Cooperativa Brasil, em Campinas, interior de São Paulo, onde se apresenta.
Já sobre o público, o músico resume: “É novo e velho. Não tem essa história de ser uma linha só, não. Vai coroa, vai menino novo, vai muita mulher, que depois fica tirando foto comigo.” Um dado curioso para Fúba é que, nos locais onde faz show, acaba percebendo mais a presença de paulistas curiosos do que de nordestinos querendo matar a saudade dos ritmos da sua região natal. “Esse nordestino que está aqui não curte muito esse forró pé de serra, do trio zabumba, sanfona e triângulo. A maioria acaba indo nesses shows de bandas para ver as mulheres de saia curta (risos). Nisso, quem procura esses shows de trio acaba sendo mais a classe média paulista.”
O CTN, localizado no Bairro do Limão (próximo à Marginal Tietê), Zona Norte, é outro endereço certo para as diferentes variações da música nordestina. O local, construído em 1991, numa área de 27 mil metros quadrados, chega a receber sete mil pessoas por show – e cerca de 100 mil por mês. “Hoje vemos que o CTN é frequentado por pessoas de diferentes níveis sociais”, afirma Cristina Abreu, criadora do espaço, juntamente com o marido José de Abreu. “É predominante o público de classes C e D, mas hoje é possível encontrar também pessoas até da classe B”, garante a empresária, que, também com o marido, criou a Rádio Atual, endereço da música nordestina no dial.
Com os 20 anos de experiência com a noite paulistana, Cristina garante que, hoje, São Paulo “dá conta de refletir toda a diversidade cultural do Nordeste inclusive na música”.
Sua dica? Claro, o próprio CTN. “Nós sentimos que o povo nordestino se sente em casa aqui.”
Arrasta-pé
Sesc Pompeia traz música nordestina em projeto feito para todo mundo dançar
Com o nome de No Meio da Pista Tem Paulista, o projeto musical realizado pelo Sesc Pompeia, em janeiro, buscou mostrar como São Paulo é a capital de todos os ritmos brasileiros – e salão perfeito para todos os bailes. Para representar a música nordestina, a programação apresentou shows de nomes que garantem a festa: Os Três do Nordeste, que tocou no dia 21, e Fúba de Taperoá, programado para o dia 28.
Criado em 1969 por Parafuso, Zé Cacau e Zé Pachego, o grupo Os Três do Nordeste (foto) chegou a ser apadrinhado por Jackson do Pandeiro. Com quase 40 anos de carreira, o trio é o responsável por sucessos como Homem com H, hit na voz de Ney Matogrosso.
Já o paraibano Fúba de Taperoá, que mora em São Paulo há 30 anos, leva ao palco o repertório de seu mais recente disco, Forró do Bom (2010), que gravou com as participações especiais de Dominguinhos e Elba Ramalho.
Nordeste em São Paulo
Mais alguns locais onde o público pode se esbaldar com os ritmos da região
Remelexo Brasil
Rua Ferreira de Araújo, 1076 – Pinheiros
Informações: (11) 3034 0212
Canto da Ema
Avenida Brigadeiro Faria Lima, 364 – Pinheiros
Informações: (11) 3813 4708
Centro de Tradições Nordestinas (CTN)
Rua Jacofér, 615 – Bairro do Limão
Informações: (11) 3488 9421, (11) 3488 9417
Studio SP
Rua Augusta, 591 (sentido Centro)
Informações: (11) 3129 7040
Cooperativa Brasil
Avenida Doutor Eduardo Pereira de Almeida, 67 –
Parque Real, em Campinas,
Informações: (19) 3289 9683