Postado em 01/11/2012
O cidadão nordestino Arthur Bispo do Rosário, nascido em Japaratuba, Sergipe, foi encaminhado para uma instituição psiquiátrica quando tinha 26 anos, embora ouvisse vozes desde criança. Em 1939, foi internado na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. Hoje desativado, o local abriga o museu que leva o seu nome. Autor de mais de 800 peças, feitas com diferentes materiais, como sucata e tecidos, o artista abalou conceitos e a própria definição de arte no Brasil, além de contribuir para expandir a utilização dos suportes, indo muito além da tinta e da tela.
Bispo do Rosário (1911-1989) morreu aos 78 anos sem ter a dimensão do impacto que seu trabalho iria provocar no Brasil e no exterior. Como homem criativo que era, deu às obras passaporte para o mundo. Agora ganha homenagem na 30ª Bienal de São Paulo e foi escolhido para representar o Brasil no Victoria & Albert Museum, em Londres, na celebração dos Jogos Olímpicos. Em novembro, a exposição segue para Lisboa, em comemoração ao ano do Brasil em Portugal e, em 2013, retorna ao país, em mostra no Rio de Janeiro.
No entanto, a inclusão de seu nome no seleto grupo de artistas consagrados da Arte Contemporânea levanta discussões variadas e profundas, como o papel da ‘loucura’ na criação e a própria tentativa de catalogá-lo ou inseri-lo neste meio. Para o curador do Museu Bispo do Rosário de Arte Contemporânea, Wilson Lázaro, curador convidado da Bienal e organizador do Livro Arthur Bispo do Rosário – Século XX (Reptil Editora), esse não é o ponto principal.
“Pensar a obra do Bispo nos parâmetros da arte contemporânea no fundo é uma questão que não tem muito fundamento, porque ele criou de um modo particular. Podemos falar de uma atitude, pois ele estava se autoconhecendo por meio da obra”, esclarece.
Sobre o outro viés de análise, até que ponto o diagnóstico em esquizofrenia teria influenciado a produção de suas peças, Lázaro enfatiza o rompimento com as barreiras da psiquiatria: “Isso é fundamental, pois ele fez outro caminho, questionando a academia a partir de conflitos e perguntas, tanto em relação à psiquiatria, quanto à arte. Se temos hoje pessoas intercalando textos, fios e outros materiais expressivos é por causa dele”.
A aplicação de objetos apropriados do cotidiano encontra em Bispo seu significado mais íntimo. A escolha da agulha e linha para bordar vem da infância em Japaratuba, que é um núcleo do desenvolvimento do bordado. Conta-se que, na falta de material, recorria aos fios azuis que compunham o uniforme da instituição em que ficou internado, fato que justifica a cor de várias de suas obras. “Ele já sabia bordar e costurar, por isso utiliza o dom do pensamento artístico para criar uma obra única, apresentando cenas rotineiras por meio da apropriação de objetos do cotidiano, conferindo, assim, o sentido de um objeto de arte”, completa Lázaro.
A exposição dos trabalhos do Bispo é apoiada pelo Sesc na 30ª Bienal e participará da exposição itinerante em parceria com a Fundação Bienal, a ser realizada no 1º semestre de 2013, que consiste em levar ao interior do estado de São Paulo trabalhos de artistas que estiveram na mostra internacional. De acordo com Juliana Braga, assistente de Artes Visuais da Gerência de Ação Cultural do Sesc, o processo terá em mente o princípio citado por Luis Pérez-Oramas, curador da edição mais recente da Bienal, baseado no conceito constelar.
Ou seja, não houve aposta em uma estrela, mas sim o intento de destacar grandes nomes no conjunto. “Formando, assim, grupos constelares nos quais os artistas sustentam conceitos equivalentes em suas obras”, destaca. Compondo essa constelação de talentos das artes visuais, juntam-se ao nome de Bispo os artistas como Guy Maddin (Canadá), H. Eijkelboom (Holanda), Absalon (Israel), Elaine Reichek (Estados Unidos), Nino Cais (Brasil) e Sheila Hicks (Estados Unidos/França).
Bienal itinerante
Em 2013, unidades de Araraquara, Bauru, Campinas e São José do Rio Preto receberão as obras de artistas presentes na 30ª Bienal de São Paulo
Resultado de uma parceria importante para democratização da arte contemporânea, o Sesc e a Fundação Bienal também estarão juntos em um projeto itinerante, levando as obras de alguns artistas nacionais e internacionais que participaram da 30ª Bienal de São Paulo para unidades do interior no primeiro semestre de 2013, representadas por Araraquara, Bauru e São José do Rio Preto.
Além do fato de propiciar o encontro do público que não esteve no espaço da mostra paulistana, o intento do trabalho educativo realizado no evento da capital será reproduzido nas demais cidades. Para Juliana Braga, assistente de Artes Visuais da Gerência de Ação Cultural do Sesc, “a abordagem educativa foi desenvolvida em conjunto com a visão da curadoria e isso se replicará, certamente, nas unidades do Sesc”.
O projeto de itinerância do Sesc acontece desde a Bienal de 2010. Em 2013, as três unidades participantes abrigarão um volume médio de 5 a 7 artistas cada uma, incluindo expoentes apoiados pela coprodução e outros que não foram. “Há artistas que fazem um sentido dentro desse conjunto poético estabelecido na Bienal, e por isso faria sentido levá-los para o interior”, diz Juliana.
Como exemplos cita Odires Mlászho e Nino Cais, que não foram coproduzidos, mas são nomes em destaque na cena brasileira. “Em especial no trabalho que o Sesc vem realizando nas artes visuais”, completa.
Essa será uma oportunidade de encontrar trabalhos que geralmente ficam restritos ao eixo Rio-São Paulo, possibilitando que artistas internacionais levem a sua produção a um público diverso.
Tal diálogo se estenderá aos estudantes, porque um dos objetivos é que eles frequentem o espaço expositivo de cada cidade. “O ponto forte será o agendamento de visitas para grupos escolares”, informa a assistente de Artes Visuais da Gerência de Ação Cultural do Sesc Nilva Luz. “Isso envolve a capacitação expressiva dos educadores que farão a monitoria durante a itinerância, para que recebam de maneira adequada todo o público e, em especial, o escolar.”
Nilva acompanhou de perto esse processo de construção de ações educativas pensadas em parceria com a curadoria e que vem se tornando um modelo, espelhando o trabalho de outras instituições e incentivando o planejamento de ações educativas desde a origem das exposições. Os educadores que vão compor o quadro de monitores são estudantes das cidades percorridas pela itinerância. “Fora isso, haverá ações paralelas que desenvolvemos em todos os eventos educativos, pois sempre tivemos uma programação forte e integrada ligada às exposições”, acrescenta.
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