Postado em 01/05/2013
Por: ALBERTO MAWAKDIYE
Em janeiro, e recém-empossado, o prefeito de São Paulo, o petista Fernando Haddad, anunciou um pacote de medidas com o objetivo de evitar os desastres provocados todos os anos pelas temporadas de chuvas de verão na capital paulista, como enchentes e deslizamentos de encostas. Antecipou então Haddad: “Vou procurar o Instituto de Pesquisas Tecnológicas [IPT] e firmar um contrato para o monitoramento diário das 93 áreas de alto risco da cidade”.
Três meses antes, em outubro de 2012, o secretário de Energia do estado de São Paulo, o tucano José Aníbal, havia celebrado um convênio com o mesmo IPT para a verificação da existência de xisto betuminoso no estado em quantidade e qualidade suficientes para produzir gás. O energético vem paulatinamente ganhando importância nos Estados Unidos, já tendo, inclusive, se tornado uma real opção ao gás de petróleo. “Nossa intenção é diversificar e ampliar a oferta de gás natural no estado, que é o maior mercado consumidor e importador nacional do produto, e onde cerca de 90% do uso final do insumo é destinado à indústria”, justificou Aníbal.
Exatamente um mês depois a multinacional General Electric (GE) anunciava o estabelecimento de uma parceria com o IPT para a realização de testes de maquetes no túnel de vento do Centro de Metrologia de Fluidos daquele instituto. Testes de maquetes são feitos, em geral, para dar maior segurança aos cálculos das forças do vento sobre construções de arquitetura arrojada, como é o caso do Centro de Pesquisas Global da GE, a ser construído na região da ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, onde estão outros centros similares, como o da Petrobras.
Paralelamente a esses acordos, um ritual em sua rotina de pesquisa, o IPT prosseguia desenvolvendo discretamente em seus laboratórios, localizados ao lado da Universidade de São Paulo (USP), no bairro do Butantã, na zona oeste da capital paulista, projetos para lá de inovadores, como a busca de uma “rota metalúrgica” para a produção de silício de altíssima pureza – essencial à geração de energia solar fotovoltaica –, com o apoio da Companhia Ferroligas Minas Gerais (Minasligas) e laboratórios parceiros.
Simultaneamente, ganhavam maior velocidade estudos que objetivam utilizar os ímãs contidos nos discos rígidos de computadores fora de uso – cuja disseminação ameaça se tornar um grave problema ambiental – na cadeia tecnológica das terras-raras, um grupo de 17 elementos químicos fundamentais para aplicações high-tech, como a produção de supercondutores, catalisadores e componentes para carros híbridos. Ao mesmo tempo, o IPT continua realizando todos os tipos imagináveis de ensaios e testes para a indústria automotiva e metalúrgica e a construção civil, trabalhos que o levam a atender, anualmente, em torno de 4 mil empresas.
É difícil acreditar que um único instituto de pesquisas seja tão requisitado e realize tanto ao mesmo tempo, uma imagem de onipresença que é, em síntese, um fiel retrato de suas aptidões como gerador de novos conhecimentos. O fato, porém, é que o IPT, criado em São Paulo em 1899, nos albores da República Velha, como Gabinete de Resistência dos Materiais da Escola Politécnica (Poli), faculdade hoje agregada à Universidade de São Paulo (USP), parece ganhar mais fôlego e respeitabilidade à medida que o tempo passa.
“O diferencial do IPT está tanto em sua boa estrutura interdisciplinar – que permite operar nas mais diferentes áreas de pesquisa tecnológica – como em sua capacidade de atualização e de atendimento das demandas do mercado e dos poderes públicos”, diz Fernando Landgraf, engenheiro metalurgista e professor da Poli-USP, e atual presidente da instituição – ele foi empossado em agosto do ano passado, e, até então, vinha respondendo, desde 2009, por sua diretoria de Inovação. “Enfim, o IPT está sintonizado com as demandas tecnológicas e comerciais de seu tempo, mas sem nunca deixar de lado as necessidades mesmo que ainda latentes da sociedade brasileira.”
