Postado em 02/07/2013
Alberto Helena Júnior acumula mais de 30 anos de experiência no jornalismo esportivo. Foi revisor e editor de vários jornais e revistas, como O Cruzeiro, Folha de S.Paulo, Jornal da Tarde, entre outros. Além disso, Helena Júnior é um consagrado escritor, com publicações como Palmeiras: a Eterna Academia (DBA, 2004) e Arquivo em Imagens: Última Hora: Futebol – 2 (Imprensa Oficial Sp, 2001).
Atualmente, é colunista do jornal Diário de São Paulo e comentarista do canal pago SporTV. Em encontro realizado pelo Conselho Editorial da Revista E, o convidado desta edição falou sobre o início de seu trabalho com o jornalismo esportivo, relacionou a história da música brasileira com o futebol e apontou a crise que vive a cobertura esportiva no país. “O Brasil formou um grupo de jogadores incríveis naquela época [ditadura militar], montando a maior seleção da história – segundo a própria Fifa –, ganhando todas as partidas”, afirma. “Não é possível que uma matéria de futebol, que tem como nutriente básico o mito, o ídolo, o ícone, seja desprovida de conhecimento histórico.” A seguir, trechos.
Arte e resultado
Sou conhecido pelas novas gerações como cronista de futebol, um ofício que venho exercendo desde 1974, quando comecei com a coluna Bola de Papel, no Jornal da Tarde. Antes disso, fui crítico de música popular, fui repórter especial da revista O Cruzeiro, fui editor-chefe, pauteiro e diretor de programas musicais, shows etc. No fim, acabei ficando mesmo na área do futebol, que é uma expressão cultural que me agrada muito, porque me parece que caminha junto com a arte. Há uma relação entre essas duas áreas da cultura brasileira.
É bom lembrar que o Brasil não inventou o futebol, foram os ingleses. Quando eles inventaram o futebol, o primeiro nome que deram – porque foi uma cisão do rúgbi – foi drible in. A ideia principal era se desvincular da força bruta que representava o rúgbi, e dar um toque de arte a um jogo que é um desafio. É um desafio o equilíbrio que os jogadores têm que ter, eles jogam em pé, e a bola é um objeto esférico. Não há direção, o seu trajeto é imprevisível, e os caras fazem aquelas coisas mirabolantes com os pés. O jogador joga com um desequilíbrio próprio para criar um novo equilíbrio na relação bola, espaço e tempo. É uma coisa maluca se a gente parar para pensar, embora seja tão prosaica.
Mas, se o brasileiro não inventou o futebol, ele pegou o drible e criou a arte no futebol. Na primeira metade do século 20 ocorreu um fenômeno curioso. O Brasil era culturalmente dominado pela expressão ¿francesa, as classes privilegiadas tinham estudado em Paris, os grandes romances eram todos franceses, toda nossa cultura era subjugada – vamos dizer assim – à cultura francesa. Três episódios ocorreram nesse período. A ida de um casal de bailarinos de maxixe – a “dança da garrafa de hoje”, era um escândalo para a sociedade da época – para a França.
Paris ficou encantada com a dança, dela é que deriva o samba – grosseiramente falando. Ao mesmo tempo, Pixinguinha e os batutas [em referência ao conjunto musical brasileiro Oito Batutas, criado em 1919, formado por Pixinguinha, Donga, Raul Palmieri, Nelson Alves, China, José Alves e Luis de Oliveira] também vão a Paris e encantam os parisienses com a sua arte. O maxixe dançado, o choro tocado, já era parte desse molejo, dessa ginga, dessa coisa criativa, improvisada, porque o choro tem muito do jazz, mexe muito com o improviso, assim como a dança.
Isso também ocorreu com o Club Athletico Paulistano, que tinha como líder nacional – o primeiro ídolo futebolístico nacional – o chamado Arthur Friedenreich, um mulato filho de um alemão e de uma cozinheira negra brasileira. Surge esse mulato de cabelo sarará, olhos verdes e muita ginga. Na época, um centro-avante como o Charles William Miller, por exemplo, era um cara rombudo, que entrava lá na área para dar “porrada”. Já o Friedenreich era o cara que dava o bote final, era a leveza, a pluma no campo, dotado de um outro conceito de jogo, com muito drible, muita intuição, muita improvisação.
