Postado em 01/12/2014
Luiz Fernando Santoro é formado em Rádio e TV pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, mestre em Artes Contemporâneas pela Université de Provence, na França, e doutor em Ciência da Comunicação pela USP. Também é professor de Jornalismo na ECA e atua nas áreas de comunicação comunitária, convergência tecnológica e políticas públicas. É autor do livro A imagem nas mãos: O vídeo popular no Brasil e ajuda a produzir dois programas semanais: TV Cidadania, da OAB SP; e Direito Esporte Clube, do Sindicato de Atletas Profissionais do Estado de São Paulo, que passam na TV Aberta.
Como começou seu interesse pelas TVs comunitárias?
Meu contato com as TVs comunitárias se deu a partir do meu mestrado, na França. Trabalhei na TV Tupi até 1978 e saí do país um ano depois, quando entrei em contato com pessoas que faziam TV fora da TV. Sempre tive um pé na área de rádios e vídeos alternativos. Quando voltei ao Brasil, trabalhei no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde juntei militância política e a vontade de dar voz a quem não tinha. Nos anos 1980, ajudei a criar a TV dos Trabalhadores, do Sindicato dos Metalúrgicos [o canal entrou na TV aberta e a cabo em 2010, após 23 anos do primeiro pedido de concessão], e a extinta Associação Brasileira de Vídeo Popular. Também tive a oportunidade de conhecer quem fazia TV comunitária na Europa, nos EUA e no Canadá, que tinham modelos com características bem locais. O objetivo desses canais alternativos é fazer com que grupos possam divulgar suas informações, registrar movimentos e lutas que a grande imprensa não mostra. Nos anos 1990, porém, com a redemocratização do país, quase não se usou mais esse recurso.
De que forma a mídia pode contribuir para ampliar os debates sobre os principais problemas sociais do país?
Sempre entendi a comunicação de forma complementar, pois a realidade é multimídia. Não tenho preconceito com um veículo ou outro, respeito tanto a grande imprensa quanto a nanica. Mas hoje, mesmo com a explosão das redes sociais, a opinião pública ainda é formada pela grande mídia. Acredito que a grande imprensa e a TV a cabo têm obrigação de trabalhar com uma agenda que inclua debates sobre igualdade, gênero, democracia e direitos humanos. Um componente fundamental da democracia é ter programas que deem espaço para a sociedade civil organizada, como sindicatos, associações, organizações não governamentais (ONGs) e outras entidades que têm pensamentos semelhantes e desejam chegar ao coletivo.
Como as ONGs têm usado recursos da comunicação para construir uma rede alternativa de informação?
As ONGs são apenas um dos players da rede alternativa. O potencial a ser explorado ainda é muito grande. Houve uma explosão de informação escrita na internet e também uma grande invasão de produtos audiovisuais. Mas acho que a quantidade de experiências e trocas de informações na rede ainda é muito incipiente. Hoje é fácil produzir para a internet, com um largo alcance, mas não há um número tão grande de experimentos e projetos que utilizem veículos de comunicação como a TV. Temos o mundo nas mãos, muitos vídeos virais, mas isso não ocorre de forma organizada. As pessoas os veem, compartilham e esquecem; não usam esse material como um elemento de formação. O consumo desses vídeos ocorre em quantidade tão grande e tão solta que isso se dá mais como uma brincadeira, uma piada, algo exótico. Falta usá-los com atenção, de maneira educativa, didática, assim como um texto ou um livro pode ser estudado em sala de aula. Quem cria um produto audiovisual, em geral, pretende interferir nas opiniões e convicções de quem assiste, e que esse material seja visto de forma atenta, organizada e eficiente.
Como a internet, as redes sociais e os blogs têm contribuído para descentralizar a divulgação das notícias?
Essas ferramentas permitem que a informação circule mais, mas isso ainda acontece de maneira desorganizada. Alguns estudiosos acreditam que isso é positivo, mas é difícil pensar na opinião pública nesse contexto. Um jornalista não apenas divulga informações, mas garante que aquilo tenha credibilidade e precisão. Ele também pode fazer denúncias, tomar partido, mas seu texto tem que ser relevante e correto. Além disso, se por um lado as redes sociais multiplicam a circulação de notícias, há muita coisa leviana, preconceituosa, grosserias e brigas – vimos isso principalmente durante a campanha presidencial. Isso tem a ver com uma falta de educação social, com o anonimato, com o fato de não se estar frente a frente do outro.
Há cada vez mais produções audiovisuais, seja nas TVs comunitárias, seja na internet. Como isso interfere nas relações interpessoais?
