Postado em 02/07/2011
Presidente da Finep quer tornar a agência um banco de fomento e apoiar projetos de ponta
CARLOS JULIANO BARROS
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“Inovar ou Inovar: A Indústria Brasileira entre o Passado e o Futuro.” O título da tese de livre-docência apresentada à Universidade de São Paulo (USP) pelo sociólogo Glauco Arbix resume de modo cabal sua missão como presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) – a agência federal de fomento à ciência, tecnologia e inovação (CT&I). “Se você quer desenvolver tecnologia, é com a gente. Esse é o centro de nossa atuação”, define Arbix, que também já foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2003 e 2006.
Em entrevista exclusiva concedida a Problemas Brasileiros, na sede do órgão, no Rio de Janeiro, ele discorre principalmente sobre a necessidade de o Brasil construir um novo sistema de financiamento à CT&I. Nesse cenário, que promete revolucionar o desenvolvimento do país, a Finep vai ter papel central. A ideia é transformar a agência em um robusto banco de fomento para apoiar de forma mais ágil as empresas, as universidades e os institutos de pesquisa que se dedicam a projetos de conhecimento de ponta. “Não estamos pensando numa Finep que passaria dos atuais R$ 5 bilhões ou R$ 6 bilhões de investimento por ano para R$ 7 bilhões ou R$ 8 bilhões. Imaginamos uma Finep que, em dez anos, estará desembolsando entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões no desenvolvimento de tecnologia”, sonha Arbix, um paulista de 60 anos nascido em Americana, cidade a 126 quilômetros de São Paulo.
O sociólogo também fala sobre a importância do Ciência sem Fronteiras, lançado pela presidente da República, Dilma Rousseff, no final do ano passado, um programa que planeja conceder 100 mil bolsas de estudos a pesquisadores brasileiros interessados em complementar sua formação no exterior, fortalecendo, assim, o intercâmbio com os principais centros de pesquisa do mundo. “Raros são os países que fizeram isso maciçamente. É um choque e é disso que o Brasil está precisando”, sustenta Arbix.
Problemas Brasileiros – Em março último, entidades que representam a comunidade científica e a indústria brasileira publicaram um manifesto pedindo ao Planalto uma revisão no corte do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para este ano. Também requeriam que o governo não permitisse o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Como o senhor viu esse manifesto?
Glauco Arbix – É absolutamente legítimo reivindicar, lançar manifestos, pedindo para evitar contingenciamentos na área de ciência, tecnologia e inovação. Não são bons para o país cortes nessa área – assim como não são bons cortes em educação e saúde. Porém, há um aumento constante de investimento em CT&I desde o ano 2000. Constante e significativo, porque cresce a mais de 20% ao ano. O orçamento do MCTI e do FNDCT representa uma parte desse investimento. [O FNDCT foi criado em 1969 e, dois anos depois, passou a ser administrado pela Finep. Ele tem o objetivo de financiar pesquisas e projetos de CT&I e é alimentado por tributos pagos por indústrias de setores como os de petróleo e energia elétrica, dentre outros.]
PB – Hoje, na realidade, várias outras agências e instituições do governo aumentam aceleradamente os aportes de recursos nessa área, como os ministérios da Educação, da Saúde, da Defesa, da Agricultura, do Meio Ambiente.
Arbix – No ano passado, tivemos um corte de 22%, maior que o deste ano. No entanto, o MCTI executou mais que em 2010. Qual é a mágica? Houve um contingenciamento, é certo, mas ao mesmo tempo a Finep recebeu praticamente R$ 4 bilhões a mais para crédito. Além disso, a presidente da República aprovou um projeto do porte do Ciência sem Fronteiras, de quase R$ 3 bilhões, totalmente por fora do orçamento. Ela também aprovou a compra de um satélite geoestacionário de R$ 750 milhões – praticamente, o tamanho do corte neste ano – por fora do orçamento.
Não é bom fazer cortes, mas eu gostaria de colocar as coisas no devido lugar, senão parece que estamos vivendo o período das trevas. E não é nada disso. O mundo anda para a frente e o Brasil está andando mais rápido que o mundo.
PB – O senhor defende a inserção do financiamento a projetos de CT&I no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É preciso repensar o financiamento à CT&I no Brasil?
