Postado em 01/05/2013
A tradição da música brasileira continua se desenvolvendo no solo fértil deixado por Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, cuja data de nascimento deu origem ao Dia Nacional do Choro, em 23 de abril. Em 2013 completam-se exatos 40 anos de sua morte, e o talento do compositor e instrumentista carioca ganha uma série de homenagens mais do que merecidas.
Pixinguinha nasceu em uma casa movimentada e musical em 1897. O pai, Alfredo da Rocha Vianna, flautista amador, recebia músicos e abrigava rodas de choro. A receptividade era tanta que a casa, localizada no Catumbi (Rio de Janeiro), ficou conhecida como Pensão Vianna.
Em depoimento de Pixinguinha, registrado no livro A Escuta Singular de Pixinguinha (Alameda Editorial, 2010), de Virgínia de Almeida Bessa, destaca-se um nobre frequentador da casa: “O jovem Villa-Lobos (1887-1959), tocador de violão, também era visto por lá, tendo participado de algumas noitadas promovidas por seu Vianna”. Aos 11 anos e com cavaquinhos em mãos, Pixinguinha já acompanhava o pai nos bailes, conhecidos na época como festas de família, comuns nos bairros populares do Rio.
Segundo a autora, nesse período ele experimentou o estudo formal de música. Passou por cavaquinho, flauta e leitura de partituras. “Só muito tempo mais tarde, aos 35 anos, obteria o diploma do curso de harmonia elementar oferecido pelo Instituto Nacional de Música, que lhe renderia o reconhecimento de seu talento, mas não lhe acrescentaria quase nada do ponto de vista musical. Sua formação veio das rodas de choro e das ruas da cidade. Nesse espaço se profissionalizou e desenvolveu seu estilo como compositor”, explica Virgínia.
O instrumentista Hamilton de Holanda informa que nesse fluxo de aprendizagem ocorre a transição da flauta para o saxofone: “A troca me impressiona, porque ele saiu de uma posição de solista principal de flauta para um ‘contraponteador’ profissional. Ao saxofone, inspirou o grande Dino 7 cordas (Horondino José da Silva, 1918-2006) a criar o violão de sete cordas; instrumento nascido no Brasil e fundamental em conjuntos de choro e samba”.
O caminho para a profissionalização musical não tardou. Dos espaços amadores de entretenimento, aos 14 anos, passou a tocar em casas do bairro da Lapa. Virgínia chama atenção a um fato curioso: as plateias desses espaços não eram formadas por membros da sociedade. Nessa época, os locais de divertimento pago substituíam a diversão das ruas.
“Contrariando o que acontecia na maioria dos clubes e cafés, os números musicais apresentados não eram para dançar”. Em áudios que fazem parte dos arquivos do Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio de Janeiro, transcritos entre 1966 e 1968, o músico conta que “só havia música na hora dos artistas se apresentarem” e que não tinha dança em outro momento.
Segundo Virgínia, o depoimento traz à tona uma característica da nova música popular executada pelos grupos de choro e difundida por meio do disco e da partitura na primeira metade do século 20: “Embora muitas das canções e gêneros instrumentais preservassem sua função coreográfica, boa parte deles ia cedendo espaço ao deleite estético”, até então exclusivo da música de concerto.
“Muitos autores apontam que Pixinguinha, assim como o pianista e compositor Ernesto Nazareth (1863-1934), teria realizado uma ponte entre o erudito e o popular, mas, ao contrário do homem célebre, não dominava a linguagem erudita nem aspirava à glória; o que o diferenciava dos demais era a sua escuta singular e ampla, que incorporava elementos de diferentes tradições”, esclarece. E do contato entre a música feita para ouvir e a feita para dançar surge o choro como conhecemos.
Primeiras gravações
A estreia fonográfica de Pixinguinha aconteceu em 1911 com o grupo Choro Carioca. Desde então, só seguiu adiante, de gravação em gravação, estando presente no início das gravações elétricas no país e tendo colaborado, até 1927, em 35. Já a sua primeira composição publicada como partitura foi a polca Dominante, em 1915.
