Postado em 11/05/2014
Por: EVANILDO DA SILVEIRA
“Ninguém teria acreditado, (...), que este mundo era observado com atenção e bem de perto por inteligências maiores que a do homem e, no entanto, tão mortais. (...) No máximo, os terráqueos fantasiavam que poderia haver outros homens em Marte, talvez inferiores a si próprios e dispostos a acolher uma expedição missionária. No entanto, através do golfo do espaço, mentes que em relação à nossa são como a nossa em relação às dos animais que perecem, intelectos vastos, frios e insensíveis lançavam sobre este planeta olhos invejosos e, lenta e inexoravelmente, traçavam planos contra nós”. Cento e dezesseis anos se passaram desde que Herbert George Wells, mais conhecido por H. G. Wells, escreveu estas palavras no primeiro parágrafo de seu famoso livro A Guerra dos Mundos e nenhuma invasão marciana na Terra ocorreu, como ele narra na obra. Ao contrário, são os terráqueos que estão tramando invadir o planeta vermelho.
Por enquanto, a invasão ainda não é feita pessoalmente, mas por meio de naves de observação e artefatos robóticos. Uma pequena frota de mais de 40 desses objetos já foi enviada a Marte desde a década de 1960. O mais novo batedor avançado da humanidade deverá chegar lá em setembro deste ano. Trata-se da Mars Atmosphere and Volatile Evolution (Evolução Atmosférica e Volátil de Marte), ou, simplesmente, Maven para os íntimos, que foi lançada pela National Aeronautics and Space Administration (Nasa), agência espacial norte-americana, em 18 de novembro de 2013, com a missão de descobrir por que o planeta vermelho perdeu grande parte de sua atmosfera.
De acordo com o chefe científico da missão, Bruce Jakosky, quando a água líquida fluía em abundância em Marte – como demonstram muitos indícios –, o planeta devia ter uma atmosfera mais densa, que produzia gases de efeito estufa, permitindo que ele fosse mais quente e, por consequência, pudesse suportar vida. “Queremos compreender o que aconteceu, para onde foram a água e o gás carbônico (CO2) que antes formavam uma atmosfera densa”, explicou Jakosky em entrevista coletiva às vésperas do lançamento da Maven, em Cabo Canaveral, na Flórida.
Para cumprir sua missão, a sonda, que custou US$ 671 milhões, está equipada com oito sensores. A nave operará numa órbita elíptica de quatro horas e meia, que lhe permitirá fazer observações em todas as latitudes de todas as camadas da atmosfera superior do planeta. A Maven juntar-se-á às outras três sondas que atualmente estão circulando aquele mundo e a dois rovers (jipes), que fazem pesquisas no solo. Um deles é o Curiosity, superior aos demais em termos de sofisticação e que chegou mais recentemente. Ele pousou no dia 6 de agosto de 2012 e 21 dias depois já entrou para a história. Por meio dele, no dia 27, a voz humana ecoou pela primeira vez no vizinho corpo celeste. “Olá. Sou Charlie Bolden, administrador da Nasa, falando com você através da função de transmissão do explorador Curiosity, que agora está na superfície de Marte”, evocou, em inglês, a voz do chefão dos projetos espaciais americanos.
Com o tamanho de um carro pequeno, seis rodas e pesando 1 tonelada de pura tecnologia de ponta, o jipe-robô faz parte da missão Mars Science Laboratory (MSL), que, ao custo de US$ 2,5 bilhões, é a mais cara e ambiciosa enviada ao planeta vermelho desde a década de 1970. Ele ficará pelo menos dez anos atrás de seu principal objetivo: procurar sinais de vida passada ou de condições que pudessem tê-la abrigado.
Os primeiros resultados têm sido promissores. “O Curiosity tem feito muitas descobertas importantes”, diz a brasileira Rosaly Lopes, que trabalha há 25 anos no Jet Propulsion Laboratory (Laboratório de Propulsão a Jato) da Nasa, onde chefia parte dos cientistas planetários e supervisiona alguns envolvidos diretamente em missões a Marte. “Uma das mais importantes foi de que no passado havia água na superfície da cratera onde ele pousou”.
