Postado em 09/03/2014
Por: EVANILDO DA SILVEIRA
Inaugurado no dia 31 de dezembro de 1896, no largo de São Sebastião, no centro de Manaus, o Teatro Amazonas, inspirado na Ópera Garnier de Paris, é a herança mais significativa sobrevivente de uma época áurea daquela cidade, que a historiografia nacional registrou como o Ciclo da Borracha. Um período que se estendeu da década de 1860-1870 até 1912 e no qual o Brasil despontava como o maior produtor e exportador de látex, suprindo 90% do mercado mundial. Nesse tempo, a borracha chegou a ser o segundo item da pauta de exportações do país, respondendo por 28% do total, perdendo apenas para o café. Tudo mudou, no entanto, depois que sementes de seringueira, a árvore que produz o látex, foram contrabandeadas e plantadas nas colônias inglesas na Ásia. Quando a oferta daqueles confins inundou o mercado mundial com o produto, começou a decadência da indústria brasileira do setor, que nunca mais se recuperou. Atualmente, o país participa com pouco mais de 1% da produção mundial de borracha, dependendo da importação para suprir suas necessidades.
Hoje, os asiáticos dominam o mercado internacional. Em 2012, o mundo produziu 11,383 milhões de toneladas de borracha natural, dos quais 3,512 milhões (30,85%) saíram da Tailândia e 3,015 milhões (26,48%) da Indonésia. No mesmo ano, o consumo mundial chegou a 10,924 milhões de toneladas: 3,853 milhões (35,27%) foram compradas pela China. Num distante segundo lugar entre os maiores usuários ficou a União Europeia, com 1,065 milhões (9,74%); seguida de perto pelos Estados Unidos, com 950 mil (8,69%); e Japão, com 720 mil toneladas (6,59%).
O outrora todo-poderoso do ramo, o Brasil produziu meras 171 mil toneladas e consumiu o dobro, 343 mil toneladas ou 3,13% do utilizado no planeta. Diferentemente do que ocorria durante o Ciclo da Borracha, quando o Amazonas se sobressaía como o maior produtor, na atualidade os estados mais atuantes na área estão no Nordeste e no Sudeste. “Desde os anos 1990, a atividade extrativista perdeu participação para o cultivo da planta em outras regiões fora da amazônica”, diz Alberto Mayer, presidente da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip). “Em 2011, o maior produtor foi o estado de São Paulo (54% da produção nacional) seguido pela Bahia (17%).” Aqui, a matéria-prima é obtida nas chamadas “áreas de escape”, ou seja, em plantações que estão livres do mal-das-folhas, uma doença causada pelo fungo Microcyclus ulei e que ataca os seringais nativos em regiões tropicais.
Afinal, do que estamos falando? A versão mais aceita para a origem da palavra borracha é a de que ela se deve a uma de suas primeiras aplicações, a fabricação de botijas para substituir as chamadas “borrachas de couro”, usadas pelos portugueses para o transporte de vinhos. Tecnicamente, ela é o produto primário da coagulação do látex, um líquido viscoso presente em mais de 7 mil espécies de plantas pertencentes a 300 gêneros de sete famílias. Apenas uma delas, no entanto, a Hevea brasiliensis, nativa da Amazônia e mais conhecida como seringueira, pertencente à família das euforbiáceas, é responsável por 98% do total produzido no mundo. Trata-se de um elastômero, um material polimérico, cuja principal característica é a capacidade de retornar rapidamente à forma e à dimensão originais, depois de submetido a um esforço ou deformação externa que pode aumentar seu tamanho em pelo menos duas vezes.
Essa não é, entretanto, sua única qualidade, como lembra o pesquisador Paulo de Souza Gonçalves, do Programa Seringueira, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), que há mais de 40 anos se dedica ao estudo e melhoramento genético da seringueira. “A borracha natural combina elasticidade, plasticidade, resistência ao desgaste, além de ser isolante elétrico e impermeável a líquidos e gases”, enumera. “Sua grande importância se deve à influência que exerce sobre a civilização humana, cuja origem data de logo após a descoberta da América. Seu valor econômico tem exercido influência profunda na sociedade moderna, tornando possível o desenvolvimento das indústrias, da tecnologia e dos transportes.” Não é à toa, portanto, que ela é considerada, ao lado do aço e do petróleo, um dos alicerces do mundo atual.