Arbix – Com ou sem contingenciamento, o sistema atual de financiamento à CT&I é extremamente limitado. Essa é uma reflexão que a Finep está fazendo e que graças a Deus está tendo eco. Se não houvesse contingenciamento, o FNDCT seria pequeno para a demanda. Por que levantamos a questão da inclusão de grandes projetos de CT&I no PAC? Porque eles, de fato, são projetos de infraestrutura. Se você tiver uma visão mais avançada de infraestrutura, e acredito que é com ela que o governo trabalha, não haverá motivo para não colocar no PAC a construção de um reator multipropósito, por exemplo. Um equipamento desse tipo faz radiofármacos, que toda a população usa. Os radiofármacos no Brasil são feitos com um reator de 1954, que fica no Ipen [Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares], em São Paulo, e responde por 95% das necessidades do país na área. Um novo reator é um projeto de R$ 600 milhões ou R$ 700 milhões. Como isso vai caber dentro do FNDCT? Ele é um fundo de R$ 1,7 bilhão. Se você puser esse reator lá dentro, desloca totalmente o resto.
PB – A nova estratégia de financiamento inclui a transformação da Finep em instituição financeira. Posso dizer que ela vai virar um banco de fomento à inovação?
Arbix – Todos os passos que demos para transformar a Finep em uma instituição financeira têm como alvo a ampliação e a qualificação do sistema de financiamento à ciência, tecnologia e inovação. Queremos uma instituição que consiga fazer o que ela faz de maneira mais eficiente e com fontes de recursos mais estáveis – fontes essas a que não temos acesso por não sermos uma instituição financeira fiscalizada pelo Banco Central.
Na realidade, a Finep já é uma instituição financeira porque empresta e capta dinheiro. O problema é que fazemos mais coisas que um banco. Trabalhamos com universidades e institutos e fazemos subvenção econômica, que são recursos transferidos para empresas a partir de contrapartidas e projetos que elas apresentam exatamente para diminuir seu risco tecnológico. A Finep é a única entidade no Brasil certificada para fazer isso.
PB – Hoje, uma das maiores dores de cabeça do governo brasileiro é o fantasma da “desindustrialização”. A perda de competitividade da indústria nacional estaria sendo agravada por sua baixa capacidade em inovação?
Arbix – Nunca a situação para inovação foi tão positiva quanto hoje. De fevereiro do ano passado a abril deste ano, criamos uma carteira de R$ 14 bilhões, volume concentrado nas áreas críticas da tecnologia de que o Brasil mais precisa. Fui um dos coordenadores da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior entre 2003 e 2004, quando ela foi lançada. Oito anos atrás, falar em inovação soava como “artigo de luxo”. Por quê? Porque temos uma herança de uma economia fechada, ultraprotegida, que leva as empresas a não ousar no terreno da inovação.
Hoje, as empresas brasileiras estão desabrochando. Se não atentarmos para essa mudança, não vamos conseguir perceber que o sistema de financiamento é tímido diante do que está acontecendo. E, mais que isso, as instituições não estão adequadas para dar conta dessa nova demanda. É o caso da Finep. Somos uma instituição financeira, mas não somos. O que significa isso? Que o Banco Central não nos supervisiona. Por isso, temos dificuldades para receber recursos do Tesouro Nacional, por exemplo.
PB – A Finep está numa espécie de limbo?
Arbix – Como a Finep não é reconhecida como instituição financeira, os recursos são carimbados como “custo”. Se a Finep virar uma instituição financeira, vai ser caracterizada como instrumento de investimento. O que isso significa? No Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na Caixa Econômica Federal e no Banco do Brasil, por exemplo, o governo coloca recursos e o dinheiro vai e volta. Ele não é caracterizado como custo. Custo é aquilo que só vai, como o salário, por exemplo.
PB – De que maneira isso inibe a inovação?
Arbix – Nos países avançados em tecnologia e ciência, as empresas vivem e se alimentam, em seu processo de inovação, de fundos públicos. Elas não fazem isso com seu próprio dinheiro porque o risco e as incertezas são grandes. O poder público tem de diminuir esses riscos para incentivar as empresas a colocar mais. As pesquisas, todas, indicam que cada vez que o setor público põe US$ 1 em inovação, a empresa coloca outro tanto. Mas, se o governo não disponibiliza US$ 1, ela não põe o correspondente. Algumas até fazem isso, mas são poucas. Se quisermos uma expansão das pequenas e médias empresas e uma diversificação maciça de produtos e inovação, teremos de colocar recursos para deflagrar processos virtuosos. Quem faz isso hoje? Várias instituições. Mas fazem de uma maneira desfocada.
