Postado em 08/01/2014
Contato com Wesley Duke Lee e as experiências na Escola Brasil ainda inspiram o pintor em seu trabalho artístico e prática docente
Carlos Fajardo iniciou a carreira pelo desenho, mas passou por diversas outras formas de expressão, como a pintura, a gravura e até mesmo a música, que estudou com o maestro Diogo Pacheco.
Cursou arquitetura na Universidade Mackenzie, em São Paulo. Posteriormente, entre os anos 1963 e 1972, estudou os elementos das artes plásticas, comunicação visual e história da arte com Wesley Duke Lee (1931-2010), mestre que exerceu influência decisiva em sua vida.
Com ele, participou da criação do Grupo Rex – de curta duração, mas cujo impacto é lembrado até hoje –, que também reunia Nelson Leirner, Frederico Nasser, Geraldo de Barros (1923-1998) e José Resende. Outra iniciativa marcante na qual esteve envolvido foi a criação da Escola Brasil, com os amigos e alunos de Duke Lee, Luiz Paulo Baravelli, Frederico Nasser e José Resende.
Começou a expor seus trabalhos em 1981 e, desde 1996, é professor de artes plásticas na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Fajardo conversou com a Revista E sobre seu início nas artes, a predileção pelo desenho e a importância de não julgar. “Quando estou dando aula quero que a pessoa entenda que não sou um professor que vai ensinar”, afirma. “Ele vai aprender comigo, o que é completamente diferente.”
Revisão crítica
Aos 17 anos, eu tinha muito interesse pelas artes visuais, especialmente por desenho, mas era um interesse amplo. Queria aprender a desenhar e gostava de design, por isso procurei uma pessoa que eu admirava muito e que fazia as duas coisas. Era um grande artista com um desenho incrível, o Wesley Duke Lee.
Quando o encontrei, ele me disse que faria um grupo de estudos com alguns alunos. Foi então que me associei a outros artistas, e tivemos aulas durante um ano. A minha formação foi mais ampla do que imaginava, porque tive conhecimentos de história da arte – o que era incomum na época. Wesley gostava muito do Marcel Duchamp (1887-1968), então os nossos contatos eram regados mais pela sabedoria de Duchamp do que pelo saber de Picasso (1881-1973) ou Matisse (1869-1954), por exemplo. Conheci esses outros artistas num processo mais gradual do que a arte conceitual de Duchamp.
Isso fez com que no início da minha carreira eu tivesse interesse naquilo que de alguma forma estava relacionado com Duchamp, mas também minha formação tem uma ligação forte com Jasper Johns [pintor pioneiro da pop art norte-americana] e com o que aconteceu nos anos 1950 e 1960 na arte norte-americana, embora também prestasse atenção naquilo que ocorria no Brasil.
Eu gostava não só de acompanhar o que esses artistas faziam, mas de pensar quais relações estavam surgindo na arte. Eu tinha a intuição de que algo havia mudado muito fortemente com o advento do pop. Nesse sentido, comecei a achar que a própria estrutura narrativa estava sendo alterada.
A arte deixava de ser a pintura na qual se conta uma história, passando a incorporar elementos que não faziam parte da superfície plástica. Isso aconteceu no meu trabalho em um processo lento. Comecei, então, a agregar elementos de arte que não tinham relação com a plasticidade. E olha que meu interesse primeiro era e continua sendo a superfície plástica do desenho, que tem um universo bem mais amplo do que eu supunha naquela época. Então, eu imaginava que o desenho tinha a função de reportar a natureza na superfície. Ou seja, eu tinha uma folha em branco, observava coisas e colocava o resultado no papel.
No entanto, é possível fazer muita coisa pensando a natureza material do desenho e não a sua natureza de representação. Essa consideração vale para todo o meu trabalho posterior.
Ensino como missão
Dou aula de desenho, estou nesse ramo há cerca de 40 anos e gosto muito de fazer isso na universidade. Ao entrar na Universidade Mackenzie comecei a ter o que chamamos de uma visão acadêmica e bastante crítica das relações que diziam respeito ao que fazíamos e vivíamos.
Durante essa experiência, tive oportunidade de pensar com os meus colegas um ensino diferente do tradicional, o que originou a Escola Brasil – composta por alunos de Wesley Duke Lee, o José Resende, o Frederico Nasser, o Luis Baravelli. Wesley era genial, não pelo que você aprendia com ele, mas a maneira, a técnica, o modo de ensino era fantástico. Lógico que eu aprendia muito, mas a relação que ele construía entre nós era muito positiva.
A escola fez uma revolução copérnica. Em vez de ensinar técnicas, convocávamos os alunos a pensar o que iriam produzir, qual seria o seu discurso. Em vez de darmos repertório, enfatizávamos questões que moviam o discurso. Essa revolução continua até hoje para mim, ao menos na relação com meus alunos. Quando estou dando aula quero que a pessoa entenda que não sou um professor que vai ensinar. Ele vai aprender comigo, o que é completamente diferente.
Eu me envolvi profundamente com o ensino representado pela Escola Brasil. Consegui passar em um concurso na Universidade de São Paulo, fiz doutoramento e entrei na carreira. Mas hoje, por exemplo, não dou nota nos meus cursos da USP. Por quê? Primeiro, uma razão muito simples, a nota é um tipo de coerção, o aluno fica dependendo de mim. Segundo, de onde eu tiraria a ideia de que posso dar nota para pessoas que pensam tão diferente e uniformizá-las com 8, 7 ou 6? É absurdo. E de onde eu tiraria a ideia de que posso dar um 10? Se faço isso, tenho que ter um modelo do que é 10 e tal modelo só existe na minha cabeça. E vou comparar esse julgamento com o quê? Sou contrário ao julgamento puro e simples.
Essas ideias estão relacionadas com a técnica de aprendizado do Wesley, com o que aprendi com meus companheiros da Escola Brasil e com o que aprendo continuamente com os meus alunos, pois vejo a docência como uma troca intensa. Sinto-me realizado ao perceber que aquilo que posso oferecer é do interesse de quem está em contato comigo.
O artista na atualidade
No início, o meu trabalho tinha uma definição próxima do que eu havia aprendido ou intuído de algum jeito do ensinamento do Wesley. Era pintura, porém eu discutia a sua natureza material, o suporte, o que fez com que meu trabalho, aos poucos, fosse abandonando a ideia de pintura e fosse assumindo o caráter material.
A minha obra mais recente foi exposta no Sesc Belenzinho. Era um corredor de metal em cima da piscina que ficava pousado em sua estrutura. No corredor construí uma espécie de labirinto em linha reta com paredes laterais feitas de vidro, por onde as pessoas podiam passar. O uso do espelho também tem sido recorrente em meus trabalhos. Além disso, tenho trabalhado com as relações entre espaço e temporalidade.
“Sinto-me realizado ao perceber que aquilo que posso oferecer é do interesse de quem está em contato comigo.”