Pneus e câmeras
Não é pouca coisa, mas a borracha é muito mais do que isso. Só ela pode ser usada para fabricar mais de 40 mil itens, entre os quais pelo menos 400 tipos de artigos médicos, como embalagens de medicamentos, instrumentos, luvas e tubos cirúrgicos, por exemplo. Ela também é empregada na produção de calçados, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, preservativos, e, como vedante, em geladeiras, em janelas de veículos e em molduras ou guarnições de portas. O produto está presente ainda na construção civil, nas indústrias de autopeças, bélica, petrolífera e de saneamento, na mineração e siderurgia.
O maior consumo da borracha natural, todavia, se dá com os pneumáticos (pneus e câmeras de ar), indispensáveis na indústria automobilística e na aviação, assim como na de motos e bicicletas. No mundo, as indústrias de transporte e automotiva consomem cerca de dois terços do total de borracha sintética e natural, sendo 90% destinados aos pneumáticos e o restante a peças diversas de veículos, como mangueiras e tapetes. No Brasil, não é muito diferente. Em 1975, em torno de 80% da demanda era da indústria de pneus, índice que caiu para 60% no início dos anos 1980 e chegou a 58% em 2000. A partir de então, voltou a crescer e a previsão é que o índice supere o 70% até 2020.
Embora seu consumo tenha crescido muito a partir da Revolução Industrial, que começou em 1760 na Inglaterra, e da popularização do automóvel no início do século 20, a história da borracha é bem mais antiga. Pesquisas arqueológicas realizadas no México descobriram, na região de Tepantitla, pinturas em vaso mostrando um jogador com uma bola de borracha. “Acredita-se que o início da utilização do látex se deu por volta de 1400 a.C., na região da América Central”, conta o pesquisador Edson Luiz Furtado, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), do campus de Jaboticabal da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). “Ela era usada no conhecido jogo de bola mesoamericano e também como oferenda pela cultura local.”
Os primeiros contatos com o produto real – e não apenas com pinturas ou peças arqueológicas – foram feitos pelos colonizadores espanhóis, quando chegaram ao Novo Mundo. Eles viram os índios brincando com bolas que saltavam. Conta-se que até Cristóvão Colombo encontrou nativos, na ilha onde hoje fica o Haiti, brincando com esses artefatos. Curiosos, os invasores europeus descobriram que eles eram feitos com a seiva leitosa de uma árvore que os locais chamavam de “caucho”. Mas eles não prestaram muita atenção à novidade, pois estavam exclusivamente atrás de ouro e prata.
Perderam uma grande oportunidade, como o tempo se encarregaria de demonstrar. Pouco mais de dois séculos depois, a borracha começou a interessar à ciência e surgiram as primeiras aplicações. Há algumas datas importantes nesse processo. Segundo Furtado, uma das primeiras foi em 1743, “quando o naturalista francês Charles-Marie de La Condamine (1701-1774) encontrou um exemplar de seringueira em uma expedição pela Amazônia”, conta. O viajante levou uma amostra do “caucho” para a Academia de Ciências de Paris. Mas assim como os espanhóis, os acadêmicos franceses desprezaram o produto.
Nesse caso, entretanto, pelo menos havia uma razão prática para o menosprezo. Alguns sapatos e roupas impermeabilizadas chegaram a ser fabricadas com a resina retirada da seringueira. Descobriu-se, porém, que havia um problema: tudo o que era feito com essa substância tornava-se mole e pegajoso no calor, e duro, inflexível e quebradiço – ou se esfarelava – em baixas temperaturas. Mesmo assim, foram encontradas algumas aplicações para ela. A primeira de que se tem notícia é o apagador de escrita a lápis, inventada em 1752, pelo físico e químico português João Jacinto de Magalhães (1722-1790), descendente de célebre navegador, Fernão de Magalhães (1480-1521). Mais tarde, a partir de 1770, o cientista inglês Joseph Priestley (1733-1804) difundiu esse uso, dando início à fabricação de cubos do produto com aquela finalidade.
