Postado em 01/07/2013
Cultura do girassol no Brasil ainda é pouco representativa em produção e mercado
Por: MIGUEL ROBERTO NÍTOLO
Para quem contempla pela primeira vez, a visão é aprazível. Uma paisagem colorida que destoa do cenário tradicional e pode motivar motoristas a parar o veículo no acostamento para apreciar mais de perto e sem pressa o imenso mar de flores amarelas. Se um único pé de girassol já desperta a atenção pela beleza, o que dizer de milhares deles, plantações que se perdem no horizonte e estão ganhando terreno no Brasil? Embora ainda ocupemos um lugar modesto na lista dos grandes produtores mundiais do setor, o fato é que estamos caminhando, mesmo que vagarosamente.
Números fornecidos por Manuel Araújo de Carvalho, técnico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), mostram que a área plantada de girassol no país é de apenas 60,5 mil hectares, com produção estimada para a safra em curso da ordem de 87,9 mil toneladas. Na verdade, a oferta da oleaginosa tem experimentado avanços e recuos, depois de ter cravado em 149,3 mil toneladas na safra 2007/2008 (111,3 mil hectares), a maior marca do setor.
A perspectiva, no entanto, é de crescimento, ainda que alguns requisitos precisem ser satisfeitos para viabilizar definitivamente a expansão dessa cultura em território brasileiro. Essa virada de mesa passa, necessariamente, pelo incremento da oferta de sementes de alta qualidade fisiológica, por assistência técnica qualificada, pelo aumento do número de agroquímicos registrados (inseticidas, herbicidas, fungicidas) e pela estruturação da cadeia de produção e comercialização. O incentivo às pesquisas regionais, bem como o desenvolvimento de ações específicas de transferência de tecnologia à assistência técnica e aos produtores, também está na lista de prioridades.
Entretanto, essas carências não explicam tudo. Além do fato de que o brasileiro ainda está aprendendo a lidar com a plantação de girassol, o sobe e desce da produção é imposto, em parte, pela concorrência de outras sementes. Os problemas climáticos também atrapalham, e é comum os ruralistas optarem pela soja, mais resistente e com mercado certo. É preciso levar em conta, ainda, a queda da produtividade em alguns estados e a estiagem que há anos castiga o nordeste. Anos atrás, o governo federal apostou no incremento da agricultura familiar nas regiões mais pobres através do cultivo de oleaginosas para a fabricação de biodiesel, combustível renovável obtido a partir de fontes vegetais. Contudo, por enquanto, não há muito o que comemorar.
Em tese, o girassol é uma cultura de interesse para a pequena propriedade, já que o alto teor de óleo no grão permite que sua extração seja feita com o uso de prensas simples – atividade que pode ser centralizada nas mãos das comunidades e associações rurais. O plano governamental era gerar emprego e renda no campo e reduzir o êxodo rural, mas a proposta, pelo menos no caso do nordeste, ainda não mostrou resultados. Na realidade, a oferta de biodiesel cresceu no Brasil nos últimos anos, mas, em vez do girassol, ainda em fase embrionária como alternativa energética, o impulso tem sido dado pela soja.
Fonte de proteínas
A soja é cultivada em aproximadamente 27,7 milhões de hectares, uma diferença brutal diante da área destinada ao girassol. Porém, a despeito da distância entre uma cultura e outra, a planta que chega a atingir 3 metros de altura e acompanha o deslocamento do sol – fenômeno chamado “heliotropismo” e que deu origem a seu nome – reúne potencial para avançar sobre alguns nichos de mercado, estimando-se que poderia ocupar uma área correspondente a pelo menos 20% da que é atualmente abarcada pela soja.
A engenheira agrônoma Regina Maria Villas Bôas de Campos Leite, pesquisadora da Embrapa Soja – unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –, de Londrina, no Paraná, salienta, por exemplo, que o girassol responde, em escala mundial, por 14% da produção de óleo comestível, contra 49% da soja. Esse é um dado que reforça a ideia de que a planta da flor amarela é potencialmente atrativa do ponto de vista econômico. A Embrapa Soja trabalha com vistas a viabilizar, por meio da pesquisa, do desenvolvimento e da inovação, soluções para a sustentabilidade das cadeias produtivas da soja e do girassol. A unidade paranaense é responsável pela pesquisa de girassol para todo o território nacional, atuando no desenvolvimento de cultivares adaptados às condições brasileiras, no controle de pragas, doenças e plantas daninhas, e em técnicas de manejo e de conservação do solo. “Entre os óleos vegetais, o do girassol destaca-se por suas excelentes características nutricionais e funcionais para a dieta humana”, explica Regina. Atualmente, tem crescido na Europa, notadamente na França, o interesse por óleos especiais, como o girassol alto oleico. Doutora em fitopatologia, Regina destaca que não tem sido diferente no Brasil, onde as necessidades da indústria de alimentos, principalmente, têm elevado a demanda pelo produto.
