Postado em 04/03/2015
A telona sempre tem espaço para protagonistas que guardam semelhanças com algum personagem mitológico
O que a saga Star Wars e o mito de Hércules têm em comum? Para responder à questão, basta analisar o percurso dos protagonistas das duas histórias: eles são chamados à aventura, passam por provações, vencem obstáculos e, finalmente, conquistam suas recompensas. A coincidência não é pontual. Recorrente na mitologia, a figura do herói ou da heroína aparece com frequência no cinema e está presente no enredo de clássicos e sucessos recentes.
Ao longo da trajetória da humanidade, os mitos sempre aguçaram a curiosidade e despertaram interesse. O mitólogo norte-americano Joseph Campbell identificou, em 1949, um padrão na trajetória de diversos personagens mitológicos, baseando-se na psicanálise para compreender por que o mito do herói causa empatia. O estudo classifica alguns elementos que fazem parte da “Jornada do Herói”. Entre eles, estão a partida (chamado para a aventura), a iniciação (estrada de provações) e o retorno (travessia do limiar de retorno).
Propositalmente ou não, muitas histórias do cinema, literatura e teatro seguem o modelo. Batman, Django Livre e A Vida de PI são alguns exemplos de filmes recentes que se utilizam desses elementos. O cineasta e jornalista Evaldo Mocarzel observa que o mito do herói aparece sobretudo nas produções de Hollywood. “O mito do herói continua sendo explorado nos blockbusters norte-americanos, mas hoje, na minha visão, segue duas vertentes. A primeira é uma insistente infantilização de Hollywood, com incontáveis filmes de super-heróis, a maioria proveniente dos quadrinhos”, opina.
Outra vertente, segundo ele, seria a tendência a se “heroicizarem” personagens reais. “A ficção contemporânea vive uma espécie de crise e parece precisar de muletas documentárias para legitimar a ‘veracidade’ das imagens e dos sons que são criados nos filmes”, comenta. “As cinebiografias são realizações constantes nos Estados Unidos, no Brasil e no resto do mundo. Nelas, pessoas reais são transformadas em diferentes modalidades de heróis.”
O roteirista e professor da Academia Internacional de Cinema Thiago Fogaça relaciona as cinebiografias a enredos religiosos. “A jornada do herói, como o próprio Campbell aponta em As Máscaras de Deus, pode ser usada para analisar histórias religiosas. Todos os messias passam por uma provação máxima, sacrificam-se, e isso afeta a humanidade”, aponta. “Como esse tipo de história rege boa parte do nosso ‘consciente’ coletivo, podemos perceber o mesmo mecanismo psicológico em personagens de biografias, que, ao perseguir desejos e tentar vencer medos, alteram algo em seu mundo de maneira altruísta e até ‘épica’”, completa.
Thiago ressalta que seguir à risca a jornada do herói nem sempre é sinônimo de sucesso para um roteiro cinematográfico. “Infelizmente muitos executivos, produtores e roteiristas acabam caindo na armadilha de pensar que um trabalho de estudo de arquétipos míticos pode servir para tudo e, se replicado infinitamente, irá gerar resultados sempre consistentes”, explica. “O problema da jornada do herói como fórmula é exatamente sua denominação: uma fórmula. O que faz diferença é a habilidade do escritor de saber o que quer dizer com a história que conta.”
BOXE - Roteiro de mundos imaginários
Livro apresenta pesquisa sobre mitos organizada pelo historiador Christopher Dell
O hábito de contar histórias é um dos mais tradicionais comportamentos humanos. Em Mitologia: Um Guia dos Mundos Imaginários, tradução lançada pelas Edições Sesc São Paulo, o historiador britânico Christopher Dell vai até a raiz desse costume e propõe uma abordagem diferente no estudo dos mitos ao considerar as principais tradições mitológicas lado a lado: celta, greco-romana, nórdica, budista, oriental, nativo-americana, centro e sul-americana, africana e do Oriente Médio.
Em virtude da interlocução que as narrativas míticas estabelecem entre si, o livro é organizado por temas e não por culturas, o que permite ao leitor fazer comparações. Em vez de acompanhar o desenvolvimento dos mitos cronologicamente, a obra traz assuntos recorrentes conforme eles surgem mundo afora.
As imagens reunidas na obra foram coletadas de todas as partes do mundo. Algumas são contemporâneas do mundo que retratam – vasos gregos antigos, estatuetas mesopotâmicas, gravuras medievais, pinturas chinesas em seda – e outras são mais recentes.
Dividido em oito capítulos, o livro explora o que torna os mitos tão interessantes para nós, tratando de temas como o universo sobrenatural, origens e desenvolvimento do homem, o papel dos animais nos mitos, os heróis mitológicos e algumas de suas principais missões.