Postado em 10/03/2015
Por: EVANILDO DA SILVEIRA
Os relógios marcavam 3h22 da madrugada do dia 30 de novembro de 1986 quando a pequena cidade de João Câmara (RN), a 90 quilômetros de Natal, foi sacudida por um dos maiores terremotos já registrados no país em área habitada, atingindo 5,1 pontos na escala Richter. Essa magnitude foi apenas 0,6 pontos inferior ao tremor que quase riscou do mapa San Salvador, na América Central, no dia 10 de outubro daquele ano. Além de casas e construções comerciais, o sismo também jogou por terra a certeza de que a maioria dos brasileiros tinha sobre a inviabilidade desses eventos acontecerem em território nacional.
O pesquisador Luis Alberto D’ávila Fernandes, professor titular do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), garante que é totalmente falsa a ideia de que o Brasil está imune a tremores. “Muitas localidades brasileiras acreditavam estar fora das zonas de perigo e dos riscos sísmicos”, diz. Porém, ele complementa, “dois fatores mudaram esse cenário nos últimos 20 anos. O primeiro, o inegável avanço da pesquisa geológica e sismológica no Brasil, que tornou possível a produção de mapas com a catalogação das ocorrências. O segundo, a expansão demográfica decorrente da ocupação territorial. Eventuais abalos que poderiam ocorrer nessas regiões agora ocupadas sem que fossem sentidos ou provocassem qualquer dano à sociedade, hoje passam a ser extremamente importantes, mesmo que de baixa magnitude”.
Os primeiros estudos sobre o assunto realizados no país são mais antigos do que se imagina. Eles foram feitos na segunda metade do século 19 pelo engenheiro Guilherme Schüch (1824-1908), também conhecido por barão de Capanema, título que recebeu de Dom Pedro II. “Incentivado pelo imperador, ele coletou e analisou dados de tremores em todo o país e publicou, em 1859, o primeiro artigo científico sobre o tema no Brasil”, conta o sismólogo José Alberto Vivas Veloso, pesquisador aposentado e ex-chefe do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB). “O trabalho de Capanema é de inestimável valor para a sismologia, já que foi precursor na organização sistemática das informações sobre terremotos em nosso solo”.
O próprio Dom Pedro II sentiu a terra tremer sob seus pés. Às três da tarde do dia 9 de maio de 1886, passou por aquela experiência quando se encontrava em seu palácio na cidade fluminense de Petrópolis. “Foi um abalo de magnitude estimada em 4,3 pontos na escala Richter”, conta Veloso. “Imediatamente, o monarca quis saber o que de fato havia acontecido e determinou que se buscassem informações a respeito daquilo”. E foi além: como membro da Academia de Ciências de Paris, o imperador achou importante relatar os detalhes do tremor ao mundo científico. Com dados do astrônomo Luis Cruls, do Imperial Observatório do Rio de Janeiro, escreveu um informe que foi publicado nos anais da academia francesa e depois na prestigiosa revista científica “Nature”. Com isso, Dom Pedro II teria se tornado o primeiro brasileiro a ter um trabalho impresso na famosa publicação inglesa.
A história dos terremotos no Brasil, entretanto, começa, pressupõe-se, de um ponto bem mais remoto, num passado longínquo. Trata-se de um tremor de proporções inimagináveis, que pode ter atingido assombrosos 11 pontos na escala Richter, ocorrido há 250 milhões de anos no território nacional. Para uma breve noção de seu gigantismo, ele foi 150 vezes mais forte que o mais poderoso ocorrido no planeta em tempos históricos, que aconteceu no Chile, em 22 de maio de 1960, com 9,5 pontos. Essa forma de medir os sismos que chacoalham a Terra em alguns pontos, inventada em conjunto pelo físico e sismólogo norte-americano Charles Francis Richter (1900-1985) – daí o nome da escala – e seu colega alemão Beno Gutenberg (1889-1960), usa uma progressão logarítmica.
Magnitude 11
Isso significa, em linguagem simples, que cada ponto a mais na escala representa uma magnitude – ou força destruidora – dez vezes maior. Ou seja, um terremoto de 7 pontos na escala Richter libera dez vezes mais energia que um de 6, e cem vezes mais do que um de 5. Também é mito a ideia de que a escala Richter vai até 10. Na verdade, ela não tem limites, nem inferior nem superior. Por isso, matematicamente ela é considerada aberta. A ideia de que ela vai até 10 deve ter surgido pelo fato de que na prática nunca foi registrado um abalo maior do que o do Chile. “Para os grandes sismos, a história mostra que existe uma barreira natural, imposta pela própria geologia, já que as rochas têm um limite de resistência ao esforço e não podem acumular deformações indefinidamente, pois acima de certo patamar, elas se rompem”, explica Veloso.
O pesquisador acompanhou in loco e estudou por um longo período o tremor de João Câmara, experiência retratada no livro O Terremoto que Mexeu com o Brasil. No caso do evento de 250 milhões de anos atrás, Veloso conta que ele não foi causado por movimento das rochas internas da Terra, como todos os outros, mas pela queda de um corpo celeste, um meteorito, a cerca de 500 quilômetros onde hoje está Brasília. O bólido deixou uma cratera no solo, hoje erodida, com 40 quilômetros de diâmetro. “Eu e um colega calculamos que o impacto causado por esse meteorito foi de magnitude 11”, diz Veloso. “Isso provavelmente causou uma destruição absurda”.
Para a sorte dos terráqueos, essas quedas são muito raras. A mais recente a fazer um estrago considerável ocorreu há 65 milhões de anos e resultou na extinção dos dinossauros. Os terremotos comuns, que acontecem todos os dias em algum ponto da Terra, têm causas que vêm do interior do planeta. O globo terrestre é feito de camadas como, grosso modo, uma cebola. No centro está o núcleo, que se divide em duas partes, uma mais interna sólida, por causa da imensa pressão, com 960 quilômetros de diâmetro; e uma de material líquido – devido ao intenso calor –, com cerca de 2.400 quilômetros de espessura, que circunda o núcleo interno. O ponto central desta estrutura dupla – que também é o do planeta –, chamada endosfera, está a uma profundidade de cerca de 