Postado em 09/03/2014
O engenheiro Amir Antônio Khair é mestre em finanças públicas e consultor na área fiscal, orçamentária e tributária. Foi secretário de Planejamento da prefeitura de Diadema, secretário de Finanças da prefeitura de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Secretarias de Finanças das Capitais. Prestou serviços de gestão financeira a inúmeras prefeituras, entre elas as de Belo Horizonte, Salvador, Goiânia, Ipatinga, Londrina, Angra dos Reis e Juiz de Fora.
Esta palestra de Amir Khair, com o tema “Desafios para o Desenvolvimento”, foi proferida no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo, no dia 12 de setembro de 2013.
Em relação ao desenvolvimento econômico, tenho expressado algumas ideias que não seguem a linha normal das análises apresentadas. Fundamentalmente, creio que o Brasil tem condições para alcançar um desenvolvimento muito superior ao que vem apresentando há mais de 40 ou 50 anos. De 1901 a 1980, o país foi considerado, em alguns estudos, como o que experimentou a maior taxa de crescimento, mais ou menos junto com o Japão, talvez um pouco menos. Crescemos 5,67% ao ano, em 80 anos, um dado bastante expressivo. Nesse período o aumento da população foi de 2,43%, também ao ano, em média. Ou seja, se considerarmos o crescimento da economia e o da população, o desenvolvimento per capita foi de 3,16% nesse período.
De 1981 a 2003, o Brasil praticamente andou de lado, com um desempenho muito fraco. Foi em média 1,99% ao ano e a população, 1,73%. Mas já começou a haver uma queda no ritmo de crescimento populacional e o produto per capita aumentou apenas 0,25%. É como se esses anos fossem décadas perdidas, um período em que a economia praticamente não deslanchou.
De 2004 a 2008 foram os anos dourados da economia, que coincidiram com uma expansão internacional forte. Tivemos cinco anos seguidos de bom crescimento, com a média de 4,81%. E a população aumentou em ritmo menor, ou seja, 1,04% ao ano. Isso resultou na elevação per capita de 3,73%, maior até que o crescimento ocorrido de 1901 a 1980. Depois disso, com a crise internacional, houve um refluxo. De 2009 a 2012 crescemos em média 2,66%, com aumento populacional ligeiramente abaixo ao de 2004 a 2008, o que deu 1,61% de PIB [Produto Interno Bruto] per capita.
Vejamos agora a questão fiscal, nos macronúmeros. Selecionei os períodos que correspondem aos mandatos presidenciais, porque cada um teve uma política distinta. De 1995 a 1998, portanto, já sob a égide do Plano Real e a inflação em processo de controle, tivemos como resultado primário, que é a diferença entre receitas e despesas públicas menos os juros, um déficit médio de 0,2% do PIB. Os juros naquela ocasião corresponderam a 6,6% do PIB e o déficit público, que é a conta final do resultado das contas públicas, deu 6,8% de déficit em média por ano.
Em 1999, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, houve uma mudança na política cambial. Antes se trabalhava com o câmbio praticamente fixo, ou uma tentativa disso, e se passou para o câmbio flutuante. Mas os juros, em vez de 6,6%, passaram a 10,5%, uma subida muito forte. No início de 1999, a Selic foi a 45%, o máximo que atingiu e permaneceu por um período bastante longo acima de 30%. É claro que isso teve rebatimento na despesa do governo, que possui uma parte dos títulos lastreados em Selic. Então, no resultado final, o déficit, em vez de diminuir, subiu para 7,2% do PIB.
No primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, de 2003 a 2006, o resultado primário melhorou um pouco, foi para 3,6% do PIB, porque houve a política deliberada do governo de ganhar a confiança do mercado. Os juros baixaram um pouco, para 6,8% do PIB, e o déficit recuou para 3,3%. No segundo mandato, de 2007 a 2010, o resultado primário diminuiu para 2,9%, os juros foram para 5,5% e o déficit público ficou em 2,6%.
Juros
Normalmente, na mídia não se ouve falar em resultado nominal, só em primário, como se o país estivesse livre de ter de pagar juros. Do ponto de vista matemático, juro é uma conta fiscal do mesmo tipo que despesa de custeio e de investimento. Como o Brasil tem mais despesas, considerando os juros, do que receitas, o que faz? Aumenta a dívida. A falta de recursos entre receitas totais e despesas totais leva o país a emitir títulos para cobrir a diferença. Então a dívida tende a crescer num ritmo que, se for superior ao crescimento do PIB, faz aumentar a relação entre a dívida e o PIB. Se este subir mais do que a taxa de crescimento da dívida, a relação entre dívida e PIB decresce.
