Postado em 11/05/2014
Por: CECILIA PRADA
A sucessão de planos municipais de recuperação da zona central de São Paulo, nos últimos anos – foram pelo menos seis –, animou em intenções e grandes discussões o movimento urbanístico da cidade. A situação da área é de tal complexidade, tão eivada de paradoxos, tão poluída por interesses múltiplos – que vão de projeções políticas a consolidados interesses econômicos – que qualquer atuação decisiva corre sempre o risco de ser ineficiente, e mesmo prejudicial à população. Foram realizados, sem dúvida, melhoramentos e mudanças em alguns locais como o Vale do Anhangabaú, praças centrais e ruas tradicionais, para uma “requalificação” – como se prefere dizer hoje – de áreas de moradia e trabalho, melhor visual, uma qualidade de vida mais elevada. E está longe, felizmente, o tempo em que grandes remodelações urbanas se sujeitavam apenas ao capricho e humor dos administradores, e se pleiteava mesmo a destruição total e as desapropriações em massa do centro, em prol de meros interesses imobiliários.
Chamada a participar de projetos mais sofisticados, como o atual Centro, Diálogo Aberto, que se diz um “processo de ressignificação das formas com as quais os cidadãos irão usar esse espaço da cidade”, a população de alguns bairros antigos procura valorizar seus principais marcos arquitetônicos, sua vivência diária, a multiplicidade e a convivência de suas muitas e coloridas tradições.
Um bom exemplo disso é o Bexiga, popularmente chamado de Bixiga, que tem uma característica curiosa: ele é um bairro inexistente. Pelo menos, é dado como tal para quem o procurar inscrito nos registros administrativos municipais. Não oficialmente, corresponde a uma área muito concreta e viva, delimitada pela Rua Major Diogo, Avenida Nove de Julho, Rua Sílvia e Avenida Brigadeiro Luís Antônio, no distrito da Bela Vista, na região “Centro” de São Paulo. O mesmo acontece com os seus limites temporais – conforme se situe o início de sua história em 1878, ou em 1559, um “bairro que não é um bairro” tal como se apresenta e teimosamente insiste em existir.
Bexiga, entretanto, está lá, bairro das cantinas e dos costumes italianos, que parece conservar ainda, em cânfora, alguns pitorescos e centenários moradores, bares famosos, casinhas coloridas, oficinas de artesanato, ruidosa vida noturna, tradições religiosas, teatros e museus típicos. É famosa sua feira de antiguidades aos domingos na Praça Dom Orione, a escadaria que liga seus dois níveis, ladeada pelo Museu dos Óculos Gioconda Giannini, e que vai até um de seus mais importantes teatros, o Ruth Escobar. E algumas edificações históricas interessantes, como a Casa da Dona Yayá, hoje sede do Centro de Preservação Cultural (CPC) da Universidade de São Paulo (USP), e a famosa Vila Itororó, de complicadíssima história, antiga mansão eclética construída com fragmentos do demolido Teatro São José, decaída em cortiço, semirrecuperada eternamente em projeto cultural.
Principalmente, um bairro de mixagem racial, de convivência pacífica e antiga entre dois segmentos populacionais, o dos imigrantes, principalmente de origem calabresa, e dos negros. Estes, presentes desde o tempo em que se refugiavam nos seus matagais, fugindo dos capitães do mato, e, ainda hoje, atuantes na tradição carnavalesca, na Escola de Samba Vai-Vai – que tem ali a sua sede –, e no centro de compositores do samba paulista.
