Postado em 13/01/2014
Como a cenografia brasileira se desenhou ao longo do século 20, fazendo interagir o tempo, o espaço e a luz nos palcos
Luzes, câmera, ação. A sequência é evidentemente ligada ao cinema, mas poderia ser aplicada ao teatro contemporâneo, já que muitas das montagens mais recentes têm o vicejante recurso tecnológico como parte do espetáculo. Há a exploração da luz, projeções e painéis de LED e o desenvolvimento de um trabalho forte com o espaço cênico.
No entanto, nem sempre foi assim. A cenografia brasileira começou e permaneceu, até o século 20, executada como uma ação pictórica, de pintura. Havia telões em perspectiva, que direcionavam o espectador à profundidade da cena. Tempos depois, máquinas que ordenavam o movimento de sobe e desce dos telões chamavam a atenção. Nesse período era também comum que telões e elementos cênicos fossem usados por diferentes montagens. “Uma produção que chegava de viagem muitas vezes ia ao depósito do teatro ver o que havia de disponível para usar”, afirma o cenógrafo J. C. Serroni.
Serroni aponta o ator, diretor e dramaturgo brasileiro Procópio Ferreira (1898-1979) como um dos desbravadores da cenografia no Brasil, por seu olhar preciso. Já a partir da década de 1920 esboçava preocupação de evidenciar que a cenografia tinha seu papel, dando espaço à colaboração do artista plástico no espetáculo teatral. Outro marco citado por Serroni, para entender a evolução da cenografia e do teatro brasileiros, foi a peça Vestido de Noiva, na montagem de 1943. “A cenografia de Santa Rosa para a peça, dirigida por Ziembinski, é considerada um divisor de águas por ter, pela primeira vez, usado três planos simultâneos de representação construídos num mesmo espaço. Estava rompida, conceitualmente, a ligação com o realismo, ou a cenografia dos telões pintados”, explica.
De lá para cá, muita coisa mudou na elaboração da cena teatral, mas um dado é consenso: a intensificação do uso da tecnologia como recurso nas montagens. Mesmo se declarando como alguém pró-tecnologia, Serroni pontua que é preciso repensar a sua utilização, para que ela não predomine. “O teatro não é indústria. Cada encenação tem seu caminho próprio”, diz. “As soluções via computador são, geralmente, matemáticas e repetitivas.” Nesse contexto, por exemplo, muitos iluminadores solicitam que sua mesa digital divida espaço com uma mesa manual, para que o trabalho motivado pela emoção também esteja presente durante as exibições.
Em declaração registrada no livro Cenografia Brasileira – Notas de um Cenógrafo, de J. C. Serroni (Edições Sesc, 2013), a cineasta e cenógrafa Daniela Thomas relata o que, em sua opinião, seria o grande dilema atual de quem atua na área. “A cenografia enfrenta seu maior desafio desde que despontou nos palcos gregos: manter-se fiel à sua origem teatral ou dissolver-se na sistemática dramaturgização da arquitetura das artes plásticas.”
Para Serroni, outro ponto essencial para os profissionais desse setor é educar o olhar para a cenografia, recado que vem de forma clara. “Eu diria aos cenógrafos: indague a si mesmo o porquê disso, o porquê daquilo. Olhe com atenção uma obra de arte de um museu ou assista a filmes de arte, como de Akira Kurosawa, Ingmar Bergman e Federico Fellini. Tudo será aproveitado um dia. Tudo será fonte de inspiração para o cenógrafo.”
DRAMATIZAÇÃO DO ESPAÇO
Livro publicado pelas Edições Sesc é um achado para quem deseja entender os meandros da cenografia como arte
Agora os estudiosos e apreciadores do teatro podem mergulhar em questões e reflexões sobre a cenografia brasileira por meio da obra de J. C. Serroni Cenografia Brasileira – Notas de um Cenógrafo. Com 35 anos de trabalho na área, o autor expõe no livro, lançado pelas edições Sesc, um panorama histórico e abrangente dessa arte no Brasil.
Sim, arte ainda pouco compreendida como tal, segundo a responsável pela coordenação editorial da Edições Sesc, Isabel Alexandre. “A cenografia no Brasil ainda é, infelizmente, pouco compreendida como arte. Aparece como um mero trabalho de carpintaria mais ou menos benfeito, mas não com o mesmo peso e/ou relação com as demais artes do universo do teatro, direção, atuação, dramaturgia, entre elas”, diz. “O seu entendimento ainda não ultrapassou o status de decoração para o da arte integrada à ação, ou seja, como substância visual do texto, e o cenógrafo não é visto como coautor, com a sua participação e interesses relacionados e estendidos aos da direção.”
J. C. Serroni explica que a condução do livro foi feita de modo a abordar a cenografia de forma ampla, resgatando as poucas informações existentes no século passado até o período atual. “Escolhi registrar por vários caminhos uma história da cenografia entre o início do século 20 e o início do século 21. E não foi casual. É nesse período que se pode falar em uma cenografia brasileira como linguagem autônoma, como uma linguagem que discute o espaço e que realmente contribui para o desenvolvimento do teatro brasileiro”, explica o autor. Segundo Isabel, o livro oferece um panorama dos principais cenógrafos contemporâneos que marcaram a nossa história, a partir do ponto de vista de um deles.
No volume, também é possível acompanhar a trajetória de Serroni, que, durante as décadas de 1970 e 1980, criou projetos memoráveis da cenografia nacional, como Sonho de uma Noite de Verão, dirigido por Roberto Lage, e Madame Blavatski, dirigido por Jorge Takla. Tangenciando os anos 1980 e 1990, colaborou nas peças dirigidas por Antunes Filho, entre elas, Xica da Silva, A Falecida, Os Sete Gatinhos e Drácula e outros Vampiros.