Postado em 20/03/2013
Nas últimas cinco décadas, o Brasil comeu o pão que o diabo amassou: foi do inferno ao paraíso, conheceu o fundo do poço, recuperou-se, tornou a cair, avançou como poucas vezes se viu, ganhou evidência no plano mundial, mas continua padecendo de uma série de problemas que, persistentes, ameaçam empanar o brilho de um país que, a despeito de tantos vaivéns, ocupa, hoje, a sétima posição entre as maiores economias do planeta. Foram 50 anos de grandes mudanças, dessas que só mesmo uma nação com sonhos de grandeza poderia intentar. Cinco décadas de histórias e fatos marcantes, acontecimentos que estão registrados para a posteridade, graças, especialmente, ao incansável trabalho da imprensa.
Fiel ao seu objetivo inicial de debater as grandes questões nacionais, Problemas Brasileiros, uma das mais antigas revistas do país, e que completa agora 50 anos de vida, retratou em suas páginas todas essas transformações, abrindo ao mesmo tempo espaço para falar do que deixou de ser feito. Foram, até aqui, 416 edições, no início de circulação mensal, depois bimestral, pelas quais passaram, e onde continuam atuando, grandes profissionais, todos, indistintamente, imbuídos dos ideais que norteiam a imprensa livre, desejosos de servir aos leitores com trabalhos de elevada qualidade.
Assim que Problemas Brasileiros foi chegando às mãos das pessoas nos mais distantes pontos do território nacional, a revista passou a receber cartas de apoio e agradecimento. Uma das primeiras enviadas à redação dizia: “Como professor-instrutor da cadeira de geografia do Brasil da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) e tendo em um dos nossos cursos seminários sobre os problemas da nação, venho para dizer que a revista é para nós de grande utilidade”, escreveu João Antonio Rodrigues. Ou, como se pronunciou, na mesma oportunidade, o leitor Tenyson Pereira, de Ribeirão Preto, afirmando que “...o Brasil necessita destes ensinamentos e divulgações”.
O primeiro número de Problemas Brasileiros, com data de abril de 1963, seguiu o estilo editorial e gráfico daquele tempo, portanto, bem diferente do modelo atual (afinal, cinco décadas não são cinco anos). Impressa em formato de livro e estampando na capa o plano piloto de Brasília, a edição inaugural publicou em suas páginas o conteúdo de palestras e debates promovidos pelo Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos (hoje Conselho de Economia, Sociologia e Política) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo/FCESP (atual Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo/FecomercioSP), em cujas reuniões eram tratados temas de interesse do momento. A prática se manteve até os dias atuais, em que esses registros são publicados em encarte central da revista.
Destaca-se naquela primeira edição o artigo “Intervenção de Estado e Livre Empresa”, de Dorival Teixeira Vieira, que começa com estas palavras: “É frase feita dizer-se que o Brasil se encontra à beira do abismo. Documentos parlamentares de diferentes épocas são monotonamente semelhantes ao indicarem a situação angustiosa e precária das finanças e a necessidade de progresso técnico e desenvolvimento econômico. Talvez, por isso, sorrimos e continuamos indiferentes à realidade”. É curioso, mas a questão da “necessidade de progresso técnico” levantada por Vieira continua atualíssima, contemporaneidade que pode ser comprovada, meio século depois, nesta edição de Problemas Brasileiros (ver matéria “O Risco Brasil”, nesta edição).