Nesse panorama histórico, há, segundo a coordenadora de música do Instituto Moreira Sales (IMS-RJ), Beatriz Paes Leme, o “momento pré-industrial da música, com Chiquinha Gonzaga (1847-1935), no qual a música acontecia ao vivo nos teatros”, e a indústria que sustentava esse cenário era incipiente. A indústria fonográfica “começa em 1902 e vai engatinhando até chegar à fase elétrica e do rádio”, contextualiza.
Portanto, a vida profissional adulta de Pixinguinha é na fase em que se assinam contratos com gravadoras e se assumem responsabilidades. “Caiu numa roda-viva, num esquema muito rico de experiências que o obrigou a uma produção intensiva”, completa.
Nessa empreitada, em 1919, formou o conjunto Oito Batutas, tocando flauta – com destaque para Donga (Ernesto Joaquim Maria dos Santos, 1890-1974), no violão. Recebidos com entusiasmo em palcos cariocas, nesse mesmo período, os músicos excursionaram por alguns estados brasileiros e pelo exterior. Na opinião de Virgínia, no caso dos Oito Batutas, as turnês “revelam menos sua legitimidade entre os mais ricos do que sua popularidade entre as camadas médias da população, que constituíam o mercado consumidor da música popular divulgada no disco, no teatro e, mais tarde, no rádio”.
Parte da elite brasileira de então entendia a viagem dos Batutas pela Europa “antes como uma vergonha, em função da cor da maioria de seus membros, do que como uma representação legítima de nossa música popular no exterior”. Porém, em entrevista da época, Pixinguinha afirmou nunca ter sentido o preconceito: “Nunca fui barrado por causa da cor... Mas o negro não era aceito com facilidade. Onde recebiam eu ia, onde não recebiam, não ia.”
Traços musicais
Segundo Beatriz, é possível traçar uma linha da vida de Pixinguinha levando em conta os grupos de que participou tocando, gravando, aparecendo em programas de rádio. “Desde os Oito Batutas, seus arranjos para o grupo Diabos do Céu (1930), o Grupo da Guarda Velha (1933), entre outros, Pixinguinha exerceu funções de arranjador, que é um trabalho mais profissional ainda. Nele podemos ver o compositor, que, digamos, trabalha por inspiração, diferente do arranjador, que atua por encomenda.”
Em 1928, teve as suas primeiras experiências como arranjador na indústria fonográfica, passando pela Odeon, onde se tornou diretor da Orquestra Típica Oito Batutas. Realizou experimentações que fundiam o som das jazz bands à sonoridade das bandas militares. O lance alto de sua carreira aconteceu no ano seguinte, ao ser contratado com exclusividade como maestro arranjador da Orquestra Victor Brasileira, exercendo a função até o início dos anos de 1940.
Contudo, foi perdendo espaço para músicos de formação erudita, como Radamés Gnattali (1906-1988), arranjadores chamados modernos, termo usado para identificá-los como opostos aos músicos da antiga, no caso, a sua geração. Para Virgínia, o ano de 1937 foi um divisor em sua trajetória, pois atesta sua consagração e o simultâneo afastamento da indústria fonográfica. Nesse momento, foi registrado em disco seu hino musical, o choro Carinhoso, que o tornou “conhecido nacionalmente, não só pelos contemporâneos, mas pelas futuras gerações”.
O instrumentista Hamilton de Holanda afirma que é importante aos jovens conhecer a obra do músico de ouvidos atentos, seja pelos discos ou pela internet. As composições podem ser encontradas em lojas de discos, mas também gratuitamente em sites. “Aos músicos, recomendo que estudem suas canções. É como aprender a jogar bola com Pelé”, compara.