Por enquanto estamos na questão fiscal. Em 2001 a dívida líquida, ou seja, a dívida menos os haveres financeiros, estava em 52% do PIB. Em 2002, atingiu 60,4% e em 2003 começou a recuar. E continuou recuando, com exceção de 2009. O último dado que temos é de 31 de julho de 2013, com 34,1% do PIB. Nesse nível, como dívida líquida, está bem razoável em termos internacionais. Já a dívida bruta está se situando próximo de 60%, um nível excelente para o padrão europeu e para o americano, mas para os países emergentes é alto. Deveria estar em torno de 30% a 40%.
Essa diferença entre dívida bruta e líquida se explica principalmente pelas chamadas operações compromissadas do Banco Central, que são aquelas em que o banco compra dólares e emite títulos para reduzir a liquidez. Essas operações compromissadas hoje já representam cerca de 30% da dívida bruta do país. Sobre isso pouco se fala, o que se menciona são os empréstimos que o Tesouro Nacional concede ao BNDES, ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal. Os senhores sempre verão críticas a essas transferências, mas isso representa menos da metade do problema, que são as operações compromissadas. Elas são ruins porque aumentam a reserva, mas essa reserva tem de ser carregada. É um processo em que se aplicam recursos em dólares, em títulos do tesouro americano, que rendem muito pouco e são onerados basicamente pela Selic. A diferença de juros entre o que o Banco Central tem de pagar pelos títulos que carrega e o que recebe pela aplicação em títulos do Tesouro é um encargo muito pesado, chegou algumas vezes a superar R$100 bilhões por ano. Isso é pouco mencionado.
Agora vamos às contas externas, uma questão preocupante. No período 1991 a 1994, a importação no Brasil foi da ordem de US$ 25 bilhões ao ano, as exportações somaram US$ 37 bilhões, com superávit, portanto, de US$ 12 bilhões. De 1995 a 1998, já sob a égide do Plano Real, a importação subiu para US$ 55 bilhões, mas as exportações não acompanharam o ritmo e foi registrado um déficit de US$ 6 bilhões ao ano. A balança de serviços, que é estruturalmente deficitária, cresceu de US$ 14 bilhões para US$ 23 bilhões, ou seja, as transações correntes fecharam em US$ 26 bilhões negativos. Entre 1999 e 2002, tivemos uma situação em que a balança comercial quase chegou ao equilíbrio com US$ 3 bilhões. Os serviços cresceram um pouco e tivemos transações correntes deficitárias de US$ 20 bilhões. Entre 2003 e 2006 começamos um período bem melhor de exportações, com o crescimento da economia internacional e a China comprando commodities. As exportações passaram de US$ 55 bilhões para US$ 106 bilhões. As importações também subiram, mas em ritmo menor e, consequentemente, tivemos uma balança comercial de US$ 37 bilhões de dólares. Os serviços continuaram subindo, foram para US$ 30 bilhões e deram transações correntes de US$ 11 bilhões.
De 2007 a 2010 a coisa mudou. Houve um forte impulso das importações, que passaram a US$ 151 bilhões. As exportações também cresceram, expressivamente, mas houve uma queda na balança comercial de US$ 37 bilhões para US$ 28 bilhões. E os serviços saltaram para US$ 56 bilhões. O déficit registrado nesse período foi de US$ 25 bilhões.
No mandato de Dilma Rousseff, em 2011 e 2012, as importações continuaram em ritmo forte e as exportações também, mas a balança comercial já começou a refluir de US$ 28 bilhões para US$ 25 bilhões, enquanto os serviços subiram para US$ 81 bilhões. Resultado: um déficit médio nesse período de US$ 53 bilhões. Em 2013 já se aponta para um déficit de US$ 80 bilhões.
US$ 10 bilhões/ano
Essa questão está intimamente ligada ao câmbio e vamos falar sobre ele. Vejamos uma série histórica, descontando a inflação brasileira pelo IPCA [Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo] e a inflação americana pelo índice de preços ao consumidor daquele país. De 1980 até 1985, houve um processo muito grande de inflação. Depois tivemos o problema da saída de dólares, dificuldades com as contas externas nesse período e o câmbio caiu para R$ 2, em 1990. Sofreu um novo processo de depreciação, antes do Plano Real, em 1994, e em 1995 ficou em R$ 2,50, em valores de hoje. O Plano Real teve como pressuposto o dólar paritário, um real/um dólar, mas só naquela época. Transformando em valores de hoje, tanto o dólar quanto o real, esse câmbio seria de R$ 2. Houve, portanto, uma estratégia do Plano Real, no sentido de valorizar nossa moeda, o que se deu através de um aumento substancial na oferta Selic [Sistema Especial de Liquidação e de Custódia] para atrair capital especulativo. Ocorreu um aumento fortíssimo e o rendimento financeiro desses títulos especulativos passou de US$ 1 bilhão a US$ 4 bilhões com o Plano Real, um salto de um ano para o outro, e de US$ 4 bilhões pulou para US$ 10 bilhões. Nos últimos cinco ou seis anos houve uma sangria, vamos chamar assim, de US$ 10 bilhões por conta de aplicações em títulos em carteira de estrangeiros.