“A Capacidade Civil da Mulher Casada em Face da Lei no 4.121/62”, de Washington de Barros Monteiro, outro texto da edição inaugural, trouxe no parágrafo inicial a seguinte frase: “Trata-se, indiscutivelmente, de assunto vivo e palpitante, que tem provocado as mais desencontradas apreciações no cenário jurídico do país”. A lei citada por Monteiro deu à mulher casada plena capacidade de agir, tendo depois a Constituição de 1988 estendido às esposas todos os direitos e deveres concernentes à sociedade conjugal. Realçamos, por fim, um terceiro artigo, “Socialismo e Socialização em Face da Encíclica ‘Mater et Magistra’ ”, de José Pedro Galvão de Sousa, que versa sobre a ressonância alcançada pelas palavras do papa João XXIII (reconhecimento e admissão da socialização) nos quatro cantos do planeta, tendo em vista o contexto da Guerra Fria, conflito ideológico que opunha a Rússia e países periféricos (a hoje extinta União Soviética) aos Estados Unidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Um novo enredo
O Brasil assistia de longe, ou pensava assim, a essas escaramuças. Em 1963, o inquilino do Palácio da Alvorada era João Goulart, ou simplesmente “Jango”, como se referiam a ele os jornais, que ascendeu ao cargo de primeiro mandatário do país com a patética renúncia de Jânio da Silva Quadros em 25 de agosto de 1961. Na eleição presidencial de 1960, o candidato do “varre, varre, vassourinha; varre, varre a bandalheira”, como Jânio era apresentado na mídia pelos correligionários, havia levado a melhor sobre dois fortes oponentes: Henrique Teixeira Lott e Adhemar Pereira de Barros. Seu vice, João Belchior Marques Goulart, que já ocupara a vice-presidência no governo anterior, de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961), saiu vencedor na disputa com Milton Campos e Fernando Ferrari. Naquela época, os vices também competiam pelo cargo.
Quando Jânio deixou voluntariamente o mandato, sete meses após a posse, Jango se encontrava na China, cabendo a Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados, assumir provisoriamente o posto. Os oposicionistas mais conservadores, que representavam a elite e as Forças Armadas, estavam decididos a impedir a posse de Jango com o argumento de que ele pautava sua vida política pela cartilha da esquerda. O gaúcho de São Borja conseguiu escalar esse paredão com a ajuda de Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, o qual passou a fazer discursos inflamados pelas ondas da Rádio Guaíba, de Porto Alegre, propagando um movimento, a favor de Jango, a que deu o nome de Cadeia da Legalidade. As Forças Armadas se dividiram, impedindo uma ação militar direta, enquanto o Congresso tratava de estabelecer no país o regime parlamentarista, sistema de governo que vigorou a partir de 1961 e reduziu os poderes de João Goulart, mas permitiu sua posse. Todavia, dois anos mais tarde, em 1963, Jango obteve a realização de um plebiscito que derrubou o parlamentarismo e instaurou novamente o presidencialismo no Brasil.
Foi nesse período que Problemas Brasileiros nasceu. Ninguém sabia – ou quase ninguém – o que de fato viria pela frente: a direita iria aceitar pacificamente a recuperação dos direitos constitucionais por Jango, que tivera o apoio de 80% dos eleitores brasileiros na enquete sobre o sistema político? A felicidade de Jango durou pouco, e o que meio mundo temia aconteceu: os militares tomaram o poder em 31 de março de 1964 e a história do país ganhou um novo enredo. Instalou-se uma ditadura que se estenderia até 1985, tendo ocupado a cadeira presidencial, nesse período, cinco militares: Humberto de Alencar Castello Branco (1964-1967), Arthur da Costa e Silva (1967-1969), Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel (1974-1979) e João Baptista Figueiredo (1979-1985).
Boa parte dos civis que apoiaram o golpe militar imaginava que, assim que as coisas se acalmassem, os militares se afastariam. O que se viu, no entanto, foi um governo de exceção que decretou a censura, cassou mandatos, reprimiu com a tortura aqueles que ousassem se opor ao regime, fechou o Congresso e combateu os movimentos sociais, especialmente no governo Médici, período que ficou conhecido como “anos de chumbo”. Foi quando a esquerda, aglutinada, tentou em vão derrubar o sistema através da luta armada mediante ações que se desenrolariam em pontos diversos do país. A mais representativa delas, a Guerrilha do Araguaia (no norte de Goiás, atual Tocantins, na divisa com os estados do Pará e do Maranhão), que reunia militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), começou a ser idealizada em 1966, passou a agir em 1970, foi descoberta pelas Forças Armadas em 1972 e aniquilada entre 1974 e 1975.