A partir da década de 1950, modificou sua relação com a indústria fonográfica. Criou o grupo Os Cinco Companheiros, participou de discos com a chamada Velha Guarda e como líder do grupo Pixinguinha e Sua Banda. Em 1960, realizou parceria com Vinícius de Moraes (1913-1980), na composição da trilha do filme Sol sobre a lama (1963), de Alex Viany (1918-1992). Nas palavras de Virgínia, diversos aspectos profissionais e biográficos marcam a memória musical brasileira. “Mas arrisco dizer que sua atuação como compositor deixou mais frutos para as gerações seguintes do que seu trabalho como intérprete ou arranjador – sem seguidores diretos”, afirma.
A partir da década de 1950, modificou sua relação com a indústria fonográfica. Criou o grupo Os Cinco Companheiros, participou de discos com a chamada Velha Guarda e como líder do grupo Pixinguinha e Sua Banda. Em 1960, realizou parceria com Vinícius de Moraes (1913-1980), na composição da trilha do filme Sol sobre a lama (1963), de Alex Viany (1918-1992). Nas palavras de Virgínia, diversos aspectos profissionais e biográficos marcam a memória musical brasileira. “Mas arrisco dizer que sua atuação como compositor deixou mais frutos para as gerações seguintes do que seu trabalho como intérprete ou arranjador – sem seguidores diretos”, afirma.
“Ele ajudou a sistematizar a linguagem do choro, fixando um idioma musical, e serviu de inspiração para outros compositores. Infelizmente, sua obra é menos conhecida do que sua imagem – essa, sim, um inegável legado, admirada menos por aquilo que ele realmente fez do que por aquilo que representa.”
Múltiplos talentos
Conheça alguns dos principais símbolos musicais do compositor
Um a zero (1919) A peça ficou conhecida por apresentar as características do choro. A composição foi inspirada na vitória do jogo entre Brasil e Uruguai, que garantiu à seleção brasileira, pela primeira vez na história, o campeonato sul-americano. Embora composta em maio de 1919, sua primeira gravação em disco foi realizada na década de 1940 pelo flautista Benedito Lacerda (1903-1958), com Pixinguinha ao saxofone.
Eu também vou (1921) Muitas vezes os títulos das composições dialogavam entre si, em um divertido sistema de pergunta e resposta. É o caso do samba gravado pelo Grupo do Pixinguinha em resposta ao samba Domingo Eu Vou Lá (1921), executado pelo mesmo grupo no disco seguinte – Odeon 122.101.
Carinhoso (1929) Embora tenha sido composto em 1917, segundo informações do próprio Pixinguinha, Carinhoso só recebeu a primeira gravação em 1928, pela Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, numa versão instrumental que foi registrada como “Carinhos”. Na ocasião, o crítico da revista Phono-Arte, especializada em discos, não gostou da gravação, que classificou de “jazzificada”. Nove anos mais tarde, com letra de João de Barro, a composição ganhou sua versão definitiva na voz de Orlando Silva, tornando-se um estrondoso sucesso.
Fonte: A escuta singular de Pixinguinha, Virgínia de Almeida Bessa.
No meio da roda
O pai do choro moderno é saudado com programação especial
Em homenagem ao Dia Nacional do Choro, comemorado em 23 de abril, a unidade Bom Retiro deu espaço ao gênero na programação especial que durou todo o mês. Ai Quem Me Dera Esse Chorinho... ofereceu ao público shows, roda de conversa e de choro e exposição de instrumentos, que em conjunto saudaram a obra de Pixinguinha, morto há 40 anos.
Shows dedicados ao músico reuniram convidados instrumentistas como o vibracionista Ricardo Valverde, que se apresentou com Marcos Paiva Trio (foto) e a cantora Vânia Bastos, e o bandolinista e compositor Hamilton de Holanda.
Técnico da área de música da unidade, Nilson Nilu conta que Ai Quem me Dera Esse Chorinho... – dedicado ao instrumentista – foi concebido em equipe, tendo em vista o Dia Nacional do Choro. Sobre Pixinguinha, comenta que a sua produção genuinamente brasileira se confunde com a história do país. “É importante para a instituição ter atividades que possam difundir não só a história, mas o desenvolvimento de gêneros musicais que fazem parte da formação cultural do Brasil, e o chorinho é isso, assim como o samba, o maracatu e todo esse leque originado de nossas tradições.”