Riacho vigoroso
O achado é relevante, porque onde existia água pode ter existido vida. Os sinais encontrados do líquido são pedras arredondadas incrustadas na rocha, que teriam sido erodidas pela força da água. “O consenso da equipe científica da missão é que são seixos transportados pela água de um riacho vigoroso, com profundidade 10 a 50 centímetros”, disse Rebecca Williams, cientista ligada ao projeto, em setembro de 2012, quando foi feito o anúncio pela Nasa. Três meses depois, o Curiosity fez outra descoberta interessante. Ele realizou a primeira análise completa de uma amostra do solo de Marte, trabalho que serviu para revelar a existência de água, cloro, enxofre e indícios de compostos à base de carbono, elemento essencial para a vida. O que não significa que ela exista no planeta, pois são necessários outros elementos químicos para tanto, tais como oxigênio, fósforo e nitrogênio, além de condições ambientais favoráveis.
Há mais tempo por lá está o rover Opportunity, que chegou há dez anos. Assim como seu irmão gêmeo Spirit, que pousou vinte dias antes, mas parou de operar em 2011, ele é um geólogo robótico: pesa 180 quilos e é equipado com sofisticados instrumentos científicos que tinha por objetivo encontrar evidências de água – assim como foi encontrada – e fazer análises de rochas e de solo. Desde a chegada, os jipes enviaram mais de 100 mil fotos coloridas de alta resolução do solo marciano, bem como imagens microscópicas detalhadas de rochas e da superfície. Quatro espectrômetros diferentes acumularam informações sem precedentes sobre a composição química e mineralógica das pedras marcianas e do solo.
Das três naves em órbita, a primeira a chegar, 13 anos atrás, foi a 2001 Mars Odyssey, da Nasa, que já enviou mais de 130 mil imagens e continua a mandar informações sobre a geologia, o clima e a mineralogia do planeta vermelho. Os dados recolhidos pela nave permitiram aos cientistas criar mapas de minerais e de elementos químicos e identificar regiões com gelo de água subterrâneo. Além disso, a Odyssey determinou que a radiação cósmica na órbita baixa do planeta – uma informação essencial para eventual exploração humana por causa de seus potenciais efeitos maléficos para a saúde – é o dobro da registrada na Terra.
Resultado de uma missão conjunta da Agência Espacial Europeia, da Agência Espacial Italiana e da Nasa, a Mars Express, por sua vez, está em órbita polar de Marte. Equipada com sete instrumentos científicos, ela chegou em dezembro de 2003 com o objetivo de tentar responder a questões fundamentais sobre a geologia, o clima, o meio ambiente, a água e o potencial para abrigar vida naquele mundo. Entre suas descobertas mais relevantes – ainda debatidas por cientistas – estão evidências de atividade glacial recente, vulcanismo explosivo e gás metano, que na Terra é produzido por seres vivos.
A terceira nave em atividade no planeta vermelho é a Mars Reconnaissance Orbiter, da Nasa, que chegou em março de 2006. Levou consigo a câmera mais poderosa já projetada para uma missão de exploração planetária, capaz de fazer fotos de alta resolução, com detalhes de extraordinária clareza do solo marciano. Segundo o site da missão, enquanto as câmeras anteriores de outras sondas conseguiam identificar objetos não menores do que uma mesa de jantar, ela é capaz de detectar algo tão pequeno como um prato. Esta capacidade proporciona não só uma visão detalhada da geologia e estrutura de Marte, mas também ajuda a identificar os obstáculos que possam comprometer a segurança de naves e rovers futuros.
Internet interplanetária
Segundo a Nasa, a Mars Reconnaissance Orbiter também dispõe de um instrumento para encontrar água no subsolo. Outros equipamentos científicos são capazes de identificar minerais da superfície e estudar como a poeira e a água são transportadas na atmosfera marciana. Além disso, ainda de acordo com o site da missão, a nave funciona como o primeiro nó de uma “internet interplanetária”, um serviço crucial para os futuros artefatos espaciais. Como o primeiro elo de comunicação de volta para a Terra, ela será usada por várias sondas internacionais nos próximos anos.
O interesse da humanidade pelo seu vizinho mais parecido não é de agora, vem de muitos anos. Por exemplo, hoje, existem dados precisos sobre quase todos os aspectos de Marte. Sabemos que ele é o quarto planeta a partir do Sol a uma distância média de 227,94 milhões de quilômetros (a Terra está a 149,6 milhões de quilômetros da estrela maior do nosso sistema), e que para chegar até ele as naves viajam 78 milhões de quilômetros (distância que pode variar de 54,5 milhões a 401,3 milhões de quilômetros).
