Postado em 18/09/2012
A peruana Verónica Goyzueta é correspondente do jornal espanhol ABC e da agência de notícias Mergermarket, do grupo Financial Times (FT) no Brasil. Há 20 anos morando e trabalhando no país, a jornalista publicou livros como Guerra e Imprensa: um Olhar Crítico da Cobertura da Guerra do Iraque (Summus, 2003) e O Brasil dos Correspondentes (Merito, 2008). Em encontro realizado pelo Conselho Editorial da Revista E, a convidada desta edição falou sobre a visão estereotipada que os estrangeiros ainda têm do Brasil, assumiu que os correspondentes internacionais preferem viver no eixo Rio-São Paulo a Brasília e contou quais são os eventos e temas culturais brasileiros que despertam o olhar do mundo. “O grafite brasileiro chama bastante atenção lá fora”, afirma. “Enquanto Os Gêmeos estão pintando no mundo afora, aqui estavam passando tinta branca por cima deles.” A seguir, trechos.
Olhar educado
O Brasil sempre foi bem-visto, pois é uma fantasia na cabeça das pessoas. Quando a gente fala em estereótipos e clichês, não tem como esquecer isso. Sou do Peru e não vou negar que as primeiras coisas que as pessoas pensam são naqueles homens tocando flauta na Praça da República, Machu Pichu ou lhamas. Lá fora, as pessoas devem ficar decepcionadas quando conhecem um brasileiro “chato”, que não samba, que não conta piada. Os estrangeiros têm a expectativa de que o brasileiro é um cara feliz, divertidíssimo, bem-humorado, que chega de Havaianas.
Os editores acabam tendo essa imagem do Brasil também, às vezes acham que escrevo da praia conectada em um coqueiro [risos]. Ninguém sabe que pego trânsito e que está um frio do cão hoje. Quando a economia e a democracia estão indo bem, vira um sonho maior ainda. Na Espanha todos sonham em vir para cá trabalhar porque é como se fosse uma terra prometida. As pessoas sofrem até um choque quando chegam, principalmente quando se deparam com São Paulo.
Por mais que eu more há 20 anos aqui, tenho o meu olhar estrangeiro muito educado. Então, nunca deixo que aquilo que aconteça aqui me pareça comum. Temos que questionar as coisas que se passam aqui. É claro que procuro pensar no que o veículo de comunicação no qual trabalho vai se interessar.
Em geral, as pautas que proponho são aceitas. De vez em quando, os editores me mandam sugestões de pauta e, se eu acho que são muito estereotipadas, ou que são meio forçadas, discuto e digo que não é bem assim, pois há coisas que não podemos aceitar. Acho que os editores têm muito claro que quem conhece melhor o país é quem está no país. Um editor [da editoria] de Internacional sabe o que está acontecendo na Síria, nas eleições americanas, aqui. Às vezes, nem sobra espaço no jornal para uma pauta brasileira. Então, tenho que ter essa sensibilidade para mandar a pauta no dia certo e saber que ela tem chances.
Distribuindo a cobertura
Em 1996, havia 60 correspondentes na Associação dos Correspondentes Estrangeiros (ACE) de São Paulo. Hoje já há 150 registrados. Nós calculamos que há pelo menos mais 40% daqueles que não gostam de socializar [risos]. A associação no Rio de Janeiro tem número similar de correspondentes. O Rio está vivendo um momento de efervescência, todo mundo está indo para lá.
Agora, Brasília ainda tem um número limitado de correspondentes, não sei por que, já que é a capital. Tem uns sete ou oito correspondentes, pois há uma exigência de ter correspondentes lá. A cobertura no Brasil é uma coisa fora do comum porque ninguém fica na capital. Eu sempre comparo com os Estados Unidos, que tem correspondentes em Washington, em Nova York e em Los Angeles, por causa do cinema.
É claro que, no Brasil, a maioria dos correspondentes sempre vai querer morar no Rio, onde, inclusive, surgiu a primeira ACE no Brasil. Quando surgia a opção de ir para Brasília, ninguém queria e só as agências enviavam seus correspondentes para lá, por obrigação. A economia cresceu muito em São Paulo e, exatamente por isso, sempre tinha mais gente aqui. Algumas das agências mudaram suas sedes do Rio para a capital paulista, por exemplo, a Reuters, a AFC, a France Press, a Bloomberg etc.
É muito complicado você cobrir uma cidade como Brasília. Eu morei quatro anos em Brasília e não conseguia ter noção do que era o Brasil. Você convive com o Congresso, o Planalto, o Itamaraty, as embaixadas, mas aquilo não representava o país. A forma de trabalhar a notícia lá também é muito complicada, pois aquela relação direta com as fontes é muito complicada para o jornalista.
Nós temos correspondentes que moram nos estados da Bahia, do Recife e de Fortaleza. Eles têm um convívio muito mais interessante com a cultura brasileira, com o brasileiro em si. Quem sabe isso aconteça algum dia em Brasília, mas a cidade só tem 50 anos, não havendo ainda a vivência que podemos encontrar em São Paulo e no Rio. Há também a questão da infraestrutura. São Paulo é uma cidade muito melhor para a cobertura. É mais fácil a locomoção, as viagens etc.
De olhos abertos
Infelizmente, na área de cultura, poucas coisas que a gente propõe são aceitas. Do outro lado, o estereótipo também é forte. Publiquei algumas matérias sobre cultura, mas muito poucas. Em geral, escrevo sobre um brasileiro que ganha algum prêmio na Europa, como o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, que ganhou o Pritzker [prêmio criado em 1979 pela Fundação Hyatt, atribuído anualmente ao arquiteto, ainda em vida, que melhor cumpra os princípios de solidez, beleza e funcionalidade].
Também falei sobre a bossa nova quando ela fez 50 anos. Escrevo sobre o carnaval todo ano, praticamente da mesma forma, porque ninguém sabe de pontuação de escola de samba, nada muda. Temos que falar que escola ganhou, quem saiu pelado ou não [risos].
Em Capão Redondo há um sarau e bibliotecas feitas pela própria população local. Essa, por exemplo, é uma história que não escrevi ainda, mas que dá para contar, porque é interessante. É sempre bom focar em histórias baseadas em iniciativas que surgem sem apoio do Estado.
Outro assunto que chama bastante atenção lá fora é o grafite brasileiro. O interesse da imprensa estrangeira no assunto ajudou essa arte a sobreviver, já que houve intenção do governo de cobrir muros grafitados com tinta. Uma das coisas mais legais de São Paulo é o grafite. Pintar por cima me parece um contrassenso. Enquanto Os Gêmeos estão pintando mundo afora, aqui estavam passando tinta branca por cima deles.
No âmbito da literatura brasileira, há a limitação da língua, o que é uma pena. Poucos escritores do país foram traduzidos para outras línguas. Os que foram traduzidos não estão mais aqui. Os grandes jornais dos quais a gente costuma falar são publicados em espanhol, inglês ou francês. A língua portuguesa é uma limitação mesmo. O que ainda tem dado alguma visibilidade internacional para esse campo é a Festa Literária Internacional de Paraty [Flip], que tem sido bastante divulgada de forma elogiosa, sendo considerada fora do comum.
“De vez em quando, os editores me mandam sugestões de pauta e, se eu acho que são muito estereotipadas, ou que são meio forçadas, discuto e digo que não é bem assim (...). Acho que os editores têm muito claro que quem conhece melhor o país é quem está no país”