Acho ótimo que as pessoas possam se expressar mais, mas ainda há muita piada e brincadeira. Faltam minidocumentários, curtas-metragens e produtos de qualidade. É preciso ter repertório antes de fazer algo: para produzir um vídeo de entrevista, por exemplo, você deveria assistir a 20 ou 30, desde a TV Globo até a TV Folha. Porque é em cima do que a gente conhece que se pode criar, é preciso ter referências, ver coisas semelhantes para fazer seu próprio material. Algumas pessoas fazem na internet uma TV dos anos 1960 e 1970, apenas gravam – e é na edição que tudo acontece. Infelizmente, esses softwares ainda são pouco conhecidos. Aprendendo as regras básicas do audiovisual, mesmo em vídeos de celular, a qualidade melhora demais. O áudio e o vídeo precisam estar bons; mais até o áudio que a imagem, porque uma imagem ruim ainda pode ter valor jornalístico, interesse, ser frisada ou ter a cor alterada, mas em um áudio ruim não dá para “dar um tapa”.
Como a TV, especialmente a TV por assinatura, pode fornecer um maior espaço à movimentação popular e social?
Os aparelhos de TV estão cada vez melhores, maiores, mais finos e sofisticados. Apesar de termos acesso a tudo pelo celular, a TV ainda tem um espaço privilegiado, de exibição na sala ou no quarto. A televisão não está desaparecendo, mas se reinventando. A TV a cabo tem uma responsabilidade muito grande de permitir que ideias, criações, pensamentos e soluções propostas por determinados grupos cheguem ao grande público. Defendo que as produções precisam ir para o ar, ser reprisadas o máximo possível e ficar disponíveis on demand na internet, para que a pessoa veja quando e onde puder. Outro problema é que, quando os produtos vão para a TV, muitas vezes têm que ser cortados para caber na grade. Um programa tem que ter o tamanho necessário, ser mais livre, menos engessado. Outro equívoco é a atual medição de audiência, que avalia apenas quantas pessoas viram um programa naquele horário. Isso é uma preocupação das agências de publicidade, não de quem está interessado na cultura e na educação. A audiência deve ser somada, cumulativa de um mês, não pontual. Além disso, é preciso ser proativo nas redes sociais, articular possíveis desdobramentos dos programas.
O senhor pode dar exemplos de sucesso de TVs comunitárias no Brasil?
Nos anos 1980, a TV Viva de Recife funcionava em praças públicas, com objetivo de crítica social, humor e de fazer com que as pessoas vissem TV juntas. Em São Paulo, a TV Aberta tem mais de 160 programas e permite que vários grupos falem. Quem sobrevive nesse meio é quem tem recursos e um discurso organizado, como igrejas e conselhos profissionais – que compram espaço e falam para nichos de interesse, como médicos e advogados.
De que forma a universidade pode contribuir para incentivar estudantes de comunicação a participar mais ativamente dessas redes alternativas?
A universidade deve ajudar a formar repertórios, mostrar diferentes estratégias, experiências e modelos, ensinar a legislação da área e deixar claras todas as possibilidades existentes. No vídeo, o que importa é uma boa história, tanto que se faz muito sucesso com câmeras de celular, de circuito interno de segurança, de cinegrafista amador. Mas tanto melhor se a pessoa conseguir enquadrar direito a cena, captar bem o áudio, editar. O curso de jornalismo ensina o básico sobre o que é uma produção de qualidade, tanto do ponto de vista técnico quanto do conteúdo. A universidade também busca formar alunos sem preconceitos, fazê-los ver que não é porque algo é velho que não tem mais sentido. O jornal, o rádio, a TV e a internet ainda vão conviver muito – não arrisco dizer por quanto tempo. Em 30 anos, não sei se ainda vai existir computador, talvez haja algo muito mais interessante. Mas formamos pessoas para trabalhar no mercado amanhã.
A nova lei da TV por assinatura no Brasil, 2.485/2011, acabou não contemplando a rede alternativa de comunicação. Poderia haver mais espaço na rede formal para essas instituições?
Para uma ONG, ter um programa semanal ou mensal pode ser suficiente. E a luta é por espaços possíveis. Se até emissoras grandes têm dificuldade para preencher uma grade de programação, imagina uma ONG. Uma opção é fazer TV na internet, não necessariamente ter um canal de televisão. A Mídia Ninja, por exemplo, é a versão contemporânea dos vídeos alternativos e populares. Eles vão às ruas, gravam vídeos sob sua ótica e mostram sua visão de mundo. Buscam falar sem intermediários, sem o jornalista da grande imprensa, sem censuras, patrões e anunciantes. Faz parte da democracia somar diferentes visões de mundo, permitir que elas coexistam e que haja tolerância. Como os canais formais não admitem esse pessoal, eles vão para a internet. Essa é a versão moderna da comunicação, fundamental para se ter uma visão plural da sociedade.