Em 1878, mais exatamente no dia 1º de outubro, foi oficialmente inaugurado o “Novo Bexiga”. Dia de festa grande, adrede preparada, com banda de música e barulhento foguetório e – quem diria? – a presença do próprio imperador dom Pedro II, para lançar a pedra fundamental (transportada, qual paciente maligno, em padiola, da Praça da Sé até o local), de um hospital destinado aos doentes do mal de bexigas – donde, na opinião de muitos, a origem do nome do bairro. Uma casa de saúde que ocuparia uma extensa área compreendida pelas ruas Santo Antônio, da Misericórdia (atual Abolição), São Domingos e Conselheiro Ramalho, mas que, na realidade, nunca chegou a ser construída, também permanecendo apenas como intenção e fantasma, na dubiedade existencial característica da região. Ato formalizado por autoridades civis e religiosas, com a participação de mais de 2 mil pessoas, a bênção do arcebispo dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho e a presença sacramentadora do presidente da Província de São Paulo, João Batista Pereira. E também, como membro da comitiva do imperador, a presença de João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu (Visconde de Sinimbu), figura relevante da nossa história política e diplomática, e, na época, presidente do Conselho de Ministros.
“Antônios” demais
Quem relata esse episódio em detalhes é, entre outros historiadores, o jornalista Egydio Coelho da Silva, em um persistente “Jornal da Bela Vista” (JBV), que pode ser consultado na internet. Na opinião de Silva, a história do hospital teria sido, já naquele tempo, um golpe publicitário idealizado por Antônio José Leite Braga, proprietário de um loteamento de terrenos populares também lançado naquele dia. Pequenos lotes que seriam comprados principalmente pelos imigrantes calabreses que já haviam se espalhado pela região, dando início assim ao núcleo de cultura italiana que existe até hoje.
Todos os anos a data de fundação do Bexiga é comemorada durante todo o mês de outubro com grandes comes e bebes, desfiles de escolas de samba e eventos culturais. Outra tradição, mantida desde 1926, é a da festa de Nossa Senhora Achiropita, que tem igreja no bairro, importada da Itália e que é realizada anualmente no mês de agosto, numa profusão de missas solenes, procissões e grandes feiras gastronômicas pelas ruas, chegando a reunir até 300 mil pessoas.
Subjacente e fantasmática, porém, existe sob a história recente e bem documentada do Bexiga italiano outra crônica muito mais antiga, que remonta a 1559, fundamentada inclusive por documentos cartoriais. Nessa época, as terras que depois iriam formar o Bexiga faziam parte da sesmaria do Capão e pertenciam a Antônio Pinto, tabelião em Santos. Passaria a sesmaria, no século 17, por doação, a Fernão Dias Paes Leme, um tio-avô do famoso bandeirante do mesmo nome, e mais tarde a seus descendentes, mas no decorrer do século 18, com nomes variados – chácara da Samambaia, Chácara do Gusmão e Chácara das Jabuticabeiras – teria sucessivamente pelo menos outros quatro proprietários, só assumindo o nome de Chácara do Bexiga em 1794, quando foi vendida a Antônio Soares.
E aí começa uma confusão de antônios vários, pois não se sabe ao certo se o apelido “Antônio Bexiga” caberia a esse Antônio Soares ou a um certo Antonio Manuel, que assim figura no relato de alguns historiadores. Ninguém duvida, porém, de que haveria por volta de 1819 um estalajadeiro chamado “Antônio Bexiga”: em seu livro Viagem à Província de São Paulo, o francês Auguste de Saint-Hilaire, que esteve no Brasil de 1816 a 1822, dizia ter-se hospedado naquela data em sua pousada e ficado impressionado pela “imundície repugnante” dos quartinhos úmidos, sem forro e janelas, e tão estreitos que pouco espaço restava para o viajante se mexer. Não era de admirar, já que a capital da Província de São Paulo não passava ainda de um atrasado e minúsculo posto de tropeiros, de difícil acesso devido à sua localização geográfica de planalto, e sua distância da Corte e das cidades litorâneas, mais desenvolvidas.
Segundo historiadores como Benevenuto Silvério de Arruda Sant’Anna e Nádia Marzola (autora de História dos Bairros de São Paulo, publicado pela prefeitura de São Paulo, em 1979), não haveria dúvida quanto à origem do nome da região, “terras onde não morava ninguém e onde se escondiam escravos fugidos e pessoas portadoras da varíola (bexiga)”. Uma divergência, porém, foi registrada pelo historiador Afonso de Freitas – citado pelo jornalista e historiador Gabriel Marques em Ruas e Tradições de São Paulo (1966) –, segundo o qual o nome do bairro nasceu do fato de o proprietário da chácara comercializar “bexigas” de boi, “visto que o Matadouro Central pouco distava do ponto central daquela zona”.