O grande salto em sua utilização se deu, porém, a partir de 1839, quando o engenheiro e cientista americano Charles Goodyear (1800-1860) descobriu acidentalmente o processo de vulcanização. Na verdade, ele já vinha trabalhando há algum tempo nisso, tentando torná-la imune às mudanças de temperatura, mas sem sucesso. Um dia a sorte lhe sorriu – para usar um clichê surrado. Sem querer, Goodyear deixou uma mistura de borracha e enxofre cair sobre o fogão quente. Ele notou que ela não chegou a derreter, mas apenas queimou um pouco, tornando-se mais resistente. Ele aperfeiçoou o método, acrescentando pressão e catalisadores – substâncias que aceleram reações químicas – à mistura. Também determinou a temperatura e o tempo de aquecimento ideais para estabilizá-la. Com isso, Goodyear obteve uma goma elástica, que não se esfarelava com o frio nem ficava pegajosa com o calor. Ele patenteou o processo e batizou de vulcanização, em homenagem a Vulcano, deus romano do fogo. Foi o ponto de partida para o surgimento de inúmeras aplicações práticas da borracha.
Ouro branco
De lá em diante, novas tecnologias e novos produtos tendo ela como matéria-prima começaram a surgir. Em 1847, o britânico Robert William Thomson (1822-1873) colocou a câmara de ar dentro do pneu, que passou a ser um pneumático, com maior flexibilidade e conforto e menor nível de ruído. Mais tarde, em 1888, John Boyd Dunlop (1840-1921), inventou o pneumático para bicicleta. No mesmo ano, a Manufatura Francesa de Pneus Michelin, que existe até hoje, foi fundada pelos irmãos Édouard Etienne (1859-1940) e André Jules Michelin (1853-1931) que patentearam, em 1895, o primeiro pneu para automóvel.
Foi depois das invenções e da crescente procura por borracha que o Brasil passou a fazer parte dessa história, só que, infelizmente, transformado em fornecedor da matéria-prima, exatamente como ainda acontece hoje com alguns setores da economia nacional. “A partir da Revolução Industrial na Europa e depois nos Estados Unidos, a demanda por látex e o preço do produto cresceram enormemente”, diz Furtado, pesquisador da Unesp. “A atenção econômica se voltou então para a floresta amazônica e para a seringueira nativa, em busca do ouro branco, extraído da árvore Hevea. Desta forma inicia-se o ciclo da borracha no seringal nativo, no final do século 19.”
Na realidade, o Brasil já produzia o insumo bem antes disso. Em pequenas porções, é verdade, mas produzia. Em 1827, por exemplo, a oferta nacional não passava de 31 toneladas por ano. Mas mesmo assim, segundo Mayer, da Anip, foi nesse mesmo ano que o país fez sua primeira exportação do produto, no caso para a Europa e Estados Unidos. Nas três décadas seguintes, entre 1830 e 1860, a exportação do látex amazônico saltou de 156 toneladas para 2.673 toneladas anuais.
Com o advento da vulcanização e os reflexos econômicos da Revolução Industrial, a demanda aumentou ainda mais, tornando a borracha o principal item de exportação do Brasil, e a região amazônica, a maior produtora de látex do país, acabou se transformando no maior polo de extração e exportação do mundo. “Tanto que, em 1840, toda a atividade da região girava em torno da matéria-prima”, diz Mayer. “E de 1870 a 1910, o Pará foi o maior produtor, com um volume da ordem de 4,8 mil toneladas”, relata.
O Ciclo da Borracha atingiu o auge na primeira década do século 20. Em 1910, por exemplo, as exportações atingiram cerca de 40 mil toneladas. Dois anos depois, chegou ao pico do período, com a produção amazônica alcançando 42 mil toneladas. Foi uma época de muita riqueza: o dinheiro obtido com a venda externa da borracha transformou a região, uma das mais pobres e desabitadas do país, num lugar de riqueza e prosperidade.