Como era o Brasil nos primeiros anos da revista Problemas Brasileiros? A inflação galopava em torno de 48% ao ano, a taxa de analfabetismo rodeava os 40%, o Produto Interno Bruto não ia além de US$ 128,5 bilhões de dólares (renda per capita de apenas US$ 1,7 mil) e a população, que já era de 71 milhões de habitantes em 1960, deu um salto num período de dez anos, chegando a 93 milhões em 1970. Na realidade, o crescimento populacional foi de cinco vezes no século 19 e de dez vezes no século passado, indo de 3,4 milhões de habitantes, em 1800, para 170 milhões em 2000. As taxas de fecundidade, altíssimas, especialmente no nordeste do país, transmitiam a ideia de que a população iria aumentar descontroladamente e, conforme previsões catastróficas, no ano 2000 as cidades de São Paulo (hoje com 11 milhões de habitantes) e Sorocaba (600 mil), distantes 95 quilômetros, se uniriam, dando origem a um aglomerado urbano simplesmente descomunal.
Contribuíam para essas projeções alarmistas previsões descabidas que estimavam para o Brasil uma população de 400 milhões de habitantes no fim do século 20. Na mesma época o estrategista militar e teórico americano Herman Kahn, dedicado a criar cenários para uma hipotética guerra nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética, profetizou que o Brasil entraria em 2000 com um Produto Interno Bruto de US$ 246 bilhões e uma renda per capita miserável, de US$ 506. Felizmente, a estimativa de Kahn passou longe da realidade: os números daquele ano cravaram em US$ 800 bilhões e US$ 4,8 mil, respectivamente.
Da bossa nova ao iê-iê-iê
Estávamos bem em população, mas péssimos em número de veículos. Com uma indústria automotiva ainda incipiente, a frota circulante no país, em meados dos anos 1960, era de 1,23 milhão de automotores, nada perto dos 46,5 milhões de unidades esperados para 2015. Apesar disso, o Brasil comemorava a produção do milionésimo veículo montado no país, um feito e tanto para uma nação até então acostumada a importar carros dos Estados Unidos. Com o correr dos anos, conforme numerosas reportagens publicadas de lá para cá por Problemas Brasileiros, a indústria automobilística se converteria na mola propulsora do desenvolvimento nacional, dando origem a uma cadeia produtiva que hoje emprega milhões de pessoas.
Os anos 1960, definitivamente, deixaram marcas, em especial no campo musical. O conjunto The Beatles, banda de rock formada por quatro cabeludos ingleses de Liverpool – Ringo Starr, Paul McCartney, John Lennon e George Harrison – que ganharam o mundo e reinaram soberanos de 1962 a 1970, ditou moda e criou estilos por aqui. É dessa época, também, a popularização da bossa nova – movimento nascido em 1958, encabeçado por músicos de classe média alta do Rio de Janeiro que imprimiram uma batida diferente às suas composições. O ritmo fez bonito até no badalado Carnegie Hall, em Nova York, em 1962, com um concerto que teve a participação de Agostinho dos Santos, Carlos Lyra, João Gilberto, Luiz Bonfá, Oscar Castro Neves e Tom Jobim. Rotulado de “Anos Dourados”, esse período da história do Brasil, que se destacou por uma efervescência musical sem par, ainda teve a Jovem Guarda, o rock brasileiro (o iê-iê-iê nacional), liderado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, além de Demétrius, Ed Wilson, Jerry Adriani, Leno e Lilian, Renato e Seus Blue Caps, Os Incríveis, Golden Boys, The Jordans e tantos outros.
Em março de 1972, nove anos depois de lançada e de ter dado guarida a temas tão importantes quanto censura, desnutrição, energias alternativas, explosão demográfica, favelas, imigração, mortalidade infantil, poluição e ecologia, televisão, terceira idade e urbanização, Problemas Brasileiros ganhou o formato atual e se transformou em revista no verdadeiro sentido da palavra, com diagramação moderna e visualmente agradável. Se já desenvolvia um trabalho de peso como órgão informativo, agora passaria a acompanhar mais de perto os grandes acontecimentos nacionais, particularidade que continua sendo seu forte e a distingue no meio editorial brasileiro. “Leio a revista de ponta a ponta e, depois, repasso para estudantes que a utilizam como material de pesquisa”, conta o engenheiro Alberto Ferreira, morador de Santos e, desde 1994, assinante de Problemas Brasileiros. De fato, presente em bibliotecas no país e no exterior e consultada por brasilianistas, a revista se firmou como referência e fonte obrigatória de pesquisa para os estudiosos da realidade brasileira.
