Postado em 02/07/2013
O lendário diretor Billy Wilder representa como ninguém a era de ouro de Hollywood, ao criar obras capazes de aliar entretenimento e inteligência
Billy Wilder é reconhecido por suas proezas cinematográficas na chamada era dos estúdios, dominada pela fábrica de sonhos de Hollywood, nos Estados Unidos, entre os anos 1920 e 1950. Porém, o lendário diretor é austríaco de nascimento e filho de família judaica. Nascido em 1906, cresceu durante o período de desenvolvimento do cinema mudo, que predominou até 1927.
Nessa fase de transição entre gêneros e movimentos artísticos, Wilder forjou seu talento para a sétima arte, ou como observa a professora do Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ana Lúcia Andrade, construiu as bases de seu entretenimento inteligente, característica que dá título ao livro da pesquisadora sobre o cineasta, Entretenimento Inteligente – O Cinema de Billy Wilder (Editora UFMG, 2004).
“Meu campo de estudo é baseado na ideia de que os filmes podem divertir e entreter, sem serem rasos em conteúdo”, explica. “Para Wilder, o envolvimento emocional e a busca por uma forma de narrar compreensível a qualquer tipo de público são fundamentais para abordar questões mais profundas. Ele seguia a premissa do cineasta alemão que tanto o influenciou, Ernst Lubitsch (1892-1947), de que um filme deve evitar ao máximo situações e concepções que só podem ser compreendidas por uma parcela limitada de espectadores.”
Além dessa preocupação formal, o trabalho do autor ajudou a aprimorar a narrativa cinematográfica, com reflexos expressivos na produção contemporânea. Um exemplo recente de reconhecimento das novas gerações veio de Michel Hazanavicius, vencedor do Oscar de melhor direção, em 2012, por O Artista, que citou Wilder em seu discurso de agradecimento.
Segundo a crítica de cinema e editora do portal Cineweb (www.cineweb.com.br), Neusa Barbosa, uma das maiores contribuições de Wilder foi nunca ter se curvado às limitações moralistas do código Hays. “Era um conjunto de regras que determinava o que podia ou não ser colocado num filme entre os anos 1940 e 50”, diz. “Ele sempre encontrava um jeito de driblar essa censura com muita criatividade, falando de sexo, adultério ou do que quer que fosse com muita ironia e malícia.”
Criador de histórias
O início de Wilder no cinema foi como roteirista, na Alemanha. E continuou na função quando emigrou para os Estados Unidos, por volta dos anos 1930. De acordo com Ana Lúcia, uma das lendas que circundam a vida pessoal do diretor é a de que ele teria chegado aos Estados Unidos pelo México. “Em 1934, seu visto de turista expirou e, para obter o visto de imigração, ele teve que sair do país e emigrar para o México.
Aliás, na cidade de Mexicali, onde estava localizado o consulado americano mais próximo, ele deve ter encontrado inspiração para o argumento de A Porta de Ouro (1941), dirigido por Mitchell Leisen (1898-1972), em que emigrantes esperavam o seu visto de permanência na América, incerteza compartilhada por Wilder, que não possuía toda a documentação exigida”, relata a pesquisadora. “Porém, quando contou ao cônsul que desejava voltar aos Estados Unidos para escrever roteiros, teve como resposta ‘escreva bons filmes’ e o passaporte carimbado.”
Neusa ressalta que levou algum tempo até que o roteirista exercesse, também, a função de diretor. “Costumava trabalhar em dupla, tendo em Charles Brackett, com quem escreveu Crepúsculo dos Deuses (1950), e I.A.L. Diamond, co-autor de Quanto Mais Quente, Melhor (1959), seus grandes parceiros”, acrescenta. “Como autor, suas características mais admiradas são os diálogos ágeis, irônicos e o retrato nuançado dos personagens, aplicado tanto em dramas quanto em comédias.”
Por trás da câmera
Uma frase do cineasta em destaque no livro de Ana Lúcia pode ser considerada um retrato de sua relação com o lado técnico das filmagens: “Frequentemente, acredita-se que a novidade são os movimentos de câmera, quando a exploração do ser humano, as relações entre os personagens, é a discussão mais complexa”. Para a autora, essa é a expressão de um roteirista/cineasta clássico, no sentido de se manter invisível em relação à técnica para promover maior imersão do espectador na narrativa. “Assim, Wilder se importava mais com a funcionalidade entre forma e conteúdo, para que o espectador não se dispersasse da narrativa”, observa.
Embora os elogios dessem o tom à carreira, na época do lançamento de Fedora (1978), a recepção não foi das mais calorosas. “Há 35 anos, o filme encerrou o Festival de Cannes, mas não foi tão bem avaliado quanto outras obras do diretor, como o próprio Crepúsculo dos Deuses. Felizmente, Fedora está voltando a circular em cópia restaurada, o que permite oportuna reavaliação da facilidade do autor em entrelaçar intriga, melodrama, humor – muitas vezes negro, sem dúvida –, com reviravoltas e muito ritmo para entreter o público. Wilder tinha pavor de entediar a plateia”, comenta Neusa.