PB – A Finep vai concentrar e gerir a política de governo para CT&I?
Arbix – Essa é a ideia e é com ela que trabalhamos. Por exemplo, o BNDES faz isso, todavia, inovação e tecnologia não são o seu foco, mas sim a infraestrutura e o capital de giro. O Banco do Brasil também faz quando incentiva a exportação. As universidades fazem inovação a conta-gotas. O local próprio para se fazer inovação chama-se “empresa”. É lá que você tem uma máquina montada para transformar uma ideia em um produto para o mercado.
PB – O plano é transformar a Finep numa espécie de guichê, ao qual as empresas podem recorrer quando quiserem inovar?
Arbix – Não estou querendo dizer que a Finep vai ser a única, mas é ela que vai ter o foco claramente orientado para ciência, tecnologia e inovação. Só que ela precisa dar um jeito em seu perfil institucional, consolidar novas fontes de recursos e agilizar seus processos de modo a atender seus clientes da melhor maneira possível, sejam empresas, universidades ou institutos de pesquisa.
PB – O governo federal fez muito alarde em torno da instalação da Foxconn, fabricante de tablets, no Brasil. Como é possível fazer com que essas empresas venham para o país e façam, de fato, a perseguida transferência de tecnologia?
Arbix – A Foxconn, assim como outras empresas, só pôde vir ao Brasil a partir da assinatura de PPB [Processo Produtivo Básico]. Ou seja, a empresa será obrigada a ter componentes nacionais a partir de determinado período, e isso desenvolve a indústria brasileira violentamente. Esse foi o processo clássico levado a efeito pela indústria automobilística. Você pode até dizer que se poderia ter feito mais, já que isso sempre é possível. Mas os cuidados para a atração da Foxconn foram tomados. Ela vai ser obrigada a comprar aqui dentro. Se não qualificar empresas, não vai conseguir produzir. E, para qualificar, ela é obrigada a transferir tecnologia. Alguém pode afirmar que ela não vai transferir toda a tecnologia porque uma parte pode ser importada. E qual é essa parte? Geralmente, a mais complexa. Mas é sempre assim.
PB – E o caso da Embraer, que monta aviões? O grosso da tecnologia vem de fora...
Arbix – O Boeing novo, que está saindo agora, tem 78% de peças que não são feitas pela empresa.
PB – Mas ser apenas uma montadora não é um problema?
Arbix – A Embraer não é uma montadora. É uma superempresa. Eu passei a vida toda escrevendo que as fábricas vinham para cá montar automóveis e deixavam a inteligência fora. A Embraer fez o contrário. Ela desenvolveu a inteligência aqui e faz a manufatura fora. A Embraer faz exatamente o que precisamos fazer. Ela está concentrada em design, em projeto. Desenvolveu um modelo de gestão que é exemplo para o mundo, tanto que a Boeing está imitando a Embraer. Porém, a Embraer não faz tudo aqui porque o parque aeronáutico brasileiro não é completo. Com exceção dos Estados Unidos, eu não conheço nenhum outro país com parque aeronáutico completo.
Podem dizer que a cadeia aeronáutica brasileira é mais fraca do que deveria ser. Com isso, estou de acordo. Ela poderia avançar para as áreas mais intensivas em conhecimento, caso da aviônica [relacionada aos equipamentos eletrônicos das aeronaves] e radares. Há programas para isso. O BNDES se esmera em fazer isso há décadas. Há consórcios no entorno da Embraer, em São José dos Campos, criados exatamente para ajudar a desenvolver essa indústria. Mas essa não é uma atividade fácil.
PB – Já está em debate no Congresso Nacional a proposta de um novo Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. O que não poderá faltar nessa nova legislação?
Arbix – A ideia de um novo código é excelente, mas penso que, na realidade, o que está faltando é um novo sistema de financiamento à ciência, tecnologia e inovação.