Esse é um mercado formidável. “Para atender a procura interna o Brasil importa óleo de girassol, em especial da Argentina”, explica a agrônoma, informando que em 2011 foram trazidas de fora 33 mil toneladas do produto. “Com o aumento da produção local e a consequente possibilidade de redução do preço para o comprador final, a demanda do óleo seria muito maior, não só para consumo direto como para suprir a indústria alimentícia nacional”, observa.
Anos atrás, alguns produtores de Campo Novo do Parecis, em Mato Grosso, decidiram criar uma empresa para extrair óleo de girassol, atraídos pelas possibilidades comerciais do produto (mais de 90% da produção global do vegetal destina-se à fabricação de óleo comestível, insumo rico em ácidos graxos poli-insaturados, componentes necessários para o desenvolvimento neurológico). “Investimos R$ 8 milhões na instalação da Indústria Parecis Alimentos, empresa que utiliza processo mecânico, sabidamente pouco eficiente”, esclarece o fazendeiro Sérgio Costa Beber Stefanelo, um dos atuais 42 sócios da esmagadora. Na escolha desse método produtivo pesou não só a pequena escala inicial como o fato de que o processo químico, mais recomendável, exigiria um desembolso bem maior. “Como tudo aquilo era novo para nós, corríamos o risco de fracassar. Avaliamos, então, que seria preferível arriscar R$ 8 milhões a aplicar um valor maior em equipamentos mais modernos, num projeto que poderia naufragar”, diz.
Acontece que, contrariando os prognósticos mais pessimistas, a Parecis Alimentos deu certo e vingou. Ela processa, anualmente, 15 mil toneladas de girassol, matéria-prima fornecida pelos associados, que, juntos, cultivam 22 mil hectares. Decidida agora a investir no processo químico, a indústria vai fazer um aporte de R$ 50 milhões mesmo com a perspectiva de que o empreendimento só será economicamente viável com o esmagamento anual de 40 mil toneladas da oleaginosa. Ou seja, será preciso aumentar a oferta de girassol e aglutinar um número maior de produtores em torno da Parecis Alimentos.
Ciclo menor
Para dar asas ao negócio, a fábrica firmou parceria com a gaúcha Celena Alimentos, empresa especializada no fornecimento de sementes e insumos e na prestação de assistência técnica ao produtor até o recebimento da safra, bem como na compra do grão colhido. A Celena atua basicamente com três oleaginosas – canola, girassol e soja – e tem bases no Rio Grande do Sul e em Mato Grosso. As novas instalações da Parecis Alimentos deverão estar concluídas em junho do ano que vem, e a expectativa é que venha a esmagar praticamente toda a safra de girassol de 2014 a ser colhida em Campo Novo do Parecis, um município de apenas 27,5 mil habitantes.
César de Castro, engenheiro agrônomo e também pesquisador da Embrapa Soja, explica que o girassol ainda pode ser uma excelente fonte de renda como farelo ou torta e até na forma de silagem. “Os farelos originados na indústria de extração do óleo são um importante coproduto, rico em proteína e especial para a alimentação animal.” Doutor em solos e nutrição de plantas, Castro esclarece que o farelo de girassol tem aproximadamente 44% de proteína bruta, além de ferro e cálcio, vitaminas A e do complexo B com valor biológico elevado (60%) e alto teor de metionina (aminoácido que contém enxofre) e sulfurados, mas com menor conteúdo de lisina (monoácido essencial), em comparação com a soja.
O girassol também participa do mercado de grãos para alimentação de pássaros e para confeitaria (entra na confecção de pães, bolos e biscoitos, ou para ser consumido torrado). “Além dessas vantagens diretas, não podemos deixar de dizer que a flor de girassol é bastante atrativa para as abelhas, podendo render até 30 quilos de mel de excelente qualidade por hectare plantado”, diz Castro. Ele lembra que a lavoura é beneficiada pela polinização promovida por esses insetos, que favorece a produção de grãos. Por essas e outras, conforme esclarecimentos de Carvalho, da Conab, as perspectivas de mercado para o girassol são muito boas. “Esperamos bons resultados no futuro, porque se trata de um produto de excelente qualidade funcional e de alto valor nutritivo”, diz.
Em termos de produtividade, a oleaginosa pode diferir de um país para outro. Por exemplo, enquanto a média mundial de produção por hectare é de cerca de 1,2 toneladas, com extremos de 2,7 toneladas na Suíça e de 300 quilos no Marrocos, o grande destaque fica por conta da França, país com vasta tradição em pesquisa com o girassol e que associa a média de 2,5 toneladas por hectare, por si só bastante alta, a uma grande área plantada. “Essas diferenças podem ser atribuídas, principalmente, à pratica e ao clima, à fertilidade do solo, ao emprego de tecnologias e à ocorrência de doenças, entre outros fatores”, observa Regina. No Brasil, mesmo com a expansão desordenada da cultura, problemas de zoneamento agroclimático e assistência técnica ainda pouco capacitada, a produtividade média da safra 2011/2012 foi de 1,56 toneladas por hectare, acima, portanto, da média mundial. “Em regiões com mais anos de cultivo, como em determinadas áreas de Mato Grosso, a produtividade média chega a alcançar 2 toneladas por hectare”, diz a pesquisadora da Embrapa Soja.
