Postado em 05/07/2011
por Alberto Mawakdiye
Famosas algumas delas, mas mesmo assim um tanto esquecidas, as estâncias hidrominerais brasileiras começam a desenvolver estratégias e a investir em infraestrutura para enfrentar a concorrência das cidades de sol e praia, como as do nordeste, que faz tempo se tornaram as preferidas da maioria dos brasileiros que viajam a lazer pelo país, hoje na casa dos 50 milhões por ano.
Muitas dessas cidades – que abrigam fontes de águas minerais ou termas medicinais e, em alguns casos, como Poços de Caldas, no sul de Minas Gerais, as duas modalidades de “águas saudáveis” – sobrevivem basicamente do turismo e viram suas receitas despencar com a queda do número de visitantes nas últimas décadas. Em algumas delas, o fluxo de pessoas praticamente se restringiu ao público de terceira idade, que sempre foi predominante nesse setor, mas jamais exclusivo.
O movimento de turistas no Circuito das Águas do Sul de Minas Gerais – o mais tradicional do país, e onde estão cidades referenciais do segmento, como São Lourenço, Cambuquira, Lambari e a própria Poços de Caldas – caiu, por exemplo, cerca de 70% apenas entre os anos 2000 e 2005.
Em São Lourenço, que recebeu 850 mil visitantes em 1980, o número hoje não chega a 260 mil. Até o início da década de 1980, a cidade – que tem o segundo maior polo hoteleiro de Minas Gerais, atrás somente de Belo Horizonte – apresentava uma proporção de 36 turistas/ano para cada morador. Hoje, essa relação é de cerca de 5 turistas/ano por morador.
A atividade turística, que chegou a ser a principal fonte econômica de Lambari, hoje representa somente 15% da arrecadação. Vários estabelecimentos hoteleiros e comerciais fecharam as portas. Cambuquira convive com sangria semelhante. “A cidade não é sombra do que foi no passado, empobreceu a olhos vistos”, diz Marilia Noronha, presidente da entidade não governamental Nova Cambuquira.
Uma queda menos dramática, mas mesmo assim expressiva, também atingiu as estâncias do Circuito das Águas Paulista – como Serra Negra, Lindóia, Socorro e Amparo –, tido como o segundo mais importante do Brasil. Monte Alegre do Sul, incluída nesse roteiro turístico, viu seu Produto Interno Bruto (PIB) cair 8% apenas entre 2002 e 2005, enquanto Águas da Prata, mais ao norte do estado, sofreu uma retração de 4,3% no período. Na verdade, as estâncias hidrominerais de todo o país – quase não há unidade da federação que não possua pelo menos uma – registraram declínio no número de turistas.
Praticamente todas as 12 estâncias de Santa Catarina, que oferece preciosos complexos de águas termais, como Piratuba, Treze Tílias e especialmente Santo Amaro da Imperatriz – cujas águas jorram a uma temperatura média de 39º C e que tem no Hotel Caldas da Imperatriz um patrimônio de mais de 150 anos –, encontram dificuldades para recuperar o volume de clientela do passado. O cenário se repete nas bucólicas estâncias do Rio Grande do Sul e do nordeste. Caldas do Jorro – distrito de Tucano, cidade localizada em pleno sertão da Bahia –, de cuja praça principal brota água a uma temperatura de 48° C, vive hoje quase às moscas.
Talvez a única exceção de vulto no país, dentro do segmento, seja Caldas Novas, em Goiás, onde fica a célebre Pousada do Rio Quente. Tida como a maior região hidromineral do mundo, com águas termais que alcançam até 60° C, e oferecendo atrações também na área de ecoturismo, a estância, que é relativamente nova em termos turísticos na comparação com outras (algumas do sul de Minas Gerais, como Caxambu, já eram visitadas no Brasil Império), chega a receber mais de 500 mil turistas no período de alta temporada.
“De fato, não há dúvida de que a grande maioria das estâncias hidrominerais brasileiras está precisando de um urgente banho de investimentos”, reconhece o presidente da Associação das Prefeituras de Cidades Estância do Estado de São Paulo (Aprecesp), Antonio Colucci, que é também prefeito de Ilhabela, uma concorrida estância turística do litoral paulista. “O tipo de turismo oferecido por elas também meio que parou no tempo. Em algumas cidades, as próprias instalações balneárias estão envelhecidas, decadentes, precisando de revitalização.”
