Postado em 12/11/2013
Por: ALBERTO MAWAKDIYE
Num país que parece ter se conformado com a violenta multiplicação de edifícios residenciais em suas mal planejadas cidades – hoje, 1 em cada 10 brasileiros mora em prédios e há 6,2 milhões de apartamentos em todo o país, quantidade 43,2% maior do que em 2000 –, o município de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, parece querer virar uma espécie de exceção.
A cidade mais rica da região do ABCD – o berço da indústria automobilística brasileira –, São Caetano está, de uns tempos para cá, dificultando ao máximo a vida dos empreendedores interessados em erguer espigões residenciais. Sancionada em 2010, a nova lei de zoneamento do município reduziu o coeficiente de aproveitamento (índice que define o número de andares) de prédios residenciais pela metade, além de impor uma série de restrições urbanísticas no tocante a recuos, porcentagens de ocupação dos lotes, número de garagens e assim por diante. Contudo, nos últimos dois anos, a prefeitura aprovou 51 projetos residenciais, ou 3,5 mil apartamentos para 13,8 mil moradores. E mais de uma dezena de novos projetos aguarda aprovação.
O atual prefeito, Paulo Nunes Pinheiro (PMDB), que assumiu o cargo este ano, não aprovou, no entanto, nenhum novo projeto de prédio residencial no semestre passado. E alardeou, para que ninguém deixasse de ouvir, a sua decisão de restringir como puder a liberação dos novos alvarás, claro que dentro dos limites da lei. “Precisamos impedir que a verticalização aumente e, com ela, a construção de mais condomínios residenciais”, diz Pinheiro, ponto de vista que não deve ser do agrado das construtoras. Pinheiro ganha aplausos mais ou menos unânimes dos cidadãos sul-caetanenses, que são sabidamente ciosos da elevada qualidade de vida oferecida pela cidade, o C da sigla ABCD (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema).
E coloca qualidade nisso. Simplesmente, há uma década e meia São Caetano do Sul mantém-se como o município brasileiro com o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) –, título confirmado no último mês de julho pelo “Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). A cidade já tinha apresentado o melhor IDH em 1998 e 2003, nos dois levantamentos anteriores realizados.
Calculado com base nos censos demográficos, o IDH dos municípios vai de 0 a 1: quanto mais próximo de zero, pior o desenvolvimento humano; quanto mais próximo de um, melhor. O índice considera indicadores de longevidade da população (saúde), renda e educação. Com 0,862, São Caetano faz companhia a outros 44 municípios brasileiros com IDH “muito alto” (acima de 0,800). O município é seguido de perto por Águas de São Pedro, bucólica estância hidromineral turística localizada no interior paulista com 0,854.
Traduzindo em números, o alto IDH de São Caetano significa, por exemplo, uma expectativa de vida de 79 anos, bem superior à média brasileira, que é de 72 anos, e uma taxa de alfabetização acima dos 99% – o analfabetismo foi praticamente erradicado no município.
São Caetano do Sul também está entre os 50 maiores no ranking de Produto Interno Bruto (PIB) – perto dos R$ 4,5 bilhões –, à frente de capitais como Florianópolis, João Pessoa e Teresina. Seu PIB per capita é de espantosos R$ 73.605,89, quase o dobro do registrado na vizinha metrópole São Paulo, que é de R$ 39.450,87. A renda familiar média igualmente impressiona: R$ 2.212,56. Nada menos do que 66,3% da população pertence às classes A e B, e apenas 1,5% dos munícipes representam a classe D. Números extraídos do Censo realizado em 2010.
Faltam espaços
Os indicadores urbanísticos são também invejáveis. Não existe uma única rua sem pavimentação em toda a zona urbana, a prefeitura recolhe 100% do lixo e o serviço de água e esgoto foi há tempos universalizado – todo o esgoto é tratado, tendo sido o primeiro município do país a alcançar esse índice máximo. A cidade também não tem favelas dentro de seu perímetro, embora ainda existam alguns cortiços.
Diante deste cenário certamente aprazível para um aglomerado urbano brasileiro, a decisão do município de restringir o avanço da verticalização habitacional parece plenamente justificável já que, no mínimo, serviria para evitar que os já longos e atormentadores congestionamentos ganhassem maior amplitude. Curiosamente, ao dificultar a construção de prédios residenciais, a cidade dificulta, por tabela, a chegada de novos moradores.
Antes fosse assim tão simples. O que levou São Caetano a tomar essa decisão tão drástica e contrária à atual tendência habitacional brasileira? A resposta a municipalidade tem na ponta da língua: essa é a única chance da cidade não estagnar ou mesmo regredir economicamente, por mais paradoxal que isso possa parecer. “A triste verdade é que em São Caetano quase já não há mais espaço para nada, a cidade está praticamente tomada por edificações”, diz o secretário de Comunicação da prefeitura, Fernando Scarmelotti. “Se o município continuar a receber condomínios residenciais, logo as empresas que quiserem vir para cá não terão onde se instalar”. Scarmelotti garante que a intenção da prefeitura não é propriamente fechar a cidade para novos moradores. Mas, sim, de reservar o máximo possível de espaços para novos empreendimentos nas áreas de serviços e de alta tecnologia. E não há outra maneira de fazer isto se não intervindo no interesse das incorporadoras residenciais.