Nada passaria em branco aos olhos de “PB”, como a revista é carinhosamente chamada. Os anos que se seguiram foram pródigos em acontecimentos que, bem ou mal, ajudaram a moldar a nação que temos hoje. O Brasil sagrou-se tricampeão na Copa do Mundo de Futebol no México, em 1970, revelando para o exterior jogadores cuja fama se limitava ao país, como Gérson, Tostão e Jairzinho, já que o maior deles, Pelé, era bem conhecido lá fora. Foi então que a TV em cores entrou nos lares nacionais (a Festa da Uva de 1972, em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, foi mostrada na primeira transmissão em cores no Brasil), assim como os reflexos negativos da crise mundial do petróleo desencadeada pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que elevou o preço dos combustíveis e forçou o governo a impor o racionamento à nação. Por conta disso, em 1975 Brasília deu vida ao Programa Nacional do Álcool (Proálcool), com o propósito de intensificar a produção nacional de etanol (álcool combustível) para substituir a gasolina. A produção local de carros movidos com o combustível da cana-de-açúcar contribuiria enormemente para a viabilização do programa, tanto que em 1991 perto de 60% dos automotores made in Brazil utilizavam o etanol. Com o tempo, as montadoras passaram a fabricar veículos flex, versões equipadas com motores que podem usar tanto o álcool quanto a gasolina como combustível. Em 2012, o mercado consumiu 3,16 milhões de veículos bicombustíveis – entre automóveis e comerciais leves –, participação que corresponde a 87% do total comercializado no período.
Ao mesmo tempo em que o setor sucroalcooleiro expandia seus horizontes, o agronegócio (agribusiness) avançava, graças à introdução de métodos modernos de cultivo e à consequente expansão da fronteira agrícola, que começou a se deslocar de regiões produtoras seculares para lugares onde antes se praticava apenas o plantio convencional e de sobrevivência. Mato Grosso talvez seja o maior exemplo dessa mudança, transformando-se, décadas atrás, no novo endereço de milhares de ruralistas do sul, gente experiente no plantio de grãos e cereais que havia deixado suas terras com o propósito de expandir os negócios em novas áreas agricultáveis. Outros preferiram fixar residência em Goiás, no oeste da Bahia, em Tocantins, no Piauí e no vale do São Francisco. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, teve tudo a ver com essa revolução na zona rural, por seu trabalho no campo da pesquisa, do desenvolvimento e da inovação para a sustentabilidade da agricultura.
Nas asas da Embraer
Na televisão faziam sucesso os seriados “Vila Sésamo”, “Sítio do Pica-Pau-Amarelo” e “A Grande Família”, além das novelas “João Coragem” e “Selva de Pedra” – a primeira, no ar de junho de 1970 a julho de 1972, estrelada por Tarcísio Meira e Glória Menezes, e a segunda, que se estendeu de abril de 1972 a janeiro de 1973, com Regina Duarte, Francisco Cuoco e Dina Sfat. Nos céus brilhavam os aviões da Embraer, empresa criada pelo governo federal e privatizada anos mais tarde e que, com o tempo, viria a ser tornar a terceira maior indústria de aeronáutica civil do planeta. Instalada em São José dos Campos e com filiais no país e no exterior, começou fabricando o Bandeirante, um turbo-hélice com capacidade para transportar de 15 a 21 passageiros, e hoje oferece ao mercado aeronaves com até 120 assentos, jatos executivos e caças militares, preparando-se para entrar também no mercado de aviões de transporte de tropas, helicópteros e navios.