Essa questão praticamente não é analisada. É informada, é oficial, aparece no site do Banco Central, mas o rombo que o país possui pelo fato de oferecer uma Selic fora do contexto internacional não é explorado. Quem vem para cá aplica o dinheiro a taxas muito baixas e retorna. Um ganho praticamente sem risco que nos custa US$ 10 bilhões ao ano.
Hoje o câmbio está em torno de R$ 2,30 a R$ 2,35. No início do governo Lula houve um período de insegurança no mercado e uma fuga de dólares expressiva, que realmente levou o câmbio para um valor muito alto. Se há um mal em elevar tanto o câmbio, há também um bem, porque isso facilitou nossas exportações, ou seja, juntamos um câmbio favorável com um cenário internacional que já começava a se delinear como francamente crescente. Entre 2003 e 2004, o comércio internacional sofreu um impacto muito benéfico, em especial puxado pelo Leste Asiático, pela China, principalmente. Mas depois o câmbio despencou até atingir o mínimo histórico, em 2011, de R$ 1,80, em valores de hoje. Em 2012 subiu um pouco e agora está nos R$ 2,35. Estamos com o câmbio abaixo da média histórica, que é de R$ 2,81, medida de 1980 até hoje.
Há muita discussão em torno da questão de qual deve ser o câmbio. São muitas as análises e cada uma defende um tipo. Se quisermos os fundamentos econômicos em equilíbrio, precisamos de um déficit nominal zero e de transações correntes zero, ou seja, equilíbrio nas contas internas e externas. Isso não vai conduzir necessariamente ao crescimento, mas é condição para isso.
Inflação, um fantasma
Em relação ao crescimento, penso de uma maneira bem diferente do que vem sendo dito. Há muita preocupação com as questões de inflação no Brasil. Temos, sim, de nos preocupar com ela, mas acho que o que tem marcado a política econômica, não apenas nos governos Lula, Dilma, Fernando Henrique e governos anteriores, é o medo do fantasma da inflação. Toda vez que discutirmos questões de economia vão sempre prevalecer ideias assim: “Ah, mas isso vai causar inflação...” Consequentemente, o Banco Central eleva a Selic. É como se a doença fosse a inflação e o remédio, aumentar a taxa básica de juros. Realmente, a taxa básica de juros tem um efeito sobre a inflação, mas nem tanto na formação de expectativas, é mais um efeito de câmbio. Se oferecemos uma Selic alta em relação ao padrão internacional, os dólares vêm para cá, o mercado assume um risco que é pequeno, já que o governo está sempre honrando seus títulos. Nessas condições, conseguimos manter o câmbio apreciado, ou seja, de R$ 2,30, que está abaixo da média histórica e muito abaixo da nossa tendência histórica.
Dessa forma, o Banco Central aumenta a Selic, o câmbio fica apreciado, barateia os produtos importados e encarece a exportação. Como estamos num cenário internacional de grande disputa, que aumentou substancialmente com a crise, Estados Unidos e Europa — que antes eram grandes consumidores em expansão — começaram a diminuir o ritmo de compras e a disputar mais o mercado externo, já que o interno não estava oferecendo a perspectiva de ampliação de vendas. A China, que tinha grande parte de sua exportação destinada à Europa, aos Estados Unidos e também a alguns emergentes, teve de redirecionar um pouco sua oferta para o resto do mundo e para os países que ainda estavam crescendo a um certo ritmo.
Diante de tanta disputa, os governos dos Estados Unidos, da Europa e do Japão desvalorizaram suas moedas, com injeção maciça de dólares, euros e ienes no mundo, que inicialmente visavam socorrer o sistema financeiro ameaçado de colapso. Ao mesmo tempo, depois da quebra do banco americano Lehman Brothers, o sistema financeiro europeu também começou a acusar problemas sérios e aí vieram as injeções maciças de moeda na economia para resolver a questão imediata e mais grave que era a ameaça de quebra de bancos e também para fortalecer as empresas que disputariam o mercado internacional. Enquanto isso, nós ficamos mais cuidadosos, com muito medo de o câmbio sair do controle e a nossa liquidez permaneceu praticamente inalterada, constituindo uma das mais baixas do mundo. Isso faz parte do próprio processo de controle inflacionário, ou seja, Selic alta e liquidez baixa são condições fundamentais, usadas pelo Banco Central para conter o processo inflacionário.