Nesse momento, começa a nascer a escola brasileira do futebol, que é uma escola devidamente relacionada com a questão da arte. A partir daí, os nossos grandes artistas foram se sucedendo. O que nós tínhamos em contrapartida? Exatamente por causa desse traço fortemente artístico, há com ele certa aversão ao coletivo, à coisa que uniformiza. É natural do artista, o artista sempre tem esse viés mais individual. O Brasil sempre lutou contra essa questão, do futebol que fosse coletivo, eficiente, e do futebol que fosse artístico, que nos surpreendesse, que podia ganhar, podia perder, mas pelo menos nos oferecia momentos de surpresa a cada jogo.
Ele conseguiu combinar isso de certa forma durante um período, anos 50, 60, 70 e, de repente, a relação entre os anos de chumbo e a transformação que se deu no futebol brasileiro a partir dos anos 1970. O Brasil formou um grupo de jogadores incríveis naquela época, montando a maior seleção da história – segundo a própria Fifa [Fédération Internationale de Football Association] –, ganhando todas as partidas, jogando bonito. Praticava o futebol que hoje joga o Barcelona, por exemplo. E nesse período nós vamos verificar que o futebol começa a ficar eficiente demais, muito na linha do resultado.
Isso vai se acentuando e partir de 1986, o nosso futebol entra em entropia, abdicando de vez da arte, da criatividade, da imaginação. Passa a viver apenas do resultado. O Felipão[Luiz Felipe Scolari] é um ícone desse conceito de futebol. Em contrapartida, na Inglaterra, Alemanha e Espanha – principais centros da Europa – se verifica um processo contrário. Eles importaram esse conceito da arte, do futebol bem jogado, e trouxeram todo aquele pessoal da África negra para dar esse “batuque” no futebol desses países, que era mecanizado. Hoje, eles estão praticando o futebol que nós deixamos de praticar. Nós demos para eles de graça e ficamos com essa sucata dos europeus. É muito curioso isso tudo.
Jornalismo esportivo
O jornalista esportivo, em geral, é mal preparado. Quando eu era chefe de redação e chegavam os foquinhas, a primeira coisa que eu fazia era dar três livros para lerem sobre o assunto, porque mexia com técnica de jornalismo, com o texto, com o conhecimento básico da história do futebol. Além disso, eu os mandava fazer pesquisa no arquivo do jornal sobre o Leônidas da Silva, por exemplo, e me trazer um texto – que eu não iria publicar, obviamente.
Não é possível que uma matéria de futebol, que tem como nutriente básico o mito, o ídolo, o ícone, seja desprovida de conhecimento histórico. Isso é essencial. Os caras não sabem nada e não se preocupam em aprender, isso que é o mais grave. Eles estão mais preocupados em fazer o “shownalismo”, de conflitos de celebridades. Qualquer frase besta que um jogador falou se transforma em manchete, em polêmica, eles acham que isso dá audiência. Aqui entra outra questão básica, que é a função do jornalismo hoje em dia e o caminho que há pela frente.
O que era o jornalismo até a internet? Era um sujeito preparado, que estudava, que sabia se comunicar pela palavra falada ou pela escrita, que se especializava num assunto e levantava questões para que a opinião pública refletisse sobre aquilo e formasse a sua própria opinião. Essa era a função básica do jornalismo.
Com a internet, com a interatividade, houve uma inversão. Hoje quem dita o tema, o texto, a questão é o cidadão, não é o jornalista. Há internautas que podem estar preparados para falar do assunto, mas a maioria não está. Se nem os especialistas estão, quanto mais os não-especialistas. O jornalista, por sua vez, que deveria formar a opinião pública, não está nem um pouco preocupado com isso. Ele quer é mexer com essa opinião pública e ganhar a audiência dele. Esse é o caminho certo para o buraco final do jornalismo no Brasil e no mundo.