Em tamanho, Marte tem mais ou menos a metade da Terra, com um diâmetro de cerca de 7 mil quilômetros. Sua superfície é desértica e sua cor, avermelhada, se deve à presença de óxido de ferro no solo. O tamanho total de sua superfície é apenas ligeiramente menor que a área emersa da Terra. É o único planeta do Sistema Solar, além do nosso, com um clima. Também tem quatro estações, mas como seu ano dura quase dois do terrestre (687 dias) elas também duram cerca do dobro, com temperaturas que variam de 140ºC negativos no inverno e 30ºC no verão.
As observações in loco do mundo dos marcianos só começaram, no entanto, no século passado, mais precisamente no dia 14 de julho de 1965. Nesse dia, a nave Mariner 4, que havia sido lançada pelos Estados Unidos em 28 de novembro do ano anterior, tornou-se a primeira sonda terráquea a passar pela órbita de Marte, a uma distância de cerca de 9.900 km da sua superfície, um raspão em termos cósmicos. Na passagem, ela fez 22 fotografias, que revelaram crateras, e confirmou a existência de uma rala atmosfera composta em sua maior parte por gás carbônico. De quebra, a nave jogou por terra o mito que perdurava desde o século 19, segundo o qual o planeta vermelho tinha uma civilização avançada.
Antes dos norte-americanos conseguirem esse feito, os soviéticos (nome dado aos habitantes da finada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, e cuja estrela maior era a Rússia) já haviam tentado chegar lá com suas naves mais de uma vez, mas sem sucesso. As duas primeiras investidas se deram em 1960, com as naves gêmeas Mersin 1 e 2, mas nenhuma das duas conseguiu se aproximar da órbita do planeta. Dois anos depois, os russos voltaram à carga, lançando no dia 24 de outubro a Sputnik 22, que falhou na saída da órbita terrestre. Sua irmã gêmea, a Sputnik 23, enviada poucos dias depois, em 1º de novembro, obteve um relativo sucesso. Ela foi a primeira sonda da história a deixar a órbita da Terra, percorrendo 106 mil quilômetros. Mas, como suas predecessoras, não chegou lá.
Invasão terráquea
Muitos lançamentos, tanto de norte-americanos quanto de russos, se seguiram a essas incursões iniciais. Em onze anos, de 1964 a 1975, a invasão terráquea se intensificou, com nada menos do que 16 lançamentos, dez russos e seis norte-americanos. Nem todos tiveram sucesso, como é de se esperar em empreitadas difíceis como as das viagens interplanetárias. Todavia, alguns fracassos fizeram história. É o caso da Mars 2, lançada pela URSS, em 19 de maio de 1971. Foi a primeira a ser composta de duas partes, a orbiter (a nave propriamente dita, destinada a circundar o planeta) e a lander (parte da sonda projetada para pousar em sua superfície). Deu tudo certo com a primeira parte, que entrou em órbita em 27 de novembro de 1971 e transmitiu dados sobre atmosfera, superfície, gravidade, campo magnético e temperatura por cerca de um ano. A lander, todavia, teve problemas no pouso e se espatifou contra o solo marciano. De qualquer forma, entrou para a história como o primeiro objeto feito pelo homem a tocar a superfície de Marte.
A Mars 3, irmã gêmea da Mars 2, que partiu da Rússia nove dias depois, obteve relativo sucesso. Assim como no caso anterior, a orbiter entrou em órbita do planeta e uma lander foi lançada ao solo, pousando suavemente em 2 de dezembro de 1971 numa região plana. Foi o primeiro objeto humano a fazer isso, mas os equipamentos pararam de funcionar vinte segundos após o pouso, sem transmitir nenhuma informação. Juntas, Mars 2 e 3 enviaram 60 imagens e continuaram mandando dados sobre a temperatura da superfície e a composição da atmosfera do planeta até agosto de 1972.
No dia 14 de novembro de 1971, a Mariner 9, que havia chegado em 30 de maio, tornou-se o primeiro objeto dos Estados Unidos a orbitar um corpo celeste depois da Lua. Ela descobriu canais, montanhas, vales e vulcões – os Valles Marineris (Vale da Mariner) têm esse nome em homenagem à nave, que os fotografou pela primeira vez. A sonda também mandou fotos detalhadas de Deimos e Fobos, as duas luas do planeta vermelho.