Brasília ainda deu asas a outras importantes empresas, tais como a Embratel, criada nos anos 1960, mas que começou a operar de fato no início dos anos 1970, com o estabelecimento das primeiras redes de comunicação do país: a Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás), em julho de 1972, e a Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep), em dezembro de 1975. A década de 1970 ainda é lembrada, dentre outras coisas, pela inauguração dos metrôs de São Paulo, em 1974, e do Rio de Janeiro, em 1979; pelo início da construção da gigante Itaipu, em 1973 (hoje a segunda maior usina hidrelétrica do mundo), e pela assinatura, no governo Geisel, do acordo nuclear com a Alemanha, em 1975, que previa a construção de oito centrais atômicas em território brasileiro com tecnologia germânica. Pressões de todos os lados, de dentro e de fora do Brasil, se exerceram sobre esse acerto técnico e comercial e, por fim, apenas duas centrais saíram do papel, as usinas nucleares de Angra 1, que entrou em funcionamento em 1985, e a de Angra 2, em 2000.
As páginas de Problemas Brasileiros mostraram também que, de todos os fatos que ganharam destaque na década de 1980, o mais importante, certamente, foi a redemocratização do país, que teve início com os movimentos de rua em favor das eleições diretas e logrou êxito com a retomada do poder pelos civis, em 1985. Tão logo o governo militar abriu a guarda, aposentando o sistema bipartidário – a Aliança Renovadora Nacional (Arena), de situação, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição, eram os únicos partidos legalizados – por meio de uma reforma política que permitia a formação de novas siglas, as eleições diretas para presidente entraram na pauta de políticos compromissados com a democracia, de intelectuais e do povo em geral. Os governadores já eram eleitos pelo voto direto, mas faltava o principal. Então, em 1983, surgiu a tão sonhada oportunidade, com a apreciação pela Câmara dos Deputados do projeto de lei do deputado peemedebista Dante de Oliveira, que instituía o voto direto na escolha do sucessor do general João Baptista Figueiredo no pleito de 1985.
Mesmo diante de tanta pressão, a Emenda Dante de Oliveira, como a propositura ficou conhecida, não passou. Perdeu por 22 votos, sem falar do número elevado de abstenções. O destino da ditadura, porém, estava traçado. As manifestações em nome das “Diretas-Já”, como ficaram conhecidas, avolumaram-se de tal forma que os militares compreenderam que estava na hora de retornar aos quartéis, deixando o caminho livre para os civis. A pressão popular pela democracia começou com uma concentração na Praça da Sé, em São Paulo, com 300 mil pessoas, seguida de outra com 1 milhão no Rio de Janeiro e uma terceira com 1,7 milhão novamente na capital paulista. O mineiro de São João del Rei Tancredo de Almeida Neves foi eleito presidente por um colégio eleitoral, derrotando Paulo Maluf, seu único oponente. Todavia, no dia 14 de março de 1985, véspera de sua posse, Tancredo foi internado em Brasília com diverticulite (a mesma doença que mataria sua esposa, Risoleta, em 2003). Com o surgimento de complicações, foi transferido para São Paulo, mas seu estado clínico piorou e ele morreu em 21 de abril daquele ano.
Planos econômicos
Assumiu o vice-presidente José Sarney, que ficou no cargo até completar o mandato. Em seu governo foram baixadas medidas econômicas de combate à inflação – na verdade, uma frustrada tentativa de segurar os preços e salários por meio de congelamento e do lançamento de uma nova moeda, o cruzado. Conhecido como Plano Cruzado e comandado pelo ministro da Fazenda, Dilson Funaro, o programa deu em nada, assim como não funcionariam outras duas reformas monetárias intentadas ainda em seu governo, o Plano Bresser, em 1987, idealizado pelo ministro Luiz Carlos Bresser, que sucedeu a Funaro, e o Plano Verão, de 1989, comandado por Maílson da Nóbrega. O cruzado virou cruzado novo e a inflação atingiu no fim do mandato de Sarney, em 1990, a estratosférica taxa mensal de 84,23%, ou 4.853,9% no período de 12 meses. Foi nesse ínterim que o Brasil ganhou uma nova constituição, aprovada em 1988.
