Postado em 04/10/2013
Poeta de seu tempo
Embora tenha passado por vários gêneros, a obra de Murilo Mendes encontrou refúgio na poesia, considerada pelo escritor razão para a vida
“A poesia sempre foi para mim um fato capital da vida, diria sua própria justificação. [...] Sempre procurei pela poesia, não só na criação literária, mas também na religião, na música, nas artes figurativas, no teatro e no cinema.” Esse é um trecho do discurso de agradecimento de Murilo Mendes, proferido em 1972, quando foi laureado com o Prêmio Internacional de Poesia Etna-Taormina, na Itália, devido à coletânea Poesia Liberdade, escrita entre 1943 e 1945 e publicada em 1947, considerada uma das grandes obras do Modernismo brasileiro.
E não é por acaso que a poesia ocupa posição central na vida dessa figura ímpar da cultura, pois é nela que encontramos a sua maior força. “Murilo Mendes é um poeta de primeiro calibre, figura ao lado de seus contemporâneos, T. S. Eliot (1888-1965), Ezra Pound (1885-1972), entre eles. Até sua prosa é poética”, comenta a diretora do Museu de Artes Murilo Mendes (MAMM) e professora de Literatura na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora, Nícea Helena Nogueira. “Como vemos no livro em prosa, A Idade do Serrote (1968), registro autobiográfico no qual conhecemos passagens de sua infância.” A especialista também cita os murilogramas, que são formas poéticas originais, uma espécie de telegrama que retrata momentos de sua época. “Por exemplo, os dedicados a T. S. Eliot e Arthur Rimbaud (1854-1891), reunidos no livro Convergência (1970)”, detalha.
Murilo Mendes nasceu na cidade mineira de Juiz de Fora em dia de liberdade. Era 13 de maio de 1901, aniversário da Abolição da Escravatura, ocorrida em 1888, com a assinatura da Lei Áurea. Aos 17 anos, a família providenciou sua mudança para Niterói, para que ele estudasse no Colégio Interno Santa Rosa. Excetuando-se o componente prático, o despertar de Murilo para o lirismo é contado de modo lúdico. Em sua biografia disponível no MAMM consta que o encontro com a poesia se fez em 1910, quando, ainda menino, assistiu à passagem do Cometa Halley – famoso por visitar a Terra a cada 75 ou 76 anos, ao atingir o ponto mais próximo do Sol.
Anos de rebeldia
Quando jovem, o poeta era visto como um garoto-problema para a família. A fase começou com a fuga do colégio interno, motivado a assistir no Theatro Municipal do Rio de Janeiro a uma apresentação dos Balés Russos, Companhia de Serguei Diaghilev.
Desde então, de 1917 a 1921 foram frustradas as tentativas da família de fazê-lo trabalhar em diferentes funções, como telegrafista e professor de francês.
É por esse período que ocorre a mudança com o irmão mais velho, José Joaquim, de Niterói para o Rio de Janeiro, e o poeta arranja o emprego de arquivista na Diretoria do Patrimônio Nacional do Ministério da Fazenda. O cargo lhe rende amizade com o pintor e poeta Ismael Nery (1900-1934), então desenhista na seção de Arquitetura e Topografia do mesmo ministério.
Em sintonia
O poeta Tarso de Melo descreve Murilo Mendes como um “homem do seu tempo”, em função do tripé de atuação como poeta, professor e crítico de arte. “Era um grande artista, tão grande quanto inquieto, e talvez por isso tenha se mantido por perto, de modo intenso, das principais experiências artísticas de seu tempo, dentro e fora do país”, declara. “Isso, de alguma maneira, ajuda a explicar por que ele, no balanço final, tenha deixado obras tão importantes como poeta e crítico de arte, além de uma atuação de destaque como representante da cultura brasileira na Europa.”
Em 1920, Murilo Mendes começa a exercer a sua faceta jornalística, como colunista no periódico A Tarde, no qual assina com o pseudônimo de Medinacelli. A dificuldade de adaptação em um só emprego persiste. Entre 1924 e 1929, trabalha como escriturário do Banco Mercantil do Rio de Janeiro, período no qual escreve – e destrói – poemas modernistas e inicia colaborações na Revista de Antropofagia e na Revista Verde. Em 1930 publica seu primeiro livro, Poemas. Dois anos depois, torna-se colaborador da prestigiosa revista de crítica literária, Boletim de Ariel, no Rio de Janeiro. Os artigos apresentavam opiniões sobre literatura e artes plásticas. “A multiplicidade de atuações pode ser vista como um ícone das transformações culturais da época, principalmente porque sua obra incorpora as preocupações internacionalizantes (políticas, jurídicas, filosóficas), que definirão o mundo após a Segunda Guerra (1939-1945)”, destaca Melo.
Após a morte de Murilo Mendes, em 13 de agosto de 1975, em Lisboa, foram descobertos e publicados vários inéditos, tanto no Brasil quanto no exterior, entre eles a edição das poesias italianas, Ipotesi; a antologia publicada na Romênia, Metamorfozele; e a antologia de prosa publicada no Brasil, Transístor (1931-1974).
BOXE 1 – Clube da leitura
Iniciativa cria espaço intimista para compartilhar experiências literárias
No dia 17 de setembro o Sesc Belenzinho apresentou a primeira edição do Clube de Leitura: Poesia, com o objetivo de criar um espaço intimista para que os leitores compartilhem suas experiências literárias. De acordo com a bibliotecária da unidade, Daniela Momozaki, a escolha dos autores foi determinada por temas. “Pensamos que seria interessante aos leitores compartilhar suas leituras e não somente ouvir sobre um livro ou autor. Por isso os temas são gerais e as escolhas dos autores que serão discutidos foram feitas a partir do olhar estético do mediador”, explica.
Um dos autores debatidos foi o poeta mineiro Murilo Mendes, selecionado pelo escritor e mediador do evento, Marcelo Maluf, devido a sua importância para o Modernismo brasileiro. “Sua obra é muito cultuada, mas pouco lida e difundida”, afirma Maluf. “Contemporâneo ao poeta Carlos Drummond de Andrade, Murilo não compartilha do mesmo prestígio popular entre os leitores. Então, trazer a sua ao projeto é contribuir para que sua obra alcance um número maior de leitores.”
BOXE 2 – Geografia de uma obra
Permanecendo na Itália por quase vinte anos, Murilo Mendes estabeleceu um fluxo de mão dupla entre a cultura brasileira e a europeia
As relações culturais entre Brasil e Europa na metade do século 20 têm em Murilo Mendes uma figura central. Tanto que um período específico, de 1957 a 1975, no qual ele viveu em Roma, objeto de estudo detalhado da professora de Literatura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Maria Betânia Amoroso, publicado no livro Murilo Mendes – O Poeta Brasileiro de Roma (Editora Unesp/MAMM, 2013). “Antes de se fixar em Roma, estivera em capitais europeias, em viagens financiadas pelo Itamaraty e na função de representante da cultura brasileira”, aponta a autora. Na opinião da diretora do Museu de Artes Murilo Mendes, Nícea Helena Nogueira, tal contato evidencia um movimento de mão dupla. “Tanto Murilo divulgava artistas brasileiros no exterior quanto artistas estrangeiros no Brasil”, esclarece.
Esse contexto confirma que sua obra é marcada por um diálogo explícito com a paisagem e contém marcas de determinados lugares. Opção que faz Tarso de Melo qualificá-lo como poeta da geografia. “Claro, isso não faz dele um poeta menos voltado a pensar questões de outra ordem, mas o caminho escolhido para entrar em todos os temas é uma vinculação com o lugar, dedicando-se muitas vezes e extensamente a descrever cidades em que viveu ou que visitou”, observa. “Em poucos anos, já era poeta lido e debatido na Itália, ao mesmo tempo que intervinha na poesia brasileira a partir de sua experiência europeia, cada vez mais cosmopolita.”
BOXE 3 – Um museu para chamar de seu
Instituição reúne acervo de Murilo Mendes com o objetivo de fomentar os estudos de sua obra
Em 2014, Juiz de Fora, cidade natal de Murilo Mendes, vai celebrar os 20 anos da inauguração do centro de estudos que viria a se tornar o museu dedicado ao autor. O Centro de Estudos Murilo Mendes (CEMM) surgiu em 1994 devido à aquisição do acervo – tanto de artes plásticas quanto bibliográfico – feita pela Universidade de Juiz de Fora (UFJF), com a viúva do poeta, Maria da Saudade Cortesão. A finalidade era fomentar estudos sobre sua obra.
Em 2005, a universidade o transformou no Museu de Artes Murilo Mendes (MAMM), composto pelo acervo somado por Murilo no decorrer de sua vida. No local, é possível observar o acervo pessoal de artes plásticas, formado por gravuras, xilogravuras, desenhos e esculturas, bem como o acervo bibliográfico que leva seu nome, reunindo 2.886 títulos e 3.008 exemplares de livros sobre literatura, religião, arte, história e filosofia. “O trunfo do museu é a formação de grupo de pesquisas sobre o poeta, com professores da universidade e de outras instituições, além de estar aberto à visitação de estudantes de escolas públicas e a pesquisadores de todo o país”, diz a diretora do Museu, Nícea Helena Nogueira.