Nessas circunstâncias, quando há estímulo ao consumo, como vem ocorrendo, em vez de serem atendidos pelo mercado interno, os consumidores são atraídos pela importação, o que significa redução do PIB.
Então vamos agora a uma proposta. O Brasil deve continuar a explorar o consumo? Uns dizem que não e argumentam que há um excesso de endividamento nas famílias. Penso que há realmente um certo comprometimento da dívida, mas cerca da metade dessas parcelas são juros. Se verificarmos as estatísticas da Anefac [Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade], que são mais abrangentes que as do Banco Central, vamos notar juros ao consumidor, à pessoa física, praticamente estáveis em 120% ao ano. Alguém que compra um produto financiado pelo crediário em 12 meses paga 120%, ou seja, compra um bem e paga mais do que um bem. Isso é o maior freio na economia que existe. Portanto, não há que falar em crescimento econômico que desconhece a taxa de juros da economia. A taxa de juros para empresas nesse período era de 60%, metade da do consumidor. Com a intervenção da presidente Dilma, ela caiu. Mas caiu para quanto? Para 90% e a das pessoas jurídicas foi de 60% para 45%. É uma queda? É. É para comemorar? Não. Porque 90% continua sendo um freio na economia.
Como comparação, os emergentes praticam, há vários anos, juros ao consumidor em torno de 10% ao ano, e os desenvolvidos, de 3%. Tenho uma série histórica longa, desde o ano 2000, mês a mês, e não houve um mês sequer em que o Brasil não despontasse como a maior taxa de juros ao consumo. Se não for removido esse freio, corremos o risco de não usar o potencial de consumo saudável que a população brasileira tem.
Então, para começar a abrir a perspectiva de crescimento econômico, temos de restaurar o potencial que o país tem do ponto de vista de consumo. Não estou falando de outros aspectos importantes, como a redistribuição de renda, que são fundamentais para o crescimento. Também não estou falando das questões de carga tributária, que são absolutamente necessárias para baixar preços. Nem estou falando em cadeia produtiva, em que há vício de contaminação a partir de seu início, fazendo com que os preços no Brasil sejam caros, e há o equívoco de não baixar fundamentalmente as tarifas de importação na base da cadeia produtiva, que é o problema central. Infelizmente, essa discussão é muito preliminar no Brasil. Concentra-se em juros, em câmbio e não se consideram as contaminações de cadeias produtivas.
Mas esse não é o assunto que vou abordar aqui. Quero tratar apenas do seguinte: se quisermos crescer é necessário remover o freio ao consumo. Segundo, baixar a Selic, condição absolutamente essencial para o governo ter as contas em equilíbrio, colocando a taxa no nível internacional dos emergentes, que é da ordem de 5,6% nominal. E ao mesmo tempo estabelecer numa tabela as tarifas cobradas pelos bancos, já que é um absurdo o que existe hoje em termos de tarifas bancárias. Com os ganhos de tesouraria, os balanços dos bancos são realmente impressionantes. Os ganhos na prestação de serviços bancários mais do que cobrem toda a folha de pagamento e o processamento de dados.
Se fizermos isso, os bancos vão ter de cumprir o dever de casa, que é oferecer crédito e adotar uma disputa mais sadia no mercado. Aí, sim, como no mundo todo, as taxas de juros começarão a ter um nível razoável para a economia poder deslanchar.
Ao baixar a Selic, o governo teria a grande vantagem de promover uma redução expressiva na conta de juros. Possivelmente, baixando para 3% ou 2% do PIB, com o tempo ocorreria uma redução importante no custo de carregamento das reservas internacionais.
Fazendo essas coisas, o câmbio tenderá naturalmente a subir e aí voltará a discussão sobre a inflação. Vejamos: em 2011 o câmbio estava em R$ 1,80 em dinheiro de hoje e R$ 1,67 em valores médios de 2011. Atualmente em R$ 2,35, que é como está mais ou menos girando sem grandes intervenções, temos 40% de desvalorização cambial. A inflação nesse período não chegou a 10%, somando tudo. Ou seja, houve inflação? Não. Em 2011, a inflação bateu no teto da meta, que foi de 6,5%. Em 2012 recuou para 5,84% e em 2013 deve ficar num nível próximo desse, 5,8% ou 5,9%.
Então temos de começar a dar liquidez à economia. Emissão monetária em vez de emissão de títulos, como fizeram todos os países. E precisamos promover uma discussão mais aprofundada sobre a inflação.