Em março de 1990, Sarney desceu a rampa do Palácio do Planalto para dar lugar ao carioca Fernando Collor de Mello, que havia vencido o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, em segundo turno, na eleição de 17 de dezembro de 1989. Collor, ex-governador de Alagoas, chamou a economista Zélia Maria Cardoso de Mello para ocupar a pasta da Fazenda e dar um jeito na inflação herdada de Sarney. O Plano Collor, ou “plano da Zélia”, como ficou conhecido o bloqueio das contas correntes e poupanças dos brasileiros, se revelaria um grande fiasco. Mesmo eleito com o apoio da direita e de parte do empresariado, Collor não foi longe: acusado de participar de um esquema de corrupção ao lado de seu ex-tesoureiro de campanha, Paulo César Farias – o PC Farias –, foi destituído do poder em 29 de dezembro de 1992, depois de um longo processo de impeachment conduzido pelo Senado Federal (ele renunciou horas antes da sentença final). Além das denúncias da imprensa e das revelações comprometedoras dadas por seu irmão Pedro Collor à revista “Veja”, também pesaram para seu afastamento as passeatas promovidas pelos estudantes, que foram às ruas com o rosto pintado (os caras-pintadas), pedindo sua saída.
Com o cargo vago, de novo subiu a rampa um vice-presidente, desta vez o mineiro Itamar Franco, que governaria o Brasil até 1994. Engenheiro por formação, ele passou a responder interinamente pela presidência em setembro de 1992. Com o processo de impeachment ainda em curso, seria efetivado no cargo apenas em dezembro, após a decisão que colocou Collor fora do governo. Itamar ficou menos de dois anos no poder, mas deu ao Brasil um antídoto que golpeou mortalmente a inflação, colocando o país no rumo do desenvolvimento: o Plano Real, lançado no final de 1993. Executado por etapas, com o estabelecimento de um índice paralelo, a unidade real de valor (URV), o programa de estabilização foi definitivamente implantado em março de 1994 junto com a nova moeda, o real. Tudo isso aconteceu quatro meses antes de o Brasil se sagrar tetracampeão mundial de futebol, nos Estados Unidos. O Ministério da Fazenda era ocupado por Fernando Henrique Cardoso (FHC), que se afastou em março de 1994 para concorrer às eleições presidenciais de outubro daquele ano, sendo substituído no cargo por Rubens Ricupero.
Elevação de renda
Cardoso venceu Lula no primeiro turno, recandidatou-se em 1998 e novamente levou a melhor sobre o ex-sindicalista de São Bernardo do Campo, que concorria à presidência pela terceira vez. Marcantes nos dois mandatos de FHC foram a aprovação pelo Congresso Nacional da emenda da reeleição (que permitiu que ele concorresse pela segunda vez), a estabilidade da moeda, o controle da inflação, a expansão da economia, a implementação de políticas sociais e a privatização de importantes estatais (a exemplo da Vale do Rio Doce). São de seu governo, também, a política de distribuição gratuita de medicamentos para o controle da Aids e a fabricação de remédios genéricos.
Incansável, Lula concorreria pela quarta vez em 2002, ano em que o Brasil se tornaria pentacampeão mundial de futebol. A disputa agora se daria contra o tucano José Serra, e, finalmente, Lula foi eleito presidente, com 53 milhões de votos. Em 2006, ele competiu pela quinta vez, com outro tucano, o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e obteve expressivos 58 milhões de votos, a maior votação até então registrada no país. O representante maior do Partido dos Trabalhadores, que ele ajudou a fundar em fevereiro de 1980, manteve em curso praticamente a mesma política econômica do governo anterior, tendo elevado a renda dos brasileiros, baixado o desemprego e fortalecido o poder aquisitivo da classe média. Também investiu no social, liquidou a dívida do país com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e elevou as reservas internacionais para US$ 288,5 bilhões (valor de 31 de dezembro de 2010). Em 2005, ainda no primeiro mandato, Lula foi alvo de denúncias que acusavam membros de seu governo de terem pago, com dinheiro público, propinas a parlamentares, escândalo que ficou conhecido como “mensalão”. Julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no final do ano passado, dos 36 réus denunciados, 25 foram condenados por pelo menos um crime e alguns sentenciados com a pena de prisão.