Tela de sucessos
Wilder morreu em decorrência de uma pneumonia e outras complicações de saúde, em 2002, aos 95 anos de idade. Produziu 26 filmes ao longo de quase 50 anos de atividade. Começou dirigindo Mauvaise Graine (França, 1934) e, em 1981, nos ofereceu sua última incursão pela sétima arte, a comédia Amigos, Amigos, Negócios à Parte. Em análise geral, é considerado hábil narrador, com humor refinado e olhar atento à hipocrisia social e fraquezas humanas.
Para quem ainda não conhece o cineasta, Neusa faz algumas sugestões para mergulhar em seus filmes. “O melhor é se deixar levar pela história. Ele é o tipo de diretor que pega o espectador pela mão e não o engana – quer entretê-lo e contar com sua participação inteligente, com sua imaginação”, recomenda. “Acho que, para um principiante, seria bom ver as comédias com Marilyn Monroe, O Pecado Mora ao Lado (1955) e Quanto Mais Quente, Melhor (1959), ambas um encanto e um banho de criatividade com a marca Wilder.”
Veja curiosidades sobre cinco filmes inesquecíveis do diretor
Pacto de Sangue (1944) – Há um sugestivo encontro extraconjugal que não é mostrado, mas o espectador pode imaginá-lo, por meio dos clichês narrativos e recursos de montagem, que ajudaram a enganar a censura da época. No decorrer do filme, é possível ver que algo íntimo aconteceu entre os personagens de Walter Neff (Fred MacMurray) – o vendedor de seguros que se envolve com a mulher de seu cliente – e Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck).
Crepúsculo dos Deuses (1950) – Os personagens de Gloria Swanson (Norma Desmond) e Erich von Stroheim (Max von Mayerling) parecem se confundir com a realidade, pois evocam seus papéis na própria história do cinema. A estrela esquecida, interpretada por Gloria, que, na vida real, foi uma grande atriz do cinema mudo, que acabou reclusa devido à transição para a fase sonora. Já Stroheim era diretor de filmes mudos que, com a chegada do som, passou a trabalhar como ator.
A Montanha dos Sete Abutres (1951) – Retrato impiedoso do jornalismo sensacionalista. O diretor mostra sua habilidade em elaborar conflitos intensos para seus personagens, mas, nesse caso, a resolução se dá de maneira drástica, com o remorso do jornalista Charles Tatum (Kirk Douglas), corroendo-o por dentro. E Wilder, que foi jornalista em Viena, antes de roteirista, sabia muito bem o assunto que abordava.
Quanto Mais Quente, Melhor (1959) – Aqui vemos a homenagem do cineasta a Ernst Lubitsch, acrescida do estilo cínico de Wilder. Nas cenas de sedução entre os personagens de Sugar (Marilyn Monroe) e Joe (Tony Curtis) são visíveis a narrativa por omissão e a encenação sugestiva dos diálogos insinuantes, que evocam a imaginação do público.
Se Meu Apartamento Falasse (1960) – Wilder considerava Ladrões de Bicicleta (1948), de Vittorio De Sica (uma das principais obras do neorrealismo italiano), um de seus filmes favoritos. Na produção estrelada por Jack Lemmon e Shirley MacLaine, percebe-se que Wilder utilizava os tempos curtos, o que era uma das características narrativas do movimento italiano. Outro ponto comum era o fato de individualizar o conflito, tornando-o universal a partir do homem comum.
Fonte: Entretenimento Inteligente – O Cinema de Billy Wilder – Ana Lúcia Andrade (2004/Editora UFMG)
Filmografia do cineasta foi relembrada em programação especial
Crepúsculo dos Deuses, (1950), A Montanha dos Sete Abutres, (1951), O Pecado Mora ao Lado (1955), Quanto Mais Quente, Melhor (1959). Difícil pensar que na lista de qualquer cinéfilo não conste ao menos um dos títulos produzidos por Billy Wilder. E para agradar aos que já conhecem ou mapear sua produtiva carreira aos que nunca tiveram o prazer de vê-lo na tela grande, o CineSesc preparou um panorama com suas criações, em cartaz entre 20 de junho e 4 de julho.
A motivação para a mostra é convincente: “Billy Wilder é, incontestavelmente, um dois mais importantes e geniais cineastas do século 20”, afirma a gerente adjunta do CineSesc Simone Yunes. Para além da apreciação estética, no dia 26 houve um bate-papo aberto ao público sobre a influência do diretor nas obras contemporâneas e, nos dias 29 e 30, foi oferecido o curso “O Cinema de Billy Wilder”, ministrado pela crítica de cinema Neusa Barbosa.
Simone insere a mostra na proposta da instituição, afirmando seu ineditismo, pois a apresentação da filmografia completa e restaurada ainda não havia sido realizada em São Paulo: “A programação do CineSesc sempre foi pautada em descobrir linguagens e trazer clássicos restaurados, reafirmando o papel destes cineastas como referência na atualidade”.
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