Postado em 01/05/2013
Por: Roberto Menescal
Aos 18 anos, Roberto Menescal acompanhava cantoras importantes da MPB, como Elis Regina (1945-1982) e Maysa (1936-1977). O sucesso começou a se desenhar a partir de 1958, quando o lado compositor veio à tona em parcerias com Tom Jobim (1927-1994) e Ronaldo Bôscoli (1928-1994). Daí em diante, composições ganharam destaque e se tornaram marcos da bossa nova. É o caso de Barquinho, Você e Bye bye, Brasil, clássicos do estilo.
Natural de Vitória, Espírito Santo, nasceu em 1937 e hoje reside no Rio de Janeiro. Na estrada há mais de 50 anos, não mostra apego ao passado bem-sucedido. Estende seus olhos e vontades para o futuro. Entre os planos, está o lançamento de um documentário sobre a sua trajetória. “Quando me perguntam do que tenho saudades, digo que é do futuro. Sinto saudades do futuro que eu não conheço.
Bom de palco
Faço mais shows hoje do que no auge da bossa nova. Seria normal que, com o passar do tempo, isso fosse rareando, mas para mim é o contrário. A cada dia aparecem mais e mais coisas, o que eu acho ótimo.
Tenho uma boa relação com o palco, mas fiquei temeroso nos anos de 1980, quando parei de fazer shows na fase em que fui diretor artístico da gravadora Polygram, hoje Universal. Distante dos shows, perdi a prática e tomei um pouco de pavor, o que passou; e, olha, eu me sinto bem é no palco.
Este ano comecei um projeto na casa de espetáculos Miranda (RJ). Todo mês faço uma apresentação, sempre tendo como convidado algum parceiro. Fiz com a Joyce e os Cariocas, Leny Andrade, e vou assim. Sigo nesse projeto até o final de 2013.
Do analógico ao digital
Assisti ao crescimento do mercado fonográfico, que trouxe coisas boas e ruins, porque tudo era possível. Os artistas faziam exigências absurdas: Quero gravar o piano em Los Angeles, quero rosas brancas. Esse tipo de comportamento me chateava, pois não tem nada a ver com a música.
Eu me bati contra isso, mesmo sendo a regra do jogo. Os artistas que agiam assim e vendiam muitos discos sentiram a mudança da estrutura fonográfica, e os outros que vieram depois estavam adaptados às transformações. Cada músico faz a sua produção caseira, o que é produtivo. Mas, por outro lado, o mercado de discos nem pode ser mais chamado assim. Refiro-me à venda, não à música em si, porque nunca se ouviu tanta música. A função do disco é diferente. Serve mais para divulgação do artista, que passou a fazer dinheiro com os shows. Tenho um estúdio e 90% do que produzo é para o exterior, principalmente para o Oriente. Continuo fazendo muita coisa, devido à transição do disco para o digital, já que muitas pessoas passaram a comprar música nesse formato.
O tipo de música que faço não sofreu grande baque, porque nunca tivemos sucesso comercial popular, vendendo milhões. Agora, artistas que vendiam muito tiveram uma queda proporcional, mas os shows continuam. Com certeza, ficou no meio do caminho quem levou um susto e não se adaptou. É um mundo novo, e eu não tenho medo dele.
Diferentes plateias
Fora o público brasileiro, o Japão acaba sendo o melhor. É impressionante o amor que demonstram pela nossa música. Levo susto todo tempo. Já estive na Rússia, Cingapura, Austrália... Puxa, que sucesso! É difícil dizer o que mais chama a atenção do exterior. Estamos procurando essa explicação há vinte anos e ainda não conseguimos encontrar. Mas é possível identificar alguns pontos. Eles adoram a sensibilidade das nossas letras e como tocamos violão. Outra coisa é a carência que eles têm de contato físico. Nós chegamos abraçando, sabe com é. Eles até pedem para ensinarmos a abraçar. Em resumo, adoram nosso jeito.
Relação com o tempo
Não é que eu saia procurando somente mulher para parcerias; não é isso, não. Mas Ronaldo Bôscoli dizia: “Você é um tremendo rabo de cometa, está sempre atrás de uma estrela”. Primeiro, o Brasil é o país das cantoras. É só ver programas de novos cantores na televisão, a maioria das inscrições é de mulheres. É um fenômeno mundial. O jazz também é um parceiro querido. Pena que o trabalho consome meu tempo para ouvir discos. A paixão que tínhamos pela música era grande, pegávamos um disco e dormíamos com ele até consumir cada acorde. Em 1962, participei do Concerto de Bossa Nova no Carnegie Hall, em Nova York. Ao chegar ao aeroporto vi músicos de jazz inacessíveis.
Não acreditei no que via e disse para os músicos que estavam comigo: “Galera”, quer dizer, galera não, porque não usávamos essa palavra. Eu disse: “Turma, olha a nossa sorte; chegamos ao mesmo tempo em que esses músicos de jazz aqui no aeroporto”. Daí nos disseram: “Olha, eles vieram receber vocês”. E eu repliquei: “Eles sabem quem nós somos?”. “Claro.” Foi uma das maiores emoções da vida.
Revi esse momento no livro Essa Tal de Bossa Nova (Editora Prumo, 2012). Um processo bacana, pois sou muito desleixado com essas coisas, nem tenho álbum de casamento, apesar de estar com a mesma mulher até hoje. Gosto de ver o que está acontecendo agora e à frente. Mas a Bruna [Fonte, jornalista e autora do livro] dizia: “Em tal dia aconteceu isso e isso”, eu dizia: “que maravilha, nem me lembrava”. Foi uma lembrança estimulada. Ao ler o livro me identifiquei na hora.
Quando me perguntam do que tenho saudades, digo que é do futuro. Tenho saudades do futuro que não conheço. Há pouco tempo um parceiro me disse: “Ah, você não toca mais do mesmo jeito que tocava antes”. Respondi que era verdade, mas o meu carro não é mais aquele fusquinha que enroscava o tempo todo, minha vida é diferente e não quero ficar preso ao passado. Brincamos dizendo que quem vive de passado é samba-canção. As glórias são boas; sim, foram ótimas, mas é aí? Vai continuar do mesmo jeito? Não, vamos embora pelo mundo!
“Faço mais shows hoje do que no auge da bossa nova. Seria normal que, com o passar dotempo,isso fosse rareando, mas para mim é o contrário. A cada dia aparecem mais e mais coisas, o que eu acho ótimo”