Recuperação
São as estâncias de Minas Gerais – cuja decadência foi sentida na carne – que mais estão investindo para voltar a ser o que eram. Caxambu, por exemplo, conhecida por suas belezas naturais e pelo valor das águas minerais – a cidade reúne 12 fontes com propriedades químicas diferentes –, executou ampla reforma em seu luxuoso balneário, que ficou fechado durante três anos. Vitrais franceses, azulejos e pisos vindos de Portugal e da Inglaterra compõem o visual do imponente prédio construído no início do século 20, cuja revitalização foi financiada pelo governo estadual mineiro. Já São Lourenço destinou R$ 20 milhões – também advindos da administração do estado – para diferentes obras de infraestrutura e recuperação.
Em Araxá – cidade que não fica no circuito das águas sul-mineiro (localiza-se no oeste do estado), mas é uma das mais importantes estâncias hidrominerais do país –, o requintado Grande Hotel, que foi inaugurado pelo então presidente Getúlio Vargas em 1944 e esteve vários anos fechado para reforma, foi arrendado em 2010 do governo estadual (seu proprietário) pelo grupo hoteleiro Tauá, que se comprometeu a modernizar as operações, fazendo do estabelecimento também um resort e um spa.
O “upgrade” do Grande Hotel faz parte dos planos da prefeitura de Araxá de fortalecer as atrações turísticas alternativas da estância, que não são muitas – dadas as pequenas dimensões do município –, mas para lá de charmosas. Encravada em um vulcão extinto, Araxá é a cidade da lendária cortesã dona Beja – o casarão onde ela morou no século 19 é hoje um bem montado museu em sua homenagem. A cidade também apresenta potencial na área de ecoturismo e esportes radicais, e na rica gastronomia, em que se destacam os doces, queijos e compotas.
“Vamos transformar Araxá na capital nacional do bem-estar”, diz o prefeito Jeová Moreira da Costa, que está desenvolvendo com entidades públicas e privadas da cidade um projeto justamente com esse nome, Turismo de Bem-Estar. “A ideia é fazer com que todos os segmentos da área trabalhem em sintonia, para tornar a cidade um polo turístico diversificado, atraindo os mais diferentes tipos de público, inclusive aqueles mais jovens, que ficaram um tanto arredios.”
Políticas mais agressivas estão sendo igualmente adotadas por outras estâncias mineiras, de modo a torná-las mais atrativas e rejuvenescer o portfólio de clientes. A cidade de São Lourenço tem apostado na rota turística dos cafés especiais, com visitas programadas às fazendas da região. Já Caxambu vem tentando movimentar o turismo – que hoje responde por apenas 28% do PIB do município – por meio da realização de grandes congressos e eventos.
Iniciativas desse tipo não se restringem a Minas Gerais. Na paulista Socorro, o projeto Aventureiros Especiais tem buscado a inclusão dos deficientes no turismo de aventura, já tradicional no local. Já são dez as atividades desenvolvidas no segmento, como rafting, boiacross, trilhas, rapel e tirolesa. Os hotéis e pontos turísticos também estão sendo adaptados para esse público.
“Esse esforço de diversificação é bem-vindo. Nenhuma área de turismo de massa consegue sobreviver atendendo a somente um tipo de clientela”, elogia o consultor paulistano Jens Ruschmann. “As estâncias hidrominerais, porém, precisam compreender melhor sua vocação turística – não adianta forçar. Creio que seria mais sensato investir na diversificação, mas ao mesmo tempo modernizar o atendimento de seu público principal, a terceira idade, que aos poucos também vai abandonando esses locais.”
De acordo com Ruschmann – ele mesmo de terceira idade e que conheceu as estâncias em sua época de esplendor, nos anos 1940 e 50 –, os serviços turísticos oferecidos por essas cidades praticamente não mudaram desde então, a não ser no quesito qualidade, que em seu entender caiu muito. “Os velhos não têm o que fazer nesses locais, a não ser pegar a garrafinha e ir até a fonte beber água mineral, ou ficar durante horas dentro de uma banheira de água quente que muitas vezes está enferrujada, com o ferro fundido aparecendo por entre os rasgões da porcelana”, dispara ele. “A maioria das estâncias quase não oferece outras atividades, isso numa época em que o conceito de spa está plenamente desenvolvido e quando poderiam ser oferecidas aulas de ioga, fitoterapia, gastronomia orgânica e por aí vai. O segmento é muito acomodado.”
