Postado em 01/10/2012
O pernambucano Heraldo do Monte, de 77 anos, já foi agraciado com o título de melhor guitarrista do mundo, pelo jazzista norte-americano Joe Pass. Mas sua carreira musical vai muito além das habilidades com a guitarra. Com desenvoltura diante de violão, cavaquinho, viola e contrabaixo – aplicada muitas vezes na própria guitarra –, o multi-instrumentista mostrou ao mundo que a improvisação poderia ser feita com uma linguagem verdadeiramente brasileira.
Ao lado de Hermeto Pascoal, Theo de Barros e Airto Moreira, integrou o Quarteto Novo, grupo da década de 1960 que misturou magistralmente elementos do jazz à sonoridade de base popular, principalmente nordestina, abrindo portas para a música instrumental nacional.
Heraldo do Monte já gravou também com nomes como Elis Regina, Arthur Moreira Lima, Dominguinhos, Elomar e com o grupo Zimbo Trio, permanecendo até hoje na ativa, com diversas parcerias. Em conversa com a Revista E, o instrumentista fala sobre suas influências, a concepção do Quarteto Novo e a música atual. A seguir, os principais trechos.
INSTRUMENTOS E INFLUÊNCIAS
Comecei tocando clarinete, quando tinha uns 15 anos, na escola que hoje se chama Agamenon Magalhães, em Recife. Entrei na orquestra do colégio, estudei teoria e cantava no coral. O clarinete emite só uma nota por vez e, com o tempo, passei a me interessar por harmonia e acordes simultâneos. Na época, eu não tinha dinheiro para ter um piano, então comprei um violão baratinho, mas não conhecia ninguém que soubesse tocar.
Peguei os métodos de clarinete e fui aprendendo sozinho a tocar instrumentos de cordas. Até que um dia apareceu um emprego para guitarrista em uma boate; comprei a guitarra de um amigo e fui trabalhar. O estilo preferido desses lugares era o jazz, com isso recebi as influências no lado jazzístico de dois guitarristas norte-americanos, Tal Farlow e Bruce Waine.
Ao mesmo tempo, eu morava em um lugar que era cheio de outras culturas, escutava violeiros repentistas e banda de pífanos. Foi quando comecei com o Quarteto Novo. O Hermeto Pascoal também tinha esse tipo de formação, o que foi útil para mim e para ele.
QUARTETO NOVO
Uma empresa quis fazer um desfile de moda para viajar pelo Brasil e convidaram o Geraldo Vandré para produzir as músicas. A produção queria que a banda acompanhasse os desfiles do palco, então o Vandré chamou o Theo de Barros, o Airto Moreira, o Hermeto Pascoal e a mim para participar. Mas a produção, em uma estética meio burra, não quis o Hermeto para a viagem.
Nessa excursão pelo país, tive meu primeiro contato com a viola caipira, o Theo com o violão e o contrabaixo, e o Airto com uma porção de instrumentos novos. Enquanto viajámos, já fomos construindo a filosofia do Quarteto Novo. Quando acabou esse trabalho, convidamos o Hermeto para incorporar-se ao grupo. Observávamos que os músicos de Bossa Nova tocavam o tema da música brasileira, mas na hora de improvisar era de uma maneira bem norte-americana.
Estávamos entusiasmados em inventar uma linha de improvisação e uma linguagem. Ficamos um ano só desenvolvendo ideias e preparando o disco único do Quarteto Novo, em 1967. Enquanto isso, acompanhamos o Vandré na Record, viajamos com o Edu Lobo, na França, e outros trabalhos. Naquele ano que passamos ensaiando, paramos de ouvir música, porque a criação tinha que ser de dentro para fora. Como era algo espontâneo, um fiscalizava o outro, chamando a atenção caso alguém enveredasse pelos vícios de jazz. Não existia nada gravado com improvisações brasileiras antes do Quarteto Novo.
OUTRAS PARCERIAS
Depois do Quarteto Novo, posso dizer que já estava formado musicalmente. Mas, ao mesmo tempo que criamos essa linguagem, não ficamos escravos dela. Toquei com o maestro francês Michel Legrand e fiz um soul com ele na orquestra da TV Tupi, no Teatro Municipal de São Paulo, aí foi só jazz mesmo. Viajei com Arthur Moreira Lima e Elomar, tocando violinha e divulgando o álbum ConSertão.
Foi uma experiência muito bonita, o Arthur Moreira Lima é uma pessoa fora de sério. Trabalhei muito com o Dominguinhos, uma referência muito importante para mim. Atualmente, não estou com nenhum projeto específico, porque estou imediatista, gosto do prazer de tocar. Mas continuo fazendo parcerias, fiz quatro shows no Sesc este ano, dois em São Paulo e dois no interior, com os guitarristas Hélio Delmiro, Olmir Stocker e Zezo Ribeiro, que é o nosso produtor.
É um projeto basicamente espontâneo, são pessoas de formação jazzística e, apesar de fazermos alguns números do Quarteto Novo, o espetáculo não é todo formal. Acho meio chato entrar no palco e o máximo que possa acontecer de diferente é você errar um dedilhado. Prefiro ser um pouco espectador do espetáculo, gosto de surpresas.
MÚSICA E INTERNET
Escuto muito som erudito e também os músicos bons mais novos que aparecem por aí, como o pianista norte-americano Brad Mehldau e o brasileiro Hamilton de Holanda. Todos esses conheci no Youtube. Tenho costume de acessar e ver vídeos, é quase um vício. Um lado ruim dessa relação atual da música e da internet é que acabou a oportunidade de vender discos em lojas.
Por outro lado, você conhece a música de todo mundo do planeta de graça e os outros têm acesso à sua também. Hoje, profissionalmente, só é possível vender shows, porque as pessoas ao conhecer e gostar do seu som vão querer ver ao vivo. Fica a critério do público julgar quem merece ser visto ou não, isso é bom de certa forma. Acho que todo mundo tem o direito de mostrar o seu trabalho, mesmo os músicos que não são necessariamente gênios, e a internet serve para isso.
“Não existia nada gravado com improvisações brasileiras antes do Quarteto Novo”
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