Em 2007, a Petrobras anunciou a descoberta do pré-sal, um mar de petróleo abaixo da camada de sal, um tesouro incalculável que atraiu gigantes do setor dispostos a participar da exploração e fornecer equipamentos à estatal, além de ter despertado o interesse de milhares de profissionais estrangeiros pelo mercado de trabalho no Brasil. As reservas atuais do país somam 15,7 bilhões de barris e estimativas sugerem que até o final da década elas atingirão 55 bilhões de barris, graças, justamente, ao pré-sal.
Lula chegou ao fim de seu governo com a popularidade lá no alto (76%, segundo o instituto de pesquisas DataFolha, em março de 2010) e conseguiu fazer sua sucessora no pleito de 13 de outubro de 2010, a mineira Dilma Vana Rousseff, ex-chefe da Casa Civil. Antes de ter seu nome cogitado para enfrentar José Serra – o eterno candidato tucano –, Dilma vinha tocando o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa, Minha Vida (voltado para o financiamento da casa própria) e definindo as regras para a exploração das reservas de petróleo do pré-sal. Com ela a inflação continua controlada, a despeito de estar acima do centro da meta do governo (4,5%), e o desemprego se mantém em baixa, mas a economia empacou (dizem que este ano vai crescer entre 3% e 4%). Dilma pôde anunciar triunfalmente, no ano passado, que o Brasil passou a integrar o grupo das maiores economias do planeta (segundo alguns, seu Produto Interno Bruto, de US$ 2,5 trilhões, é o sexto maior, de acordo com outros, o sétimo). A exemplo de seu antecessor, a dama do casaco vermelho está com a popularidade nas nuvens: em dezembro passado, pesquisa conduzida pelo Ibope, a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostrou que 78% dos brasileiros estão satisfeitos com seu governo.
O Brasil de hoje, e que é retratado a cada bimestre nas páginas de Problemas Brasileiros, já não pode mais ser rotulado de gigante adormecido, apesar das dificuldades que ainda cerceiam seu desenvolvimento. O país do samba e do carnaval está a poucos passos de se tornar o celeiro do mundo, suas empresas estão se internacionalizando rapidamente (900 multinacionais verde-amarelas já operam filiais em pontos distintos do planeta), seu mercado de computadores é o terceiro maior do mundo, o de veículos o quarto (a produção interna, no ano passado, foi de 3,34 milhões de unidades) e o de celulares o quinto – em 2013, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o Brasil terá 300 milhões de aparelhos. E não podemos deixar de citar a importância da realização no país da Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e dos Jogos Olímpicos, em 2016, eventos com força para injetar mais oxigênio na economia nacional e que, no momento oportuno, serão também abordados por Problemas Brasileiros.
Para seus próximos 50 anos, a publicação espera retratar um país que se livre definitivamente de algumas amarras do passado e conquiste, entre as nações do mundo, um lugar digno de seu porte e de seu destino.
Meio século de debates
Problemas Brasileiros foi criada para publicar os debates realizados no Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos (hoje Conselho de Economia, Sociologia e Política), órgão patrocinado pelas entidades do comércio de São Paulo, com o objetivo de debater os grandes temas nacionais e oferecer subsídios a estudiosos e aos próprios governantes.
Com o decorrer dos anos, a publicação abriu suas páginas para outros temas, sem deixar de divulgar, com o devido destaque, os trabalhos do conselho. A partir de 1988, reservou para eles um encarte especial, que desde então acompanha a revista, distinguindo-a de outros órgãos informativos.
O conteúdo diz respeito sempre a um tema de interesse geral, apresentado por um especialista e debatido pelos demais membros do conselho – a mesma fórmula que deu origem ao conselho e à revista, que com justo orgulho celebram meio século de existência.