Núcleos técnicos
Trata-se, de longe, de um dos maiores e mais aparelhados institutos de pesquisas científicas e de desenvolvimento tecnológico do Brasil – e que, por isso mesmo, pode olhar para todas as direções. O próprio porte físico já impressiona: o IPT ocupa 62 prédios na Cidade Universitária, totalizando uma área construída de 94 mil metros quadrados – instalação que dá abrigo a 25 divisões técnicas e 72 laboratórios, além de um centro tecnológico em Guarulhos, na Grande São Paulo, e outro em Franca, na região norte do estado.
As suas áreas de pesquisa estão organizadas em 14 unidades técnicas, ou centros tecnológicos, que abrangem numerosos setores de atuação, como a engenharia naval e oceânica, processos de automação, construção civil, recursos florestais, metrologia, produção automotiva e indústria da moda, entre tantos outros. Esses centros tecnológicos são bem mais do que apenas unidades “temáticas”, sendo no plano interno igualmente interdisciplinares. Assim, por exemplo, se no Centro Tecnológico do Ambiente Construído a vasta cadeia industrial da construção civil está inteiramente representada, o mesmo se dá com as áreas afins, como energia elétrica e solar ou acústica. Já o Centro de Tecnologia de Processos e Produtos inclui praticamente toda a indústria de transformação.
Para sustentar tal estrutura, o IPT conta com um corpo técnico de primeira linha. Nada menos que dois terços dos funcionários da instituição são especialistas: dos aproximadamente 2,2 mil colaboradores, 500 são pesquisadores e 400 técnicos, além de 300 “novos talentos” e mais de 600 prestadores de serviços autônomos ou cooperativados. Os 400 funcionários restantes são gestores e trabalhadores de apoio administrativo e operacional. O governo paulista – que costuma responder por 35% a 40% do orçamento anual do IPT – vem, nos últimos anos, reforçando essa estrutura com generosos investimentos em modernização e capacitação profissional. O restante vem do mercado ou das agências de fomento, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Foram R$ 150 milhões no período de 2008 a 2011, dinheiro que permitiu ao IPT implantar três novos laboratórios, dois deles voltados para a pesquisa de energias renováveis.
Por exemplo, o laboratório com simulador solar dará apoio técnico à certificação de qualidade de coletores solares residenciais, comerciais e industriais, ao passo que o laboratório equipado com forno unidirecional de silício grau solar capacitará a indústria brasileira na obtenção de silício com pureza apropriada à fabricação de geradores de energia elétrica fotovoltaicos, ajudando, assim, a queimar etapas nesse segmento industrial de alta tecnologia. “O equipamento ajudará o país a se desenvolver de forma mais efetiva no campo da energia solar”, garante João Batista Ferreira Neto, coordenador do Laboratório de Metalurgia e Materiais Cerâmicos do IPT, onde está localizado o novo forno. “Trata-se de uma cadeia produtiva que permite grande agregação de valores, mas a modalidade é ainda pouco desenvolvida no Brasil. Temos não mais que 30 MW em sistemas isolados e apenas 0,5 MW conectados às redes de energia”, diz.
Já o novo núcleo de bionanomanufatura, que recebeu investimento de R$ 52 milhões, dará ao IPT meios para o desenvolvimento de pesquisas em quatro áreas estratégicas: biotecnologia (desenvolvimento com organismos vivos), tecnologia de partículas (que visa a microencapsulação de componentes químicos para setores como medicina e cosmética), micromanufatura de equipamentos e metrologia de alta precisão. “Os novos laboratórios vão criar uma nova via de desenvolvimento para a indústria brasileira”, informou o governador Geraldo Alckmin, em agosto do ano passado. Alckmin também citou o projeto de gaseificação de biomassa, em fase de desenvolvimento pelo IPT, como outro passo de grande importância do ponto de vista industrial. O projeto contará com uma planta-piloto em Piracicaba, a noroeste da capital do estado, que vai viabilizar o aproveitamento do bagaço e da palha de cana para a produção de etanol de segunda geração.