Debate
CLÁUDIO CONTADOR – Na questão da inflação, a administração Dilma está numa tremenda armadilha. Não é só o câmbio que ela não tem como segurar. Vejam o caso dos preços monitorados. Monitorados é eufemismo para controlados ou tabelados. Sabemos para onde isso vai levar. Se verificarmos os dados estatísticos, veremos que os preços monitorados estão para baixo e os livres estão para cima, causando problemas. E a Petrobras não é o único foco de preocupação. Em algum momento o governo vai ter de liberar os preços e então o IPCA vai se ajustar.
Outro ponto sobre a inflação é que temos ainda resquícios de indexação, que não foram totalmente afastados. Enfim, são as práticas problemáticas de tentar controlar preços que sabemos aonde vão desembocar.
FRANCISCO BARBOSA – Uma característica da evolução brasileira que os dados apresentados revelam é a volatilidade do câmbio e da taxa de juros. Temos um sistema que sofre um processo de pressão, algo meio autodestrutivo. Comparo com um animal engessado que precisa quebrar o gesso para se movimentar. É o gesso de preços, de controle de câmbio, regulação trabalhista. É uma espécie de entrave para a movimentação da empresa.
Quanto ao déficit nominal, ele caiu para um patamar bastante razoável, mas o que contribuiu para isso foi uma elevação substancial da carga tributária. Não sei se uma coisa compensa a outra. Há outras questões a colocar, mas no caso do câmbio faço acompanhamento desde o início do real, deflacionando a taxa pelo IPA [Índice de Preços ao Produtor Amplo] da FGV [Fundação Getúlio Vargas]. O IPA é a taxa que afeta as empresas, não tem itens de consumo e de serviços. Para ter o câmbio igual àquele um por um do período Fernando Henrique Cardoso, que deu problema, a taxa hoje deveria que estar acima de R$ 3,20. Outra coisa, o efeito câmbio é muito lento. Por exemplo, até agora não criou problema o aumento de preços com a subida da taxa do dólar, só que na negociação de produtos importados a briga está feia. No comércio de materiais de construção, que depende do dólar, tudo está sendo negociado com 10% a 15% de aumento que provavelmente será repassado.
Outro ponto importante é a taxa de juros. O governo a manipula para segurar a demanda, mas o consumidor não se preocupa com essa taxa. Quem é sensível a ela é a empresa. A elevação dos juros inibe a oferta, que está vinculada à taxa de juros. Quando a demanda é sensível à taxa de juros, ela adia as compras e acumula reserva. A oferta é destruída. No momento seguinte, de reposição do estoque, a demanda adiada se recompõe mais rapidamente do que a oferta e a inflação volta. Todas as vezes que tivemos achatamento da taxa de juros a inflação retornou em seguida. Por isso digo que o Brasil hoje está prenhe de duas coisas, inflação alta, que vai acontecer, e baixo crescimento. Para abortar o problema do crescimento é preciso parir a inflação alta antes.
LENINA POMERANZ – Parir a inflação significa que ela tem de subir?
FRANCISCO BARBOSA – Tem de subir, caso contrário não se resolve a questão do câmbio.
MÁRIO ERNESTO – Pela sua exposição, temos seis problemas a serem resolvidos: o momento da liquidez, a redução de juros, a distribuição de renda, a mudança de câmbio e das tarifas, a redução de tributos e a segurança para investimento. Tenho sentido na área em que trabalho que o principal inibidor dos investimentos é a insegurança jurídica. Os empresários têm dúvidas sobre o que vai acontecer amanhã. Aliás, você abordou a falta de visão estratégica do governo. Isso é um fator que atrapalha o investimento. Um aspecto que me parece importante e também não é levado em conta é o bônus demográfico. Ele traz uma redução do desemprego e melhoria na distribuição de renda. Provavelmente, como dizia Stephen Kanitz, em alguns anos não vamos precisar mais construir escolas nem creches, porque a população será atendida pelas que já estão montadas.
JOSÉ ROBERTO FARIA LIMA – Deus criou o céu e a terra, o resto a China fez. Acabo de voltar dos Estados Unidos e tudo o que se vende lá é feito na China. Esse elemento novo, a empresa transnacional ou transideológica, é hoje o grande player da economia mundial. São US$ 55 trilhões que circulam à velocidade da luz pelo planeta, buscando um porto seguro. Tudo que vi lá existe aqui, mas é quatro vezes mais caro.