Foi quando Belém e Manaus experimentaram uma fase de ouro, se desenvolveram e passaram a rivalizar com as grandes metrópoles da Europa e dos Estados Unidos. De olho na riqueza gerada pela exploração dos seringais, grandes empresas e bancos estrangeiros se instalaram nas duas capitais, começando por Belém. Era a Belle Époque cabocla. Viver na capital paraense no fim do século 19 não deixava nada a desejar em relação às grandes cidades europeias. Navios carregados de queijos franceses, vinhos portugueses, vestidos italianos e até empregados belgas atracavam com frequência no porto de Belém.
Segundo o historiador e especialista em Antropologia Social Aldrin Moura de Figueiredo, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), as autoridades e a elite queriam que Belém fosse cópia de Paris e de Londres e que reproduzisse esteticamente essas capitais. Para isso, ruas foram alargadas, surgiram grandes edifícios e a cidade ganhou água encanada e luz elétrica. Os endinheirados do comércio da borracha, por sua vez, se davam a hábitos exóticos e caros, como mandar engomar roupas em lavanderias de Lisboa e importar patins, para serem usados nas férias em países frios.
“Paris Tropical”
No campo cultural, a cidade também procurava imitar a Europa. Assim, em 1878, foi inaugurado o Theatro da Paz, então a maior casa de ópera do Brasil. Com patrocínio de empresários do estado, para quem dinheiro não era problema, famosas companhias líricas brasileiras e estrangeiras se apresentaram ali. A casa também recebia visitas ilustres, como a do compositor Carlos Gomes (1836-1896), autor de O Guarani, que, em 1882, apresentou a ópera Salvador Rosa em Belém. Não era à toa, pois, que Belém se orgulhasse de ser chamada de “Paris Tropical”.
Posteriormente, Manaus também atingiu estágio semelhante de desenvolvimento e prosperidade, passando pelas mesmas transformações que marcaram a chamada Belle Époque amazônica. “No início do século 20, a capital do Amazonas já possuía galerias de esgotos, água encanada, ruas completamente iluminadas e uma vida cultural semelhante a Paris”, diz o engenheiro florestal José Geraldo Mageste da Silva, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em Diamantina (MG). “É dessa época o símbolo máximo de desenvolvimento intelectual da cidade, o Teatro Amazonas, decorado com porcelana italiana em alto estilo.”
A riqueza e a prosperidade geradas pelo Ciclo da Borracha chegaram ao fim, melancolicamente, em 1912; contudo, a história de sua decadência começou bem antes. Em 1876, o botânico inglês Henry Wickham (1846-1928), que morava em Santarém, no Pará, contrabandeou 70 mil sementes de seringueira para o Royal Botanic Gardens, Kew, uma famosa instituição com mais de 250 anos de história de pesquisas em botânica. Dizem que ele escondeu as sementes dentro de cestos trançados, sob folhas de bananeira. Alegou para os curiosos e autoridades que transportava apenas “espécimes exóticos e delicados” para os jardins da rainha Vitória (que reinou no Reino Unido de 1837 a 1901). Como ninguém se importou, ele passou sem problemas pela aduana brasileira, encarregada de vistoriar o navio a vapor em que viajava. “Por causa desse contrabando, Wickham é conhecido como o ‘pai da biopirataria’ ”, conta Mayer.
Na Inglaterra, apenas 2.600 das sementes germinaram, mas foi o suficiente. Elas geraram mudas, que foram transplantadas para as colônias britânicas no sudoeste asiático (Tailândia, Malásia, Ceilão, hoje Sri Lanka), onde se adaptaram com sucesso. “Em 1910 começaram as exportações das colônias, e, em 1912 o Brasil perdeu a supremacia no mercado internacional de borracha natural”, conta Mayer. “Um dos motivos da grande produtividade asiática era o fato de as sementes serem cultivadas lado a lado, ao contrário do Brasil, que tinha uma cultura extrativista, na qual a distância entre uma árvore e outra poderia ser de quilômetros. Outro fator era o preço; enquanto a tonelada da brasileira custava até 512 libras, a asiática não ia além de 100 libras.”
