Postado em 01/10/2012
por Marta Raquel Colabone
Sou cria de uma mãe que costumava dizer: “saber não ocupa espaço”. Por isso, cozinhar, lavar, passar, limpar, pintar, nadar, jogar, dançar, cantar, tocar, assistir, ler, escutar, observar, escrever, imaginar, fazer crochê, plantar, podar, colher, desenhar, orar, lustrar, sonhar, bordar foram ações cotidianas junto aos cadernos, livros, lápis, borracha, lousa e giz, em cadeiras de madeira que ainda conservavam o antigo suporte para tintas, em filas para entrar e sair de salas de aula, em desfile com uniformes e risos, bandeiras e hinos, laços e brasões.
No entanto, ainda que em nossa casa houvesse a tradicional máquina de costura movida por um fascinante pedal capaz de produzir um som ritmado pela destreza de quem o conduzisse, o ato de costurar não habitou os meus saberes.
Os estudos em história me ensinaram a formular perguntas e a trabalhar com fragmentos. A prática tem me ensinado que as respostas são muitas e que decidir por uma delas é um ato que não carrega consigo o equilíbrio entre razão e emoção. Perguntas... Por que as formulamos? Por que são elas que nos movem – ou deveriam nos mover? Por que a falta delas nos angustia? Por que almejamos, por vezes, mais e mais e, por vezes, não almejamos nada? Por que a convivência com os fragmentos nos inquieta? Talvez porque necessitamos preencher, continuamente, lacunas, hiatos, fissuras. É “a falta que nos move...”.
Certa feita, contei ao educador Rubem Alves essa fala de minha mãe. Surpresa fiquei quando dele ouvi: “saber não ocupa espaço, mas toma tempo!”. Concordei com os dois... Se para um havia a responsabilidade de não desperdiçar tempos de vidas em idade escolar – e para além dela –, para outra não havia cronologia; havia o tempo eterno, no qual dias, meses, anos pouco importavam. Importava o fato de cada um carregar consigo experiências. Saber, para ela, era experimentar.
E a máquina de costura? Eu sabia que ela não gostava de costurar, mas também sabia que não gostava de fígado e me fez comer inúmeras vezes! Por que o ato de unir, com agulha e linha, não fez parte de minhas experiências? No ato da união, naquela antiga máquina, eram as mãos que guiavam a direção da costura. Aos pés cabiam ditar o ritmo da união. Se muito rápido, a correia escapava e os pontos avançavam sem rumo sobre o tecido ou para fora dele; se vagaroso, os pontos ficavam frouxos, as linhas enroscavam.
O tempo passou, faltas me moveram, lacunas foram preenchidas, novas fissuras se abriram. A máquina de costura nunca foi esquecida. E a experiência de unir, com agulha e linha, reapareceu transformada. Para o corte do tecido, a lembrança das aulas de desenho geométrico; para o alinhavo, as histórias de Monteiro Lobato; para a costura, o treino das mãos que ainda se familiarizam com a agulha e doem depois de algumas horas de percurso; para o arremate, dois nós, sem sobra de linha.
Afinal, a avaliação também se dá pelo avesso! Cópias de pesquisas na Internet, livros e revistas, conversas com costureiras e alfaiates, muitas caixinhas repletas de agulhas, linhas, fitas, elásticos, alfinetes, tesouras, ganchos e botões habitam meus espaços.
Tem sido nessa cadência, de levar agulha e linha do céu à terra e da terra ao céu que tenho sabido um pouco mais das coisas da vida. Já sigo em linha reta e subo e desço na ponta do tecido. Chegará o dia em que farei curvas, que ousarei nas cores das linhas, que inventarei novas formas de unir. Para isso, não posso parar de fazer perguntas, de me preencher e de me esvaziar; não posso deixar de coletar fragmentos e decifrar suas sutilezas; não posso deixar de acreditar que o ato de educar-se, de formar-se acontece ao longo da vida. E que saber não ocupa espaço, mas toma tempo. Será?