Há unanimidade, portanto, no que se refere à ocupação da área, até o final do século 19, por contingentes de escravos negros fugidos, que chegaram a formar pequenos quilombos, frequentemente varejados pelos seus ferozes caçadores, os capitães do mato. E há mais: segundo ainda Gabriel Marques, o antigo largo do Bexiga (mais tarde fundido com o Largo do Piques, atual Praça da Bandeira) teria servido nos primeiros tempos de posto de venda e troca de animais (“Pátio dos Animais”) e depois de mercado aberto para o leilão semanal de escravos.
Jogo de pôquer
Mas a confusão dos antonios continuou, veio vindo e repercutindo até nossos dias – só no período de 1750 a 1794, Nádia cita mais cinco proprietários dessas terras (que pelo jeito não deviam valer muito), entre os quais mais dois antonios: Antonio Martins de Almeida e Antonio Soares Cavalheiro Gomes e Abreu. Situação que teria acabado em uma possível grilagem, já no século 19, conforme relato, baseado em documentos cartoriais, do jornalista Egydio Coelho da Silva: ele conta que em 1845, Antonio José Dias Leite teria comprado a chácara do Bexiga do Barão de Tietê (mas não especifica a data em que este a teria adquirido de Antônio Bexiga). Diz que, em 1863, Dias Leite vendeu a propriedade a Thomas Luiz Álvares, “em pagamento de uma dívida de jogo de pôquer”.
Pesquisas apontam, porém, que 15 anos mais tarde (1878), um indivíduo chamado Antônio José Leite Braga estabeleceu, na qualidade de proprietário das terras, o loteamento do Novo Bexiga, mas sem que conste no registro de imóveis competente (Terceiro Tabelionato de Notas da Capital) documento algum que prove que ele tenha adquirido a área de Thomas Luiz Álvares. Portanto, há elementos suficientes para supor que ele simplesmente se apoderou das terras “aproveitando-se da semelhança do seu nome com o de Antonio José Dias Leite” – como afirma Coelho da Silva.
Um século mais tarde, por incrível que pareça, uma tentativa de retomada de terrenos e reintegração de posse foi impetrada por descendentes de Thomas Luiz Álvarez. Em 1980, o advogado dos herdeiros, Auto Senna, entrou com um processo alegando que, como os bens haviam sido legados a menores, não haveria caducidade dos direitos. Não houve tal entendimento por parte dos juízes, e o processo acabou sendo arquivado, tendo em vista, inclusive, os direitos adquiridos pelos posseiros dos antigos terrenos. Diz ainda Coelho da Silva que, até no início do ano de 2002, o pleiteante Dolírio Barnabé, munido de documentação antiga, procurava casas abandonadas no bairro e, sempre que podia, tomava posse delas, valendo-se de mil estratagemas.
Histórias pitorescas e personagens curiosos vão surgindo da memória dos antigos moradores e dos arquivos dos pequenos museus do bairro, que insistem em preservar suas tradições. Uma dessas figuras foi um ladrão italiano, Gino Amleto Meneghetti, que viveu 98 anos de incríveis aventuras (1878-1976), pulando como um gato de telhado em telhado ao fugir da polícia, e se declarando um “bom ladrão”, por nunca ter ferido ninguém nas suas proezas rocambolescas – apesar da polícia discordar dele e o acusar de ter matado um delegado.
Foi realmente um incrível personagem, como conta o jornalista Miguel Nítolo em matéria publicada em Problemas Brasileiros nº 318/1996, uma espécie de Robin Hood ítalo-paulistano, que dizia: “Jamais roubei um pobre. Só me interessava tirar dos ricos, e tirar joias, que são bens supérfluos que só servem para alimentar a sua vaidade”. Na década de 1920, Meneghetti morou no Bexiga, onde se sentia seguro, protegido pelos vizinhos que não o consideravam um criminoso. Chegou a dizer, em suas memórias: “A casa que comprei ficava numa região que era um reduto da grossa malandragem”.
