Postado em 08/01/2014
SOBRE TECNOLOGIAS E PESSOAS
Por Vania Feichas Vieira
Qualquer um de nós, nos dias de hoje, vive o impacto das chamadas tecnologias da informação (TICs), seja no trabalho ou no lazer. Vivemos “on line”, nos relacionando com pessoas, ideias, culturas – que, ainda que distantes fisicamente, tornam-se muito próximas por conta da interação contínua. Dizer isso é inclusive repetir um discurso já um pouco desgastado, que exalta a superação de barreiras e acesso a informações que o avanço das tecnologias da informação trouxe para nossa vida cotidiana.
Análises sociológicas nos alertam, com razão, para os impactos negativos que tais tecnologias trazem para as pessoas na sociedade atual: o que, à primeira vista, nos seduz e “facilita” a vida ao mesmo tempo pode nos transformar em reféns, ao impor velocidade e profundidade para nossas interações, formas de sociabilidade decorrentes da mediação da tecnologia nesse processo.
Mas o que eu gostaria de ressaltar, nessas breves linhas, é o poder latente de transformação pessoal que as tecnologias da informação carregam em si mesmas, sobretudo quando podem ter como resultado a ampliação do nosso conhecimento e entendimento do mundo.
Gosto de pensar na questão de um ponto de vista muito específico: o do quanto o acesso a informações sistematizadas nos permite desenvolver uma “postura de pesquisadores” a respeito do mundo, garimpando nas imensas montanhas de informação que jorram das páginas da internet aquilo que nos seduz, que faz sentido, e que nos apresenta um pedaço do mundo ainda por nós inexplorado. Meu filho de cinco anos tem um colega de escola que já “viajou” com a avó para quase todas as capitais do mundo, todas as noites em que ele a visita e eles, juntos e por desejo dele, navegam no Google. A Paris que já existe na cabeça do menino tem sons, cheiros e densidade, ainda que a experiência venha a ser modificada e ampliada no dia em que ele, com os próprios pés, pisar as suas calçadas.
E essa mesma possibilidade de desenvolver uma postura de pesquisador e aprendiz a respeito do mundo, base da autonomia na leitura deste, potencializa a construção e circulação de saberes em todas as comunidades das quais fazemos parte – inclusive no ambiente profissional. O potencial impacto alienante das TICs nas relações de trabalho tem necessariamente que conviver com o potencial libertário que essas mesmas tecnologias carregam em si.
Penso, por exemplo, no caso dos portais corporativos ligados à aprendizagem, que permitem que a mesma lógica investigativa e colaborativa que permeia as pesquisas no Google e os artigos escritos a várias mãos na Wikipedia seja usada pelos funcionários de uma empresa para aprender sobre o ambiente e a natureza de seu trabalho.
Tais portais, além de permitir ofertas de ações de aprendizagem formais (treinamentos transformados em cursos à distância, por exemplo), possibilitam a circulação e registro dos conhecimentos de seus funcionários por meio de comunidades de prática, fóruns de discussão, construção colaborativa de textos, tendo como foco os temas próprios de seu universo de trabalho. Um ambiente virtual que ganha conteúdo a partir da colaboração, podendo adquirir sentidos variados: acolher e “iniciar” novos funcionários nos saberes da empresa; registrar os conhecimentos e os olhares de quem conhece a empresa há 2, 10 ou 20 anos; e, com tudo isso, tornar-se espaço para reflexão e crítica sobre o trabalho cotidiano e o sentido que nele existe.
Nesses casos, a tecnologia está a serviço do aprendizado sobre o ofício – o que certamente é apenas uma faceta do que pode haver de útil e fértil no uso das tecnologias a serviço das pessoas em seus ambientes de trabalho. Creio que não podemos nunca perder de vista que elas nos oferecem poderosas ferramentas que podemos, e devemos, manejar de modo criativo e autônomo no vasto e atribulado universo do trabalho.
Vania Feichas Vieira, graduada em Ciências Sociais e mestre em Antropologia Social, é assistente técnica, coordenadora da área de Treinamento e Desenvolvimento da Gerência de Pessoas do Sesc.