Exemplo de pragmatismo
A contribuição do IPT para o desenvolvimento industrial do país é um fato, e seu novo presidente, Fernando Landgraf, pretende intensificá-la, fazendo com que o instituto passe a participar mais diretamente da elaboração das estratégias econômico-tecnológicas de médio e de longo prazo do governo estadual. Todavia, é possível que o instituto não tivesse ido tão longe caso abrisse mão da ajuda do mercado. De fato, embora vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do estado de São Paulo, o IPT não tem, como as universidades, o seu quinhão garantido no orçamento estadual, ainda que as verbas públicas raramente lhe faltem. De qualquer modo, para desenvolver seus trabalhos a entidade depende, em boa parte, de recursos próprios, cuja complementação é bancada pelos órgãos de fomento.
De um lado esse hibridismo organizacional obriga o instituto a aceitar regras para a contratação de funcionários em tudo semelhantes às do serviço público – novos colaboradores fixos só podem ser admitidos através de concursos, por exemplo; de outro, como se trata juridicamente de uma instituição privada, vê-se na obrigação de vender serviços ao mercado para não interromper suas pesquisas. A maneira como o IPT consegue equilibrar-se entre essas duas pontas, sem priorizar demais uma ou outra ou abdicar da qualidade, fez da instituição um exemplo de pragmatismo para o universo de pesquisa e desenvolvimento brasileiro, ficando explicada, assim, a relevância que adquiriu para a indústria e a tecnologia do país.
Para encurtar a história, o IPT sempre procura manter no cronograma um fluxo de pesquisas difíceis de vender de imediato, mas que possam produzir o conhecimento necessário para o desenvolvimento de testes de produtos e processos valiosamente sintonizados com as demandas do momento. “O mercado carece de apoio no tocante a qualidade, certificações, mensurações e parâmetros”, explica Carlos Padovezi, diretor de Operações e Negócios do IPT. Na realidade, segundo ele, o instituto tem sua vida balizada pelo tripé “pesquisa e desenvolvimento, prestação de serviços ao mercado e atendimento a políticas públicas”, incluindo os trabalhos para os órgãos de defesa civil no referente a melhoria das habitações populares e demandas ambientais. “Vale ressaltar que a inovação é sempre levada em alta conta”, diz o executivo.
Uma das consequências desse enfoque, segundo Padovezi, é que muitas vezes, com o passar do tempo, torna-se difícil distinguir o que foi um dia a pesquisa e o desenvolvimento em estado puro e o que foi prestação de serviços ao governo ou à iniciativa privada. Realmente, basta uma rápida passada de olhos pelo portfólio de projetos do instituto para verificar a quantidade de testes e ensaios que resultaram em inovação e novas tecnologias. Ou constatar quantas pesquisas “puras” deram origem a novos ensaios e trabalhos de campo, ou quanto estes últimos geraram a necessidade de novas pesquisas de caráter mais científico.
Em sua já longa história, o IPT foi, por exemplo, um dos pioneiros no uso de equipamentos a laser para aferições diversas. Também se notabilizou pela realização de projetos avançados, como o desenvolvimento do material artificial que substitui partes ou pedaços dos ossos e dos dentes, do plástico biodegradável que se autoelimina em seis meses, da centrífuga capaz de simular as pressões sofridas por estruturas submarinas, do método de tratamento de eucalipto que permite o uso dessa madeira de consistência frágil na construção de casas, e do forno a plasma para a eliminação de lixo hospitalar sem a geração de gases poluentes. Alguns desses trabalhos foram elaborados a pedido do mercado, ao passo que outros são frutos de pesquisas de iniciativa própria.
Na realidade, a lista de novidades técnicas nascidas dentro do IPT é imensa, podendo ser incluídas as pesquisas com combustíveis alternativos feitas no passado em conjunto com órgãos governamentais e que deram margem à criação do Proálcool, nos anos 1970, e o desenvolvimento de sucedâneos para o diesel (como o biodiesel), na década seguinte. “Hoje, a demanda no segmento de combustíveis alternativos vem principalmente de fabricantes de óleos e das indústrias em geral”, diz Silvio de Andrade Figueiredo, diretor do Laboratório de Motores do IPT.