Outro personagem fundamental na história do bairro é o “pai do samba paulista”, João Rubinato, nascido em 1910, em Valinhos, de pais imigrantes vênetos, morto em São Paulo em 1982 com o nome artístico de Adoniran Barbosa. Determinado desde adolescente – quando era apenas um entregador de marmitas – a ser artista, teve sempre de vencer enormes dificuldades para sobreviver e situar-se como ator e músico. O rádio foi seu grande meio, possibilitando o aproveitamento de uma excelente voz como intérprete de sambas e de seu talento de humorista. Mas para vencer teve de passar por duras provas – por exemplo, participar de programas de calouro e enfrentar o gongo. Insistiu, e acabou tendo um grande sucesso ao apresentar o samba Filosofia, de Noel Rosa. Em 1951, teve seu primeiro – e imortal – sucesso como compositor, com o samba Saudosa Maloca, muito divulgado, a partir de 1955, por uma gravação do conjunto Demônios da Garoa.
Samba italiano
Hoje, não há quem não conheça pelo menos parte das suas composições – como Samba do Arnesto, Joga a Chave, Trem das Onze e Tiro ao Álvaro – esta última ficou famosa em uma gravação de Elis Regina, em 1980. Sua originalidade como compositor foi a fusão entre os dois idiomas, português e italiano, rudemente falados pelos descendentes de imigrantes, e a retratação da vida cotidiana, com seus problemas e sua pobreza. Lembrando alguns exemplos, “O Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás/ Nós fumos, não encontremos ninguém...”, ou, em Samba Italiano, “Gioconda, piccina mia,/ Va brincar en il mare en il fondo,/ Mas atencione per tubarone, ouvisto?/ Hai capito, mio San Benedito?”
A mixagem dos idiomas é um fenômeno linguístico e sociológico que ultrapassa o pitoresco. Se a cidade de São Paulo já se metropolizava por volta de 1900, pois numerosos são os testemunhos de que nas suas ruas ouvia-se uma algaravia de cerca de dez idiomas que se integravam ao português (com vestígios ainda do tupi-guarani, que durante o período colonial foi mais frequente do que o português na Vila de São Paulo de Piratininga), o italiano (em seus vários aspectos dialetais) prevaleceu na fusão, dando origem a um verdadeiro idioma que Monteiro Lobato chegou a batizar de “paulistaliano”.
Nessa mesma época, a população de imigrantes totalizava 25% do estado, e, de 1882 a 1914, foram publicados em São Paulo 140 diferentes jornais em italiano. Na literatura, houve um fenômeno curioso: dois intelectuais de famílias paulistanas ricas e tradicionalíssimas, “puras” de qualquer mestiçagem, conseguiram deixar obras em que registraram a vida, os costumes, a linguagem dos operários imigrantes: Antonio Castilho de Alcântara Machado d’Oliveira (1901-1935) e Alexandre Ribeiro Marcondes Machado (1892-1933) – apesar do sobrenome parecido, e da origem comum de classe, não eram parentes.
O primeiro, morto prematuramente aos 34 anos, deixou pequenas novelas e um livro de contos importante sociologicamente e como literatura, por retratar a vida cotidiana e o ambiente dos bairros de imigrantes, Brás, Bexiga e Barra Funda. Reconhecia, porém, sua dívida para com seu “inspirador”, o cronista mais antigo, Marcondes Machado, que se tornara conhecido desde 1911 pelas “Cartas d’Abax’o Piques”, uma coluna que assinava com o pseudônimo de Juó Bananére, na revista humorística “O Pirralho”, fundada e dirigida por Oswald de Andrade.