PB – Não são poucos os cientistas que se queixam das amarras burocráticas para comprar insumos, por exemplo...
Arbix – Isso tem de ser aliviado. Mas tal pode ocorrer com ou sem código. Olha, não estou dizendo que sou contra uma nova legislação, mas que faltam outras coisas para a CT&I no Brasil. E uma compreensão da especificidade dessa área é fundamental dentro dos órgãos de governo. É essencial que a Fazenda e a Receita Federal tenham esse tipo de compreensão. Não é recomendável tratar as licitações na área de CT&I como se estivéssemos fazendo uma ponte, um viaduto ou uma estrada.
PB – No fundo é um problema político: introjetar na agenda do governo essa necessidade de compreender a especificidade da CT&I. É isso?
Arbix – Não há a menor dúvida. Mas é preciso lembrar que governos tendem a ser movidos por resultados. Não adianta dizer: “Preciso de dinheiro”. É importante dizer: “Preciso de dinheiro para fazer alguma coisa”.
Na Finep, o último grande projeto que financiamos foi o tanque de testes dentro da Coppe [Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro], vital para o desenvolvimento das habilidades da Petrobras. Isso foi há 15 anos. Na época, foi um financiamento de R$ 15 milhões – o que hoje daria uns R$ 40 milhões.
Todavia, nem mesmo projetos desse tipo cabem aqui dentro. Sabe o que acontece com o FNDCT atual? Se você pedir um projeto de R$ 40 milhões, ele vai ser aprovado, mas você vai receber R$ 3 milhões e, no ano que vem, mais R$ 3 milhões, e assim sucessivamente. Por quê? Porque não tem como pegar R$ 40 milhões e dar para você. Não tem como pagar duas parcelas de R$ 20 milhões para acelerar – que é o que precisamos.
Estamos falando de outra dimensão. Repito: ficar restrito a discussões sobre contingenciamento é ter uma visão pequena sobre a necessidade da CT&I no Brasil. Temos de elevar o patamar de nossas ambições, isso, sim.
PB – Isso vai exigir recursos humanos aptos a levar adiante esses projetos. Já existe material humano?
Arbix – Uma parte existe, outra, não. Por isso, o Ciência sem Fronteiras deve ajudar, e muito, na solução desse tipo de problema. Temos dificuldades em arrumar engenheiros, químicos, físicos, biólogos. Se antes estávamos acostumados a formar dez engenheiros, hoje precisamos diplomar 30. Mas você não dá um pulo desses de uma hora para outra. As universidades respondem mais lentamente. E nem sempre a grade curricular é adequada ao que o novo mercado está pedindo.
PB – Apesar dos pesares, temos centros de pesquisa mundialmente reconhecidos, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Arbix – Temos a Embrapa, o Inpe e outros centros reconhecidos no mundo todo. Mas, ao mesmo tempo, eles ainda são poucos. Para pensar grande, elevar o patamar, precisamos sair do varejo e entrar no atacado. Nossos cientistas, institutos e empresas têm de pensar grande. Pergunte para as universidades mais importantes qual é o plano estratégico delas. O que elas pretendem ser nos próximos dez anos. Faço uma aposta: raras darão uma resposta consistente.
PB – Falta cultura de pensar a longo prazo?
Arbix – Durante os anos 1980 e 1990, fruto do declínio de nossa economia e da revolução tecnológica e científica, paramos de pensar em termos de estratégia. Cinco ou seis anos atrás, o que havia era oferta de crédito e ausência de projetos de empresas. Elas eram muito tímidas para inovar. Hoje, está acontecendo o inverso: há como que uma explosão nessa área. O governo, as empresas, os congressos científicos: todos falam em inovação. É uma vitalidade que está brotando no país. Se não ficarmos atentos, vamos ser atropelados.
PB – E estamos atentos a essa nova realidade?
Arbix – Um programa da importância do Ciência sem Fronteiras era impensável dez anos atrás. São 100 mil profissionais. Quando foi feito algo parecido em nossa história? Raros são os países que fizeram isso maciçamente. É um choque e é disso que o Brasil está precisando. Não quero pintar nenhuma visão cor de rosa sobre nossa realidade, mas estou bastante otimista. Não podemos perder, mais uma vez, a oportunidade que está diante de nós.