Você falou sobre os juros, fez uma análise de uma série de componentes, mas não citou com mais ênfase os impostos. Tiradentes, por um quinto, ou seja, 20%, fez todo aquele movimento. Hoje estamos pagando praticamente dois quintos do PIB em tributos, um absurdo, e ninguém fala nada. E esse dinheiro é alocado de forma aleatória, sem visão estratégica, sem definição do que o país quer. Gostaria que você me desse uma rota, um caminho que podemos seguir para modificar a ação do governo. Como neutralizar esse viés ideológico que nos afeta? Temos de ser pragmáticos, como a China. Estamos exportando matéria-prima, que daqui a pouco vai acabar. Estamos matando nossa indústria, em vez de investir em ciência, em tecnologia, em capital humano.
AMIR – Primeiro, o controle de preços. Não sei se minha visão é um pouco idealista, mas o mercado hoje, com tanta informação, vive em uma crescente competição. As pessoas são mais informadas, escolhem melhor. Para a maioria dos produtos o mercado resolve, porque há uma concorrência internacional. Mas existe um conjunto de produtos sobre os quais é preciso haver questionamento. Concordando ou discordando, há que se aprofundar nessa questão. Se o governo reduzir a carga tributária, se os juros ficarem muito bons em termos internacionais e tivermos condições de paridade e competição, vai pegar na questão dos insumos. Um estudo da Abimaq [Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos], de março de 2010, mostra que 55% da diferença de custos entre Brasil e Estados Unidos ou Alemanha, países tomados como referência, se deve a insumos. Os juros afetam 21%, se não me falha a memória. Depois temos a infraestrutura com 9% e os impostos com 7%. Aí vem a parte que chamam de burocracia, o tempo que as empresas perdem para cumprir as obrigações tributárias, e a gestão, 1%. E um monte de outras coisinhas para completar os 100%. O que chama a atenção, e vi isso em trabalhos também da Fiesp, é a participação muito alta dos insumos.
Não é que o governo precise controlar os preços, mas deve de alguma forma olhar essa questão e eventualmente, veja bem, eventualmente, usar imposto de exportação. Devemos ter uma política tarifária muito bem equilibrada. Esse fato merece mais reflexão, mais debate.
Francisco Barbosa levantou a questão de que o déficit está sendo reduzido por causa fundamentalmente do aumento da carga tributária. Sim e não. A série histórica da carga tributária, que cresceu praticamente subindo uma ladeira, com oscilações muito pequenas, desde 1960, atingiu em 2002 uma carga tributária já bem próxima da de hoje. Não tivemos grande subida entre 2003 e 2012, a de 2012 deve fechar muito próximo da de 2011 e em 2013 corremos o risco, se a arrecadação ficar como está, de não termos evolução nenhuma na carga tributária. Talvez ela até possa cair, como em 2003 e 2009. Quando os anos são ruins, a carga tributária cai, porque a arrecadação cresce menos que o PIB. Mas essa discussão fiscal é muito mais profunda. Ela tem a ver fundamentalmente com a receita, que tem a ver basicamente com o crescimento, com a eficiência das máquinas fazendárias, com a inadimplência. Também se baseia na gestão pública das despesas, que é frágil demais, tanto no custeio como no investimento. Os investimentos no Brasil são extremamente mal conduzidos, mesmo os que são entregues à iniciativa privada, pois falta controle. Não que a iniciativa privada não saiba fazer investimento, longe disso, mas, quando ganha uma licitação, o setor público não está preparado para controlar. Não se trata de segurança jurídica, mas segurança de fato, que é importante porque o empresário que se relaciona com o setor público está sempre sob a ameaça de não receber ou de ter de receber na Justiça.
Quanto à questão da gestão pública, não faltam ideias boas, simples e práticas que permitam reduzir a despesa pública sem sacrificar a ação do governo, ou seja, com o mesmo recurso pode-se fazer muito mais do que vem sendo feito. Prefeitos, governadores e o governo federal não precisam dizer que necessitam de mais dinheiro. Se eles começarem a controlar suas despesas, daremos um salto expressivo na questão fiscal. Não estou preocupado com déficit nominal zero, o que interessa é saber usar bem o dinheiro da sociedade.
Uma coisa que chama a atenção é a falta de análise sobre estados e municípios, tudo se concentra no governo federal. Se excluirmos a parte financeira, que são os juros, 64% da despesa pública é feita por estados e municípios.
Em relação à questão do efeito lento do câmbio, é corretíssima a avaliação. Há todo um processo de negociações, especialmente na exportação. Operei um bom tempo no mercado internacional e minha experiência me permite não ter esse medo tão grande de que os preços possam subir na mesma proporção do câmbio. As estratégias de formação de preço são ditadas de acordo com o mercado de cada país. Então, se sou um exportador, verifico minha posição estratégica comercial e de marketing no mercado do meu importador, em questões de distribuição, logística etc. E fixo o preço para manter minha participação ou ampliá-la, tomando a decisão empresarial adequada. Aí, se mudar o câmbio, posso mexer no meu preço, ajustá-lo, tenho margem para isso. Como os preços no Brasil estão elevados, em termos internacionais, há margem para queimar.