Durante mais de vinte anos, Bananére manteve o original patois macarrônico em várias publicações ao mesmo tempo, declarando-se “poeta, barbieri e giurnaliste” (na realidade era engenheiro). Chegou a manter, em 1933, um jornal próprio, o “Diário do Abax’o Piques”, criando outros heterônimos, além do italiano Juó Bananére, cada qual correspondente a um segmento dos imigrantes: o árabe Salim Gamons (que escrevia em uma mistura de árabe, armênio e ídiche), o português Pacheco d’Eca e o japonês Tebato Nakara. Contrastando seu modo de expressão estropiada e rude com a seriedade dos assuntos de que tratava, pois sua sátira atingia os problemas mais sérios das classes trabalhadoras e mesmo os eventos políticos, e dotado de grande cultura literária, Marcondes Machado tem sido recentemente revisitado e estudado em nossos meios acadêmicos, não somente como cronista mas também pelo livro que constituiu seu maior sucesso, La Divina Increnca, uma paródia modernista da Divina Comédia, de Dante Alighieri, que de 1915 a 1966 teve onze edições.
Salas de espetáculos
Como diz a ensaísta Cristina Fonseca em seu livro Juó Bananére: o Abuso em Blague, há no humorismo desse autor uma qualidade atemporal que o filia aos grandes “irreverentes” da literatura universal, como Rabelais, Villon, Cervantes. E que o situa dentro daquela “carnavalização” definida pelo crítico russo Bakhtin, que, a partir da sátira menipeia da antiguidade e atravessando todas as manifestações religiosas e populares da Idade Média, chega até nossos dias com aquele “riso que atinge todas as coisas e pessoas”.
O Bexiga é também o bairro tradicional dos teatros. A começar por aquele que se tornou marco fundamental da modernização desse segmento no país: o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), fundado em 1948 pelo empresário italiano Franco Zampari em uma modesta sala da Rua Major Diogo, número 311, onde está até hoje. O bairro atual apresenta uma grande concentração de salas de espetáculos, algumas celebrando nome e fama de artistas consagrados, como Bibi Ferreira, Ruth Escobar e Sérgio Cardoso – sem contar a existência prévia, infelizmente não perpetuada, de outro histórico teatro, o Maria Della Costa.
Uma especial menção cabe a dois deles: o Teatro Oficina, fundado por um grupo de atores em 1958, sob a direção de Renato Borghi e José Celso Martinez Corrêa, inaugurado no início da década de 1960. Foi um baluarte de longa luta contra a repressão ditatorial e expandiu-se como um dos mais importantes centros culturais. Em sua acidentada história teve de enfrentar despejo, fechamento, incêndio, reintegração e finalmente o merecido tombamento, no seu atual endereço, Rua Jaceguai, 520. Essa batalha incluiu também a campanha constante contra a verticalização do bairro e os grandes interesses imobiliários que visavam à destruição de todo o patrimônio. O Teatro Ruth Escobar, com sua estrutura de “parafuso” assentado na Rua dos Ingleses, ao alto da escadaria que liga os dois níveis do bairro, é também um monumento histórico. Portuguesa de nascimento, mas tendo emigrado muito jovem para o Brasil, Ruth Escobar marcou presença como atriz e como produtora teatral pela sua capacidade de descobrir caminhos novos, audácia de introduzir autores estrangeiros de vanguarda, como Fernando Arrabal, Jean Genet, Bertolt Brecht, e de contratar diretores verdadeiramente “visionários” – como Victor Garcia – para realizações que ficaram para sempre gravadas na memória de deslumbradas plateias. Seu currículo profissional lista 38 trabalhos como atriz e 35 como produtora, de 1959 a 2001 – é inesquecível sua última e monumental produção de Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, no hall da Sala São Paulo, sua despedida, porque há mais de dez anos, infelizmente, foi atingida pela doença de Alzheimer.
Personalidade complexa, paradoxal, controvertida, polarizadora de grandes admirações e de muito ódio, também. Em seu livro Maria Ruth – uma Autobiografia, ela revela com a maior sinceridade que, quando mocinha, viajou pelo mundo como propagandista do governo ditatorial de Salazar. Muitos anos depois, durante o período da ditadura militar brasileira (1964-1985), empenhou-se em movimentos democráticos, abertamente, e fez de seu teatro um espaço disponível a todas as dissidências. Nos anos 1970 foi uma das grandes estimuladoras e participantes do Movimento pelos Direitos das Mulheres, e mais tarde elegeu-se como deputada federal.