Ruschmann reconhece, no entanto, que a culpa por esse marasmo – que, de qualquer forma, começou a ser combatido – não é só das estâncias. Em sua opinião, a óbvia crise de identidade em que essas cidades mergulharam teria origem não apenas no tipo de turismo algo datado que oferecem, mas na verdadeira “rasteira” que levaram do governo federal ainda em 1946, quando o então presidente Eurico Gaspar Dutra, com um decreto discutido até hoje, proibiu o jogo no Brasil.
Cassinos
De fato, jogo e estações hidrominerais foram quase indissociáveis no Brasil (assim como na Europa e em boa parte do planeta) na década de 1930 e na primeira metade dos anos 1940. Até então, quando ainda não existia o turismo de massa, as pessoas que viajavam – em geral, de maior poder aquisitivo – iam em busca de cuidados medicinais, atraídas pela brisa dos oceanos, pelo ar das estâncias climáticas ou pelos banhos e águas saudáveis das estâncias hidrominerais. As mais sofisticadas dentre estas – as chamadas “estações de cura” – se abririam de par em par para a moda dos cassinos quando chegou ao Brasil em 1923, com a inauguração do Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.
Principalmente nos anos 1930 e 40, várias estâncias hidrominerais brasileiras adaptariam seus hotéis para a implantação de cassinos (como fez a catarinense Santo Amaro da Imperatriz) ou mesmo construiriam novos estabelecimentos mistos de imponente beleza. Naquele período, foram inaugurados alguns dos principais exemplares do gênero no país, muitos deles nas estâncias hidrominerais, como o Grande Hotel de Araxá, o Palace Casino, em Poços de Caldas, e o Grande Hotel São Pedro, em Águas de São Pedro, no circuito paulista. São Lourenço, no sul mineiro, chegou a contar com nada menos que oito cassinos.
“Os cassinos eram uma diversão para a elite que fazia tratamentos de saúde – em geral longos, de até 21 dias. O jogo também fornecia a sustentação financeira para os hotéis luxuosos que foram construídos no período”, lembra Marco Aurélio Lage, presidente do sindicato hoteleiro de São Lourenço e proprietário do Hotel Brasil, que abrigou um concorrido salão de jogos naquela época. “Mas os cassinos não ofereciam apenas jogos de azar. Traziam orquestras e artistas de renome internacional, promoviam grandes bailes, movimentavam realmente a vida da cidade.”
Segundo Lage – que é um dos mais ativos militantes pela liberação do jogo no Brasil –, sem as roletas, os carteados e os shows que animavam as noitadas, muitas estâncias hidrominerais tornaram-se, por assim dizer, elefantes brancos. Restaram apenas as águas que deram sentido à sua transformação em polo turístico. Um bem que, com o tempo, também acabaria prejudicado com o avanço da medicina alopática, ao mesmo tempo em que o tratamento por águas medicinais era relegado ao campo da medicina alternativa. Assim, as estâncias viraram cidades-fantasma.
Naturalmente, nem todas consentiram em mergulhar na assustadora decadência que seria provocada pela inevitável ruína de seu setor turístico. Muitas tentaram diversificar suas atividades econômicas, uma dificuldade para essa categoria de cidades, que para manter o status de estância só podem abrigar indústrias e atividades consideradas não poluentes pelas leis ambientais (o que significa consideráveis custos adicionais, por exemplo, no caso de uma fábrica de papel). É devido a essa limitação, aliás, que elas abocanham fatias maiores dos fundos estaduais de participação dos municípios.
Saíram-se melhor as estâncias cujo grosso da receita jamais dependeu realmente do turismo, como Araxá, cidade historicamente devotada à mineração, ou Poços de Caldas, que foi sempre forte no comércio regional e também na mineração, e hoje abriga ainda um importante polo industrial. A cidade, de porte médio, é tida inclusive como a capital econômica e cultural do sul de Minas Gerais.