São Caetano se verticalizou de maneira intensa no segmento habitacional da virada do século para cá. Entre 2000 e 2010, o índice de pessoas morando em apartamentos na cidade saltou de 24% para 35%. E há ainda muitos prédios sendo construídos, e que logo receberão moradores. Trata-se de um índice considerável, tendo-se em vista que na média das cidades brasileiras é de apenas 10%. Mas que até poderia parecer razoável diante da população do município, de somente 156 mil habitantes. São Caetano é uma das menores cidades do Brasil, dispondo de uma área de 15,3 quilômetros quadrados, uma pequena fração, por exemplo, perante a vizinha São Bernardo do Campo, que tem 410 quilômetros quadrados.
Na realidade, a cidade passa a impressão de que está literalmente emparedada. Cercada fisicamente pelos gigantescos municípios vizinhos – São Paulo, Santo André e São Bernardo do Campo – nem sequer dispõe de área rural ou é servida por rodovias. É tão pequena que, embora seja dividida em bairros – como o Jardim São Caetano (o mais rico) e Prosperidade (o mais pobre, ou remediado), acaba por lembrar uma espécie de centro de cidade “espichado”, cortado de ponta a ponta por uma grande via pública, a Avenida Goiás, que sob outras denominações atravessa também Santo André e São Bernardo do Campo.
Um adensamento progressivo seria, portanto, justificável não fosse a ameaça da “deseconomia” que se estabeleceria por conta do próprio crescimento populacional. Embora São Caetano apresente uma taxa de fecundidade (filhos por mulher) equivalente à europeia, de 1,56, ela se posiciona entre as cidades com maior densidade demográfica do país, com 9.736,03 habitantes por quilômetro quadrado, o que lhe dá a sexta posição nesse ranking. Na capital paulista a densidade é de 7.398,26 habitantes. Ou seja, o município não comportaria mais ninguém. Uma curiosa conta apresentada este ano pela prefeitura aos sul-caetanenses mostrou o impacto que o crescimento desordenado teria sobre os cofres públicos. Hoje, por causa da boa qualidade de vida oferecida à população, o pagamento médio do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de uma família de quatro pessoas residindo em apartamento próprio é de R$ 2 mil a R$ 3 mil, portanto inferior ao tanto que a cidade gasta em serviços para esses mesmos moradores.
Polo tecnológico
Mais escolas: a chegada de novas famílias acabaria, portanto, trazendo crescente prejuízo aos cofres municipais, provocando inevitavelmente a queda na qualidade dos serviços prestados. A sangria, aliás, já começou. Por causa do grande número de famílias que devem ocupar os apartamentos que estão com a construção adiantada e devem ser finalizados em 2013 e 2014, será necessário criar mais escolas para os filhos desses contribuintes. A Secretaria da Educação já começou, inclusive, a fazer um levantamento da demanda que vem por aí. A tendência, no caso do crescimento populacional desordenado, seria a redução gradativa da receita do município, já que os edifícios residenciais seriam erguidos em locais que poderiam servir para eventuais novos negócios. “Em termos estritamente econômicos, é óbvio que a cidade precisa aproveitar as poucas áreas disponíveis para a instalação de empresas e, com elas, engordar a arrecadação municipal”, diz o diretor da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Relações de Trabalho, Arnaldo Gonzalez Xavier.
Há ainda outro fator embutido na necessidade de atrair novos negócios para São Caetano: o parque produtivo do município também está precisando de um upgrade, como, de resto, todo o ABCD paulista, cujo desenvolvimento se baseou principalmente na indústria automotiva. Até a década de 1970, a região concentrava praticamente tudo relacionado à montagem de veículos e fabricação de autopeças no Brasil. Mas hoje, com o crescimento e a dispersão desses dois ramos pelo país, o ABCD passou a responder por cerca de 60% dos negócios nessa área, e ainda não desenvolveu plenamente novas atividades econômicas capazes de diversificar seu setor manufatureiro.
São Caetano, que por causa de seu exíguo tamanho, abriga apenas uma montadora, a mais antiga fábrica da General Motors no país (as outras duas grandes empresas na cidade são a matriz das Casas Bahia, rede de varejo, e uma distribuidora da Petrobras), depende muito desse segmento industrial.
A crescente concorrência de outros polos automotivos em partes distintas do país, que operam com custos inferiores em relação ao ABCD (isso explica, em parte, a desconcentração do setor) já está se fazendo sentir em São Caetano. Se não há ainda um processo de regressão em termos absolutos, ou seja, fechamento ou migração em massa de empresas, tampouco vem sendo registrado crescimento digno de nota.