Dizer que a taxa de juros trava a oferta é correto. A taxa de juros à pessoa jurídica é uma alternativa de aplicação e uma trava especialmente no investimento e no capital de giro. Isso de um ponto de vista mais imediato, especialmente para empresas médias e pequenas, que dependem de empréstimo bancário. Com relação à taxa Selic para efeito de controle da demanda, tenho restrição, porque impacta pouco.
FRANCISCO BARBOSA – Acontece que, quando se eleva a taxa de juros, a oferta se contrai e isso implica no emprego, que terá efeito na demanda com uma defasagem. A demanda do consumidor vai cair depois que já caiu a oferta, porque o estoque permite o desbalanceamento. Na verdade, o consumidor é afetado pela redução do emprego.
AMIR – Nunca tinha ouvido esse argumento, mas acredito que não está havendo muita mudança no emprego, porque a decisão empresarial de dispensar também não é imediata. Enfim, é corretíssimo o que você disse, que a taxa de juros básica influi na oferta. A inflação tem de subir? Não acho que deva subir e penso inclusive que temos pouquíssimo comando sobre a inflação, a não ser pelos preços monitorados, porque não controlamos os valores de serviços e eles representam aproximadamente 30% do IPCA – os monitorados são 20% e os comercializáveis 50% mais ou menos.
FRANCISCO BARBOSA – Mas o Banco Central já não está prevendo a mesma taxa para daqui a dois anos?
AMIR – Vejam que interessante, eles erram na previsão do mês seguinte, mas preveem a taxa para daqui a dois anos. E o Banco Central usa a atividade financeira para aferir o mercado. Aí a imprensa toda fala em mercado, mas trata-se do mercado financeiro. Para mim as reuniões do Copom [Comitê de Política Monetária] são uma coisa kafkiana. Leio todas as atas, uma frase diz que vai subir a inflação, outra diz que vai cair, parece charuto em boca de bêbado. Depois sacam a conclusão de que têm de fazer não sei o que e usam sistemas sofisticadíssimos de projeção. Quando há insegurança nas premissas, um sistema sofisticado não resolve absolutamente nada, pode até agravar o problema. O importante é olhar as condições mais adequadas.
Quanto à insegurança jurídica, concordo integralmente com o argumento, mas não sei como mexer nisso.
Já a China, que trouxe uma mudança qualitativa na disputa internacional, no fundo envolve basicamente uma disputa de custo de mão de obra. Na medida em que os chineses usam a política do excesso de gente querendo trabalhar e, portanto, pagam salários muito baixos e com proteção social reduzida, estão promovendo uma grande competição internacional de mão de obra. O trabalhador americano e o europeu estão concorrendo com o do Leste Asiático, já que lá há países em condições piores do que a China, nesse quesito.
Finalmente, a questão dos impostos. Não toquei nela porque resultaria em muita discussão, mas penso que simplesmente não é possível fazer reforma tributária. A culpa não é da União, nunca é da União, não importa quem seja o presidente e a equipe que esteja lá. A culpa é dos governadores de estado, 80% de sua arrecadação depende do ICMS e toda reforma tributária mexe com esse imposto, ou seja, com 27 legislações. Um acordo entre governadores e secretários de Fazenda é impossível. Entra governo, sai governo, vem uma proposta de reforma tributária, cada parlamentar coloca emendas para defender seu estado ou município e aquilo vira um verdadeiro Frankenstein tributário. E depois de três ou quatro meses a proposta é enterrada no Congresso. A mídia bate no governo federal de plantão, dizendo que ele não tem vontade política. É impossível um acordo sobre o ICMS, a menos que haja um regime militar que tome conta do país ou que o Supremo Tribunal Federal saia de sua imobilidade e acabe com a guerra fiscal, que já disse estar fora da lei.
O sistema tributário é altamente regressivo. É antidesenvolvimentista, porque pune a renda mais baixa e consequentemente tira poder de compra na base da grande massa de consumo. Quando a gente fala em reforma tributária, não há que se considerar se é simplificação ou se é disputa federativa, mas deve-se pensar em quem paga a conta. Ela nunca foi feita com a preocupação no contribuinte.
LUIZ GORNSTEIN – As aposentadorias no Brasil em 2012 custaram R$ 317 bilhões, enquanto as universidades federais receberam R$ 2 bilhões. Adib Jatene afirmou em artigo que se vendeu a ideia de que a carga tributária é alta, de 36%, mas desse total 14% voltam para os aposentados. Portanto, a carga é de 22%. Para um país tão desigual é uma carga ridícula e se vende como alta. O que acha disso?