No estado de São Paulo, cujas estâncias hidrominerais sofreram bem menos com a crise do segmento, principalmente pela maior facilidade de acesso, já que são bem servidas por rodovias e, ao contrário das mineiras, estão mais próximas da capital, alguns municípios também se industrializaram – especialmente na área de malharia fina, como Serra Negra –, enquanto outros apostaram firme no turismo de eventos, a exemplo de Águas de Lindóia, que se tornou um dos mais importantes do estado no setor. Os hotéis da cidade oferecem mais de 150 salas e salões para eventos, com capacidade para abrigar 11 mil pessoas simultaneamente, o que a credenciou a ser escolhida como uma das 37, no estado, que poderão receber uma seleção na Copa do Mundo de 2014. “E certamente alcançaremos esse objetivo, pois poucos municípios paulistas têm a estrutura que oferecemos”, afirma o prefeito da cidade, Martinho Mariano.
Outras estâncias estão quase se esquecendo de seu passado turístico e se tornando autênticas cidades industriais na acepção precisa do termo, como Amparo, onde a produção fabril já representa 44,62% do PIB. O parque industrial do município hoje é composto por 672 empresas, com destaque para as áreas química, metalúrgica e de papel e papelão. A ideia da prefeitura é investir agora nas de logística e tecnologia.
“Isso não significa que a cidade deixará de ser uma estância turística. Estamos apenas reforçando outros setores da economia, de modo a não depender somente do dinheiro do turismo e garantir uma empregabilidade mais firme para os munícipes”, explica Fernando Amaral, secretário de Desenvolvimento Econômico de Amparo. Segundo ele, a cidade também está lutando para se juntar à Região Metropolitana de Campinas – um dos mais importantes cordões industriais de São Paulo e do país – sem que seja preciso renunciar à participação no Circuito das Águas Paulista.
Algumas cidades com abundante produção de água mineral (a brasileira é tida como uma das melhores do mundo) também passaram a investir mais firmemente no engarrafamento desse bem, que é cada vez mais consumido no país – o Brasil já é um dos cinco principais consumidores do planeta –, de modo a reforçar o caixa.
A empresa estatal Águas Minerais de Minas está explorando desde 2007, por exemplo, os recursos das fontes de Caxambu, Lambari, Cambuquira e Araxá. As três primeiras fazem parte das poucas do mundo a jorrar naturalmente gasosas. A empresa investiu mais de R$ 12 milhões apenas para trazer a Caxambu – marca que foi muito famosa no passado – de volta ao mercado.
São Lourenço é outra cidade que vem apostando na qualidade de suas fontes minerais como diferencial econômico, embora o modelo de exploração – a água é extraída e envasada pela Nestlé, em sistema de concessão – venha sendo desenvolvido de uma maneira que não agrada a alguns especialistas e grupos ambientalistas. A Nestlé utiliza os poços de São Lourenço para fabricar a marca Pure Life, mas, segundo os críticos, nesse processo desmineraliza a água e acrescenta a ela sais minerais de sua patente. A desmineralização é proibida pela Constituição. “Há indícios também de superexploração das fontes”, diz Alessandra Bortoni Ninis, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS-UnB). De acordo com ela, o empreendimento da Nestlé também poucos benefícios viria trazendo aos moradores de São Lourenço, por empregar apenas 20 pessoas e pagar anualmente à cidade somente R$ 120 mil em royalties. De fato, é pouco para um município que destina R$ 15 milhões por ano só à área de saúde.
A ênfase no segmento de águas engarrafadas também não agrada a Fabio Lazzerini, vice-presidente da Organização Mundial de Termalismo. “Trata-se de um reducionismo e até de um desperdício, tanto quanto o uso das águas apenas como mera recreação aquática”, afirma o especialista. Em sua opinião, as estâncias poderiam fazer muito mais com a preciosa matéria-prima que possuem, criando, por exemplo, sinergias com as áreas de saúde pública e previdência, como ocorre em países europeus, no Japão, na Argentina e em Cuba – e aproveitando o fato de o tratamento termal ter passado a integrar o Sistema Único de Saúde (SUS) –, sofisticando o turismo de terceira idade e investindo na produção de artigos de cosmética e estética, como é comum principalmente na Europa.
Trata-se, este último, de um nicho de altíssimo valor agregado. Há produtos cosméticos da marca Vichy – uma histórica estância hidromineral francesa – que são vendidos até por R$ 400 no Brasil, e isso por um vidro bem pequenininho.