Postado em 20/08/2012
Ele é travesso, egoísta, teimoso, ingênuo e mentiroso. Mesmo com todas essas características negativas, Pinóquio, a marionete que sonha em se tornar um menino de verdade, conquistou fãs no mundo todo. “Trata-se de um protagonista quase anarquista. Ele tenta sempre fugir do controle, do chato, do paterno. É um elemento da natureza, como a madeira de que é feito”, diz o professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Andrea Lombardi.
A obra As Aventuras de Pinóquio, escrita entre 1881 e 1883 pelo jornalista italiano Carlo Collodi (1826-1890) – pseudônimo de Carlos Lorenzini –, já foi lançada em mais de 260 línguas. No Brasil, chega em 1933, pela tradução de Monteiro Lobato.
O personagem apareceu pela primeira vez sob o título Storia di um Burattino (História de um boneco), publicado no periódico Giornale per i Bambini (Jornal para crianças) em capítulos ilustrados por Enrico Mazzanti. Na narrativa contada até então, o boneco morre enforcado. Para contentar seus já fiéis leitores, o desfecho foi alterado na versão de 1883, em formato de livro.
Depois de passar por uma série de apuros, decorrentes de sua inconsequência, ele consegue se tornar humano. Hoje, mais de 130 anos depois da criação, a obra conta com inúmeras adaptações, entre peças de teatro, séries para a televisão, edições impressas e filmes, como a versão para o cinema lançada por Walt Disney em 1940 e a animação em stop-motion 3D Pinocchio, codirigida por Guilhermo Del Toro e Mark Gustafson, que está prevista para alcançar as telonas em 2014.
Há muitas hipóteses que justificam o sucesso e a vivacidade da história. O modo como o texto foi escrito é uma delas. Os leitores são constantemente invocados pelo autor, que estabelece com eles um diálogo durante toda a narrativa. Além disso, há no estilo de Collodi uma combinação da linguagem literária com a popular, falada na região de Florença. “No século 19 havia um distanciamento entre as duas linguagens e a proposta do escritor populariza a literatura”, informa a professora de literatura italiana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) Roberta Barni.
As frases simples e diretas são intercaladas com elementos de ironia. “Essas características fazem da obra tão travessa quanto seu personagem principal. É como se quem a lê assumisse o ponto de vista de Pinóquio”, completa a pesquisadora.
Segundo Lombardi, o menino-marionete construído pelo marceneiro Gepeto personifica a Itália vigente na época – pobre, faminta e analfabeta –, que passava pelo momento da unificação e enfrentava grandes dificuldades. Esse retrato vem acompanhado, porém, de um tom fantástico, típico da fábula e da literatura renascentista – como a do poeta Ludovico Ariosto (1474-1533) –, que é reforçado nas ilustrações. E a combinação contraditória do real com a magia também é um dos fatores que tornam a história tão popular. “A obra mescla realismo e fábula, e com a junção desses dois gêneros atinge não somente as crianças, mas leitores de todas as idades”, diz Roberta.
Há ainda na obra um forte traço moralista. Uma interpretação pedagógica atribui a ela um papel educativo, em que o grilo falante seria a representação da voz da consciência e a simbologia contida na história, uma ferramenta para reforçar ou reprimir comportamentos. O autor italiano Giorgio Manganelli discute essa questão, entre outras análises, no livro Pinóquio: Um Livro Paralelo. Afinal, quem nunca ouviu: “não minta, pois o nariz cresce” ou “tem de estudar para não se transformar em um burrinho”?
Nessa linha, entende-se que Pinóquio só se torna gente quando se dobra às leis sociais, começa a trabalhar e passa a distinguir o certo do errado. “O sucesso de As aventuras de Pinóquio pode estar exatamente no fato de ela ser uma fórmula extraordinária, que reúne a força e a magia da fábula, protagonizada por uma criança livre que tenta subverter o mundo do bem, com o moralismo da sociedade, usado até hoje para fins didáticos. É possível ter os dois pontos de vista”, define Lombardi.
Um gigante da literatura infantojuvenil
Mais vivo do que nunca, Pinóquio ganha mostra no Sesc Belenzinho
Imagine ser recepcionado por um Pinóquio de 4 metros de altura, todo em madeira, como o original descrito por Carlo Collodi. A obra do artista brasileiro Maurizio Zelada abre a exposição Pinóquio: Uma Bela Arte, no Sesc Belenzinho, que pode ser vista de 18 de julho a 18 de novembro. “O boneco foi construído para ser ao mesmo tempo marionete e ventríloquo, pois ele mesmo segura suas cordas. Isso representa o questionamento vivido pelo personagem e que se aplica a nós: deixar-se manipular ou ter o controle das próprias ações”, explica a idealizadora e diretora artística do projeto, Vera Uberti.
É esse tipo de reflexão que propõe a mostra, que nasce de uma interpretação livre da história As Aventuras de Pinóquio, de Collodi. Ela conta com mais oito artistas e estúdios convidados – além da própria Vera –, de dentro e fora do país: os brasileiros Luciana Magno, GRL-Brasil/Gambiologia e Ultrassom Music Ideas, e os estrangeiros Studio Azzurro e Studio Magenta (Itália), Studio CTRLZAK (com sedes na Itália e Grécia), Zaven Pare (Argélia) e Martí Guixé (atuante na Espanha e na Alemanha). Cada um deles foi responsável por uma das nove instalações que compõem o percurso da história de Pinóquio, desde a sua criação até o momento em que se torna um menino. Os trabalhos foram feitos ou repensados para a ocasião.
“Pelo contato interativo com as obras, colocadas no Galpão Cultural, os visitantes têm a chance de vivenciar as aventuras do protagonista ao mesmo tempo em que se aproximam da arte contemporânea”, diz a técnica de programação de artes visuais do Sesc Belenzinho Juliana Santos. Pinóquio é um mediador entre o público infantojuvenil e essa linguagem artística. “Queremos que as pessoas interajam com a exposição da mesma forma que o personagem, com curiosidade e vontade de experimentar”, completa Vera. Dentre as experiências proporcionadas estão a de ter a sensação de voar pelo céu projetado de Luciana Magno, ser engolido pelo grande peixe de Martí Guixé e transformar-se de marionete em humano por meio do jogo de projeções e luz do Studio Azzurro.
Na área de exposições foi construído o Ateliê de Pinóquio, que tem o objetivo de estimular a leitura da obra literária. Também são nove estações, sobre os mesmos temas do percurso de instalações, em que crianças e adultos poderão ter contato com trechos do livro e com os personagens de forma lúdica, por meio de jogos e brincadeiras. Lá também estarão expostas edições de colecionador e traduções. “O percurso de vida de Pinóquio é o de todas as pessoas. Isso faz dele um personagem real. Não há crescimento sem conflitos e são eles que nos tornam seres humanos de verdade”, finaliza Vera.
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