NEY FIGUEIREDO – O senhor é a favor da tese de que pode haver mais inflação e o país crescer? O crescimento é mais importante do que a inflação? E qual sua opinião a respeito dos programas sociais, como o Bolsa Família e outros tantos que foram criados?
JOSEF BARAT – Você começou a palestra falando do potencial de desenvolvimento e das travas a esse potencial. A indústria brasileira é pouco competitiva, não só por causa do câmbio, mas também porque não possui disponibilidade de infraestrutura, não tem qualificação dos recursos humanos nem apresenta inovação tecnológica. Então estamos ficando para trás, não apenas por uma questão renitente do câmbio, mas porque não conseguimos resolver problemas fundamentais da estrutura econômica do país. Como sair de uma situação dessa? Digamos que o câmbio hoje fosse R$ 3,20. Os portos continuam congestionados, a mão de obra é desqualificada e o Brasil não consegue gerar tecnologia. Como sair desse nó?
AMIR – Em primeiro lugar, não sei sair dos nós. É muito nó, e cada vez que faço uma palestra aparece mais algum.
Primeiro, a questão do dinheiro que vai para aposentadoria. Sou um grande defensor do sistema geral de aposentadoria e radicalmente contra a forma como foi conduzida, e passou desapercebida até recentemente, a mudança na aposentadoria dos servidores públicos. O rombo é muito maior e atende a um milhão de aposentados. Não me incluo entre aqueles que querem reduzir direitos dos aposentados, pelo contrário, penso que eles deveriam ganhar melhor.
Costumo falar em carga tributária útil, que é a diferença entre os 36% de hoje e os juros, que são 5% a 6% do PIB. O dinheiro que sobra é útil para se fazer tudo, infraestrutura, custeio etc.
Não falei em infraestrutura, porque não tenho um bom domínio do tema. É indubitável que ela constitui um problema seriíssimo. Ela poderia receber mais recursos não só do governo federal, mas dos estaduais também. Infelizmente, o dinheiro, além de ser mal gasto, é subtraído por uma questão de juros. A burocracia também é outro ponto fundamental. Tive a oportunidade de trabalhar durante oito anos com o saudoso ex-ministro Hélio Beltrão, um grande administrador, uma pessoa que se concentrava no essencial e sabia delegar, ter equipe. Ele dizia que a ideia fundamental da burocracia é que ela parte do princípio de que o cidadão é desonesto.
Eu sempre sugiro ao governo mexer com a burocracia, porque dá um sucesso político extraordinário descomplicar a vida das pessoas e não custa absolutamente nada, não precisa de dinheiro.
Você falou de inflação versus crescimento. Penso que as duas coisas caminham de forma separada e até se ajudam. Não sou daqueles que acham que há uma oposição entre inflação e crescimento, penso que a inflação tem suas vias e o crescimento, as dele. Uma das questões que não se coloca muito é que, quando há mais crescimento e as empresas aumentam a escala de produção, elas têm custos unitários mais baixos, então entram em posição comercial mais agressiva e operam perto do custo marginal. Trabalham de maneira mais ampla, ganham musculatura para exportar e começam a disputar o mercado externo.
Acredito que o único instrumento que as autoridades têm para controlar a inflação são os preços monitorados, que estão segurando com mão de ferro. Não conseguem influir nos serviços, pelo desbalanceamento entre oferta e procura, e atuam nos produtos comercializados pela importação, pela questão do câmbio que se mantém apreciado. Mexer no câmbio, que pressupõe mexer na Selic, é tirar essa entrada que considero muito ruim para o país, que são os dólares especulativos, US$ 10 bilhões que saem todo ano. Se mexer nisso, o governo federal terá recursos para cobrar ainda mais pela questão da infraestrutura.
Quanto ao Bolsa Família, sou francamente favorável a programas de distribuição de renda. Mesmo que possam ter falhas, e todos os programas massivos têm falhas, de fato dão um pouco de alento às pessoas e esse dinheiro retorna para a economia: não é um dinheiro que fica na poupança, a pessoa gasta. E o valor é baixo, o Bolsa Família em 2013 vai gastar R$ 23 bilhões, 60% acima do ano anterior. Isso é pouco comentado, Dilma deu um grande impulso aos programas e gastamos R$ 23 bilhões mexendo apenas 1,5% na Selic. Você oferece dinheiro com uma mão e retira com a outra. A posição do governo com relação à distribuição de renda tem de ser olhada num espectro mais amplo. Eu daria mais para o Bolsa Família, porque acredito que isso é saudável, não apenas pela questão humana, mas fundamentalmente porque é desenvolvimentista, algo que volta e ativa a economia e no fundo todos ganham.