Postado em 01/10/2012
O artista plástico, ilustrador e escritor Fernando Vilela formou-se em Artes Plásticas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e concluiu o mestrado pela Universidade de São Paulo (USP). Reconhecido dentro e fora do Brasil, em 2007 recebeu o prêmio Jabuti e, no mesmo ano, o Bologna Ragazzi Award, pelo livro Lampião e Lancelot, lançado em 2006 pela Cosac Naify.
Em encontro promovido pelo Conselho Editorial da Revista E, Vilela afirmou a sua preocupação com a necessidade de uma educação visual, que deve ser feita desde a infância, revelando o que o motiva e influencia durante o processo criativo, bem como sua relação com os recursos tecnológicos na hora de produzir as imagens gráficas que ilustrarão as páginas dos livros. Para Vilela, o livro ilustrado é um casamento entre texto e imagem. A seguir, trechos da conversa.
Processo criativo
Comecei a ilustrar livros por acaso. Sou artista plástico de formação e trabalhei muitos anos como designer. Um dia me convidaram para ilustrar um livro e me identifiquei com a experiência. O processo ?de ilustração segue um trajeto próprio e muito lógico em cada livro que ilustro. Na primeira leitura que faço eu vou solto, na segunda procuro o que pode agregar e me inspirar na produção dessas imagens. Pesquiso e tento trazer todos os elementos que me encantam.
O livro ilustrado é um casamento do texto com a imagem, que afeta diretamente a leitura que fazemos do livro. Penso que a literatura infantojuvenil, é uma arte particular, pois nela a imagem é mais presente.
O texto e a imagem estão em pé de igualdade e criam uma terceira coisa, que não é nem mais o texto, nem a imagem, deixando a interpretação livre para quem está em contato com a obra.
Ilustração e design estão de mãos dadas, porque os dois profissionais estão pensando o trabalho juntos. Então existe uma mistura das duas linguagens, e, quanto mais tivermos consciência disso e construirmos novos caminhos na relação entre texto e imagem, melhor será o livro.
Pensamos o livro desde a capa, pois tudo pode ser narrativa dentro dele. A imagem que você coloca em destaque pode mostrar o personagem principal ou criar uma cena ambígua todos os elementos do livro são linguagens potenciais que podemos articular. Meu grande prazer pelo livro é que em cada um você opera com uma linguagem que tem mais de mil anos, é uma invenção do século 11, antes eram formados por rolos de papel.
Ninguém inventou nada melhor do que a lógica de organização dessas informações. Você tem um índice, o objeto e o conteúdo dentro. Para o artista plástico, o livro é um objeto estético. Para qualquer um de nós, há uma relação física com o livro, ele é um objeto que você carrega, a relação que temos é sinestésica e isso faz parte da experiência.
Público infantil
Geralmente, não penso em como o leitor vai receber a obra ou na faixa etária dele. O meu compromisso é ser o mais inventivo possível. Seria incorreto dizer que eu não me importo com o leitor, mas eu considero a intuição, pois a maior dificuldade não está nas crianças, que estão abertas a novas linguagens, e sim nos pais e nos professores, que são os mediadores da leitura.
Existe o senso comum que enxerga a ilustração como bonitinha e fácil, você tem que bater o olho e reconhecer o que ela está dizendo, isso seria uma ilustração clássica. Como eu opero numa chave que é mais da experimentação da linguagem, buscando novos caminhos de representação, o livro não é tão fácil para quem tem a expectativa de ver uma imagem e reconhecer rapidamente.
A educação do olhar é importante para abrir essa relação com a imagem. Vivemos numa sociedade em que a palavra é mais valorizada do que a imagem, temos uma formação boa da palavra, mas a nossa educação do olhar fica aquém disso, fato que precisa ser revisto.
Concluindo, acho que a grande dificuldade é você escolher e criticar as imagens, questioná-las. A relação com a imagem é imediata, pois vivemos a rapidez da comunicação e da imagem publicitária. A imagem estética é mais difícil, pois não tem um fim em si. Sempre nos fazemos a clássica pergunta: “O que o artista quis dizer?”. O desafio é a gente deixar essas atormentações murmurarem dentro da gente, pois só assim podemos ter experiências diferentes e aprender algo além do que já sabemos.
Construção da linguagem
Comecei a fazer gravura quando estudava na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] e tive um encontro forte com essa técnica. Prefiro ter uma briga com a madeira para fazer uma imagem do que pegar um pincel mole e pintar. Quando vou trabalhar com pintura, uso o pincel seco, que emperra. Busco um atrito físico nos meus trabalhos de ilustração. Agora, a tecnologia, representada pelo computador, entra como uma ferramenta que prepara o original para a impressão.
O computador dá agilidade, a manipulação da imagem facilita o meu trabalho, mas não faço um desenho na tela com um pincel de computador, por exemplo. Uso o computador para montar as coisas. Antes a ilustração era o reboque do texto; hoje temos a vantagem de pensar a imagem, ela é pensada como arte. Vivemos um momento de mais consciência. Sou positivo. Há 20 anos o ilustrador não era convidado para um evento literário, hoje é.
Livros digitais
Essa questão dos livros digitais ou e-books preocupa mais os editores do que os escritores e ilustradores, porque é uma ideia de mercado muito forte, está sendo pensada em termos de adaptação, embora o que realmente chame a minha atenção sejam as investigações e o uso das novas tecnologias para criar a linguagem do e-book, pois você pode tudo, mas articular esse tudo é muito difícil.
O que vemos hoje é o uso do som e vídeo de forma decorativa, sem acrescentar substancialmente à narrativa. Temos recursos fascinantes, que na prática são só efeitos. A grande questão é a apropriação das novas linguagens pelos escritores e ilustradores. Um livro impresso não tem limite de duração; já para os ?e-books você precisa ter os programas atualizados, é necessário comprar novos aparelhos. Investir em tecnologia não faz parte da cultura editorial.
O ilustrador Fernando Vilela esteve presente na Reunião do Conselho Editorial da Revista E em 16 de agosto de 2012
“Antes a ilustração era o reboque do texto, hoje temos a vantagem de pensar a imagem, ela é pensada como arte. Vivemos um momento de mais consciência”