Leve e volumosa
De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda), a produção mundial de girassol na safra 2012/2013 deverá se situar ao redor de 36 milhões de toneladas de grãos, 14 milhões de toneladas de farelo e 13 milhões de toneladas de óleo. Os maiores produtores do setor em escala mundial são: Ucrânia (24,7%), Rússia (21,8%), União Europeia (19,1%), Argentina (8,8%) e Turquia (2,8%). “O girassol é uma cultura que se desenvolve bem na maioria dos solos agricultáveis, podendo ser plantado em praticamente todo o território brasileiro”, afirma César de Castro. Ele diz que, atualmente, a oleaginosa é cultivada comercialmente na Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. “Estudos de empresas oficiais de pesquisa, e mesmo a experiência de agricultores, mostram que é uma cultura com expectativa de sucesso também em Roraima, onde o ciclo é de somente 75 a 80 dias, ao passo que nas demais regiões pode chegar a, aproximadamente, 110 dias”, relata o técnico da Embrapa Soja.
Foi em Mato Grosso, porém, que ela criou raízes: o estado participa com 70% da produção nacional, com destaque justamente para Campo Novo do Parecis, a 380 quilômetros de Cuiabá, onde a oleaginosa encontrou terreno fértil para se expandir. A história do girassol no município começou a ser escrita, pioneiramente, há 19 anos, pelo fazendeiro Stefanelo, o proprietário da Fazenda Porta do Céu, com 14 mil hectares. Produtor de soja, milho de pipoca e painço, ele começou a cultivar a oleaginosa em meados da década de 1990 com o objetivo de vender a semente às lojas de ração, por se tratar de um dos alimentos prediletos de papagaios e periquitos. “Durante dez anos plantei girassol em 2 mil hectares, solitariamente, pois aquilo era novidade na região”, conta.
Na época, segundo o agricultor, ainda não se falava em safrinha, mas apenas em soja. Safrinha é o plantio feito entre janeiro e meados de março, após a colheita da safra principal (normalmente soja), período também chamado de entressafra pelas pessoas do campo. É comum nesse pequeno intervalo os ruralistas depositarem no solo sementes de aveia, milho e sorgo, e, mais recentemente, girassol, assim como faz Stefanelo. Logo que os primeiros resultados começaram a aparecer, o dono da Fazenda Porta do Céu deixou de estar sozinho na cruzada em favor da cultura da flor do sol.
Paulatinamente, essa investida precursora foi transformando a pequena Campo Novo do Parecis e novos interessados no cultivo do girassol foram aparecendo e ampliando a lavoura, tornando o município uma referência no setor. A produção aumentou e, com ela, surgiram as primeiras complicações, já que o custo elevado do frete da colheita poderia desestimular a plantação. Um veículo habilitado a transportar, por exemplo, 30 toneladas de soja só consegue levar 18 toneladas de girassol, que é mais leve e volumoso. “É por essa razão que o processamento industrial da oleaginosa deve ser feito, preferencialmente, na região onde é produzida”, observa Stefanelo. Foi assim que a Parecis Alimentos veio ao mundo, e é por isso que o município de Campo Novo aguarda, ansioso, a chegada de outros importantes investimentos.
Safrinha proveitosa
A esperada expansão do cultivo de girassol por meio do plantio intercalado com culturas principais, como a de soja, por exemplo, tem espaço garantido no centro-oeste brasileiro. “Devido à tolerância maior ao estresse hídrico, a oleaginosa de flor amarela é tida como uma excelente opção de safrinha para a região”, ensina a engenheira agrônoma Regina Maria Villas Bôas de Campos Leite, da Embrapa Soja.
Segundo ela, outra característica importante do girassol é seu profundo sistema radicular, que explora grande volume de solo, absorvendo, consequentemente, muita água e nutrientes. “Além disso”, salienta a pesquisadora, “um hectare do vegetal produz em torno de 4 a 6 toneladas de restos de cultura, dependendo do manejo e do genótipo utilizado, um material rico em nutrientes e cuja decomposição beneficia os plantios posteriores.” Nesse processo de ciclagem destacam-se o potássio, o cálcio e o boro, que apresentam taxas de exportação reduzidas, ou seja, pouco é retirado da área pelos grãos. Com isso, após a colheita, os nutrientes da parte aérea ficam à disposição para as culturas semeadas da próxima safra. “Já a rentabilidade que o agricultor terá com o girassol deverá oscilar em função dos preços praticados no mercado, do manejo da cultura, do custo de produção e da produtividade alcançada”, salienta a agrônoma. Afora o lucro financeiro e os benefícios resultantes da ciclagem de nutrientes, também deve ser computada a maior sustentabilidade agronômica e ambiental dos sistemas de produção em que a cultura está envolvida.