Na construção civil
Embora hoje o foco de atuação do IPT esteja nas energias renováveis e nas novas tecnologias aplicáveis à indústria, a história do instituto é, em boa parte, ligada à construção civil, segmento que, durante décadas, foi seu campo exclusivo de trabalho. Diversas tecnologias criadas pelo instituto contribuíram para a evolução técnica das grandes obras brasileiras desde o começo do século 20, sem mencionar o desenvolvimento de numerosos equipamentos e ferramentas.
O uso de concreto, considerado um grande desafio técnico no início dos anos 1900, só foi possível, por exemplo, com as pesquisas do Laboratório de Ensaios de Materiais da Escola Politécnica (anteriormente chamado Gabinete de Resistência dos Materiais), que, na década de 1930, se tornaria o IPT. Na segunda metade do século 20, a participação do instituto foi decisiva em dezenas de obras de realce, como a retificação do rio Tietê, na cidade de São Paulo, a construção de barragens para geração de energia e abastecimento público, de autoestradas, como a Castelo Branco e a Imigrantes, dos túneis do metrô paulistano e da ponte Rio-Niterói.
O instituto também passaria a ocupar papel de destaque na área de geotecnia e no desenvolvimento de novos materiais – desde os de uso mais comercial, como o drywall (paredes de gesso), aos mais alternativos, como as telhas confeccionadas com embalagens tipo longa-vida descartadas, que têm plásticos e alumínio em sua composição. “O IPT tem uma tradição no setor de construção civil que não se limita a um aspecto ou outro, e praticamente não há disciplina nessa área em que o instituto não tenha deixado sua marca”, diz José Maria de Camargo Barros, diretor do Centro de Tecnologia de Obras de Infraestrutura do IPT.
Mais recentemente, o trabalho do instituto no setor passou a focar as atividades relacionadas à qualidade das construções e seu entorno. O objetivo de seu Centro Tecnológico do Ambiente Construído é prover soluções voltadas ao desenvolvimento contínuo da qualidade dos produtos e dos serviços aplicados nos edifícios, inclusive do ponto de vista da sustentabilidade e das políticas públicas atinentes.
Participação na Revolução de 32
O IPT sempre refletiu, como um espelho, os vários períodos da conturbada história recente da República brasileira. Foi batizado com o nome atual em 1934, portanto, em plena ressaca da Revolução Constitucionalista de 1932, quando os paulistas, que pegaram em armas pela democracia, foram derrotados pela forças fiéis ao então presidente Getúlio Vargas. Durante a revolução, as instalações do IPT se tornariam o principal arsenal dos revoltosos, produzindo desde veículos blindados até morteiros e granadas. O instituto chegou a fabricar a média de 10 mil granadas por dia. Reestruturado após o final do conflito, tornou-se uma autarquia vinculada à USP, criada no mesmo ano, e incorporou novas seções de pesquisa.
Na década de 1930, o Brasil vivia um momento de expansão. Surgiam os primeiros arranha-céus e a indústria crescia a uma taxa superior a 10% ao ano – ao longo da década, 36 mil novas fábricas abriram as portas no Brasil. A “metropolização” e a industrialização do país funcionaram como uma mola propulsora que ajudou o IPT a crescer e, já nessa época, a ganhar a fama de polo de inovação. O instituto desenvolveria desde um avião de madeira (jamais fabricado antes no Brasil) até uma adaptação em automóveis para queima de gasogênio – sua primeira investida na área dos combustíveis alternativos. Em três anos, seriam produzidos 20 mil conversores de gás para veículos. Havia, então, carência de gasolina no país.
Na década de 1940, o IPT teve destacada participação na instalação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a primeira usina produtora de aço do país, em Volta Redonda, no interior do Rio de Janeiro. E inauguraria, em 1956, o primeiro tanque de provas para embarcações, passo inicial na direção da expertise que viria a obter no setor naval, hoje expressa na colaboração que mantém com a Petrobras no tocante aos projetos do pré-sal.
Nas décadas de 1960 e 1970, durante o apogeu do regime militar, quando a economia brasileira crescia à taxa de 11% ao ano, o IPT se dedicaria, principalmente, aos grandes projetos de engenharia civil. Depois da abertura política e do advento da globalização, a partir da metade da década de 1980, o instituto diversificaria ainda mais suas atividades, em especial aquelas vinculadas à indústria.