O controle do mercado pelos ingleses e o declínio da produção dos seringais nativos do Brasil coincidiu com o período da Primeira Guerra Mundial, que durou de 1914 a 1918, quando houve um grande aumento da demanda. Por isso, com a oferta reduzida, os alemães desenvolveram um tipo de borracha sintética, um polímero composto de butadieno e estireno, oriundos do petróleo, facilmente vulcanizável, para suprir as necessidades do país. Eles chegaram a produzir quase 2,5 mil toneladas do material, que no entanto não podia competir nem em preço nem em qualidade com a borracha natural. Por isso, com o fim da guerra a produção do insumo artificial foi interrompida.
Parceiro inusitado
O desenvolvimento do material sintético teve outro grande impulso com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939. Como os japoneses sabiam que o ponto fraco da futura superpotência, os Estados Unidos, era a necessidade de borracha natural, em 1941 eles invadiram as colônias inglesas na Ásia e bloquearam as exportações da matéria-prima para os norte-americanos. “Com o Japão controlando as colônias produtoras, equivalentes a 95% de todo o mercado, os Estados Unidos se viram obrigados a aperfeiçoar o processo fabril da borracha sintética para ser utilizada no lugar da natural”, conta Mayer.
De acordo com o empresário, apesar de a sintética não possuir todas as características da natural, na indústria de pneumáticos ela é utilizada de acordo com a necessidade de cada tipo de pneu. “No caso dos modelos para veículos de carga há uma quantidade superior do material de origem vegetal em sua estrutura porque, aqui, a elasticidade tem de ser maior para poder suportar peso”, explica. “Já no exemplo do pneu de autos de passeio, a situação é oposta: há um volume maior de sintética porque a carga não é um fator preponderante.” O pneumático de avião, todavia, é feito com 100% de látex.
Justamente pelo fato de a borracha sintética não conseguir substituir a natural em todas as aplicações é que sempre houve tentativas de encontrar alternativas ao monopólio das colônias inglesas na Ásia. O Brasil viveu duas dessas experiências. A primeira delas com um parceiro inusitado, Henry Ford (1863-1947), cuja companhia era responsável pela produção de 50% dos automóveis que circulavam no mundo nas primeiras décadas do século passado. Ele queria uma alternativa ao produto asiático. Conseguiu do governo brasileiro a concessão de uma área com aproximadamente 1 milhão de hectares, próxima à cidade de Santarém, no Pará, para plantar seringueiras. “Para dar início ao projeto, uma cidade inteira teve que ser construída, em 1927, no meio da floresta amazônica, para abrigar os técnicos e funcionários administrativos, com estações para tratamento de água e instalações portuárias, denominada Fordlândia”, relata o pesquisador Furtado, da Unesp.
Começou assim a história de um monumental fracasso. Ignorando os alertas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos sobre o mal-das-folhas, Ford chegou a plantar 70 milhões de mudas de Hevea brasiliensis. A meta ambiciosa era produzir 300 mil toneladas anuais de borracha natural, o que representava metade do consumo mundial da época. Mas, apesar dos esforços dos especialistas contratados por ele, o mal-das-folhas venceu. Segundo Furtado, a doença se tornou epidêmica na plantação, em 1940, repetindo-se em 1941. Ford ainda resistiu mais quatro anos, mas em 1945 abandonou tudo com enorme prejuízo.
Paralelamente aos seus esforços para desenvolver o material sintético durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos recorreram ao Brasil, financiando e incentivando um novo ciclo da seringueira na Amazônia. Para isso, o governo brasileiro convocou os chamados “soldados da borracha”. Eram jovens sujeitos ao serviço militar, que tinham de escolher entre lutar na guerra ou trabalhar nos seringais. A produção aumentou, mas por pouco tempo. Em 1947 deu-se a última exportação expressiva de látex da Amazônia (7 mil toneladas) e em 1951 foi feita a primeira importação de borracha pelo Brasil. Era o fim de uma história de supremacia e o início de outra, de dependência.