As naves gêmeas norte-americanas Viking 1 e 2, lançadas, respectivamente, em 20 de agosto e 9 de setembro de 1975, se revelaram um outro grande sucesso. Cada uma delas foi incumbida de realizar uma série de experimentos biológicos na tentativa de encontrar microrganismos em Marte, mas os resultados foram controversos. As duas enviaram 4.500 fotos, além de dados sobre o solo, clima, atmosfera e mudanças sazonais no ambiente. As orbiters, por sua vez, mandaram 52 mil imagens e cartografaram 97% da superfície do planeta, com detalhes de sua topografia.
Seguir a água
Nos últimos quinze anos, as naves disparadas na direção de Marte e as pesquisas lá realizadas tiveram um objetivo preciso. “Elas foram feitas dentro de uma estratégia planejada pela Nasa e pela European Space Agency (ESA), denominada follow the water (seguir a água)”, explica Tasso Napoleão, engenheiro químico que se dedica desde a década de 1960 à astronomia amadora. Diretor geral da Rede de Astronomia Observacional, ele é co-descobridor de 15 supernovas e desde 2005 atua como instrutor e coordenador dos cursos de divulgação ministrados em parceria entre o Clube de Astronomia de São Paulo (Casp) e o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).
“O objetivo, basicamente, era verificar se existiam indícios ou evidências da existência de água em estado líquido em Marte num passado remoto, ou então subterrânea no presente. Agora, a estratégia da próxima fase, que vai durar pelo menos entre dez e quinze anos, é procurar sinais de vida e de atividade biológica”, esclarece.
Assim, aos poucos, com as naves, landers e rovers completando agora viagens bem sucedidas, um cenário mais claro e preciso vai sendo delineado. Com o que se sabe hoje é permitido afirmar que Marte deve ter tido água corrente há cerca de 3,6 bilhões de anos e vida microbiana num passado remoto e até mesmo ainda hoje, mas é inabitável para formas de vida mais complexas, como animais, plantas e seres humanos. “Qualquer pessoa que resolvesse ficar lá sem traje especial ou proteção morreria em poucos segundos”, diz Napoleão. “Seria asfixiado pelo frio ou pela radiação cósmica”.
Por isso, talvez, muita gente não entenda a razão de serem gastos bilhões de dólares para mandar naves para Marte, se não se pode viver lá. Isso não quer dizer, todavia, que no futuro não será possível. Para tanto, é certo, o planeta teria de ser modificado. E há uma alternativa, conhecida como terraformação, ou seja, a transformação dele e de seu ambiente, alterando o clima e a atmosfera e sua pressão entre outras características, deixando aquele corpo celeste mais parecido com a Terra.
Para Napoleão, é uma ideia interessante, que vem sendo discutida desde a década de 1960. “Não é impossível, mas é complicado, pelo menos com a tecnologia de que dispomos atualmente”, explica. “De qualquer forma, seria algo que levaria milênios para ser concluído”. Há uma alternativa, defendida pelos mais apressadinhos: a transformação do próprio ser humano, por meio de alterações genéticas, deixando-o adaptado às condições extremas do planeta vermelho. “O problema aqui seria ético”, alerta. “Porque estaríamos na verdade criando uma outra espécie.”
Há, porém, quem não queira esperar tanto. Uma empresa privada holandesa, a Mars One, quer começar a colonizar Marte em 2025. Para isso, já assinou contrato com as empresas Lockheed Martin e Surrey Satellite Technology para enviar robôs para lá em 2018, com vistas à preparação do local para a chegada de humanos. A ideia é enviar grupos de quatro pessoas, de tempos em tempos, para colonizar o planeta vermelho em viagens sem volta.
A empresa já está selecionando os primeiros humanos dispostos a encararem essa aventura – mais de 200 mil se inscreveram. Napoleão é cético em relação à empreitada. “Levá-los até lá pode ser possível até 2020 ou 2025”, diz. “O problema é criar uma biosfera para manter as pessoas vivas. Ninguém vai chegar com uma varinha de condão e, num passe de mágica, fazer brotar no solo inóspito do planeta vizinho coqueiros, plantas ou qualquer coisa semelhante”. Seja como for, o certo é que o ser humano não vai desistir. “Desde o início dos tempos, a curiosidade tem motivado a procura pelo novo”, disse Charlie Bolden, administrador da Nasa, em sua mensagem às areias desertas de Marte. Seja como for, uma coisa é certa: a despeito de tantos obstáculos e senões, estamos pouco a pouco preparando o caminho para a conquista de Marte.