Seguindo o exemplo da vizinha Santo André, que está apostando suas fichas, principalmente, no setor de alta tecnologia, São Caetano quer avançar no século 21 também como um importante polo tecnológico. Potencial para tanto o município tem. Já existem várias companhias do gênero instaladas em seu solo, e 26 empresas do setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) integram o Instituto de Tecnologia de São Caetano do Sul (Itescs), fundado em 2007 e bem renomado em sua área.
Pode, aliás, nascer deste instituto o primeiro condomínio tecnológico na cidade: o Itescs apresentou à prefeitura, no final do ano passado, um projeto já bastante detalhado nessa direção. “A ideia é reunir 50 empresas em um mesmo segmento e dar vida a um polo de desenvolvimento do setor de TIC, dentro do mesmo conceito de compartilhamento de espaços e experiências do Vale do Silício americano”, diz o presidente da entidade, Renato Grau.
O projeto requer um aporte que pode chegar a R$ 220 milhões, mas, como tudo hoje em São Caetano, vem esbarrando no problema da falta de uma área adequada. Existe a possibilidade de o Itescs conseguir um terreno público no bairro Prosperidade, o mais carente do município e, como contrapartida, revitalizar o entorno, um passo essencial para o próprio empreendimento. O bairro hoje sofre com enchentes e o condomínio tecnológico não poderia estar sujeito a inundações ou interrupções de energia, pois o que mais haverá ali são equipamentos de informática.
A educação é prioridade
Uma das explicações para o invejável IDH de São Caetano do Sul está no cuidado com que a cidade trata a educação. Em 2007, para se ter uma ideia, a cidade recebeu o selo de “Município Livre do Analfabetismo”, honraria conferida pelo Ministério da Educação a apenas 64 cidades brasileiras, mais da metade delas localizadas no interior do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
São Caetano, entretanto, ficou em segundo lugar neste quesito no “Atlas do Desenvolvimento Humano 2013”, atrás apenas da também paulista Águas de São Pedro. “A prefeitura investe tradicionalmente cerca 35% do seu orçamento na formação educacional, quando a Constituição determina o mínimo de 25%. Daí a nossa boa posição”, explica o secretário de Educação do município, Daniel Belluci Contro.
Há na cidade 19 escolas de ensino fundamental e médio, onde estudam 13 mil alunos, além de um centro de formação de professores. Esta rede é reforçada pelas escolas do governo do estado e por vários colégios particulares.
A prefeitura também oferece cursos gratuitos de línguas, informática e artes, prestando ainda um auxílio de até R$ 100 mensais para famílias de baixa renda com filhos em idade escolar. Além disso, disponibiliza diversos pontos de internet gratuita para a população. Isto não quer dizer que não haja problemas no setor, como a escassez de professores (as contratações emergenciais ocorrem quase que o tempo todo) e a falta de vagas nos bairros onde as famílias querem que seus filhos estudem. Por isso, cerca de 4% das crianças de 5 a 6 anos ainda não estão na escola.
O problema é maior na faixa dos 18 aos 20 anos, justamente quando o jovem se prepara para ingressar na faculdade: aqui a porcentagem cresce para mais de 30%, mas não por falta de escolas superiores no município. Além de uma universidade mantida pela municipalidade (graduação nas áreas das Ciências Biológicas e da Saúde; Ciências Exatas e Tecnológicas, e Ciências Humanas e Sociais), São Caetano do Sul abriga um dos campi do respeitado Instituto Mauá de Tecnologia, a Faculdade Anhanguera e a Faculdade Tijucussu. Os destaques curriculares são os cursos voltados para a Tecnologia da Informação e para os setores de Mecânica e Mecatrônica. São ofertados também diversos cursos técnicos na área Eletroeletrônica e Metalúrgica.
Atenção com o lazer
O fato de ter uma área reduzida e sofrer com a falta de espaços para abrigar novas construções não significa que São Caetano do Sul seja uma cidade, digamos, “apertada” e inóspita. Pelo contrário, dispõe de sete agradáveis parques municipais e prédios modernos, bonitos e bem equipados na sua área mais central.
A cidade conta ainda com vários cinemas, teatros, auditórios, espaços de lazer e shopping centers, e a rede de bares e restaurantes inclui alguns exemplares bastante sofisticados. Reflexo do alto padrão de vida da população, da qual 98,3% dispõem de telefone fixo, 71,7% de telefone celular, 73,3% de automóvel, 63,1% de computador e 100% de TV em cores e geladeira.
Com forte presença de sangue imigrante – como o italiano, o português, o árabe e o ucraniano – a população de São Caetano é pacata e orgulhosa de sua cidade. “Não troco minha terra por nada neste mundo. É um lugar seguro, bem cuidado e o povo é simpático e generoso”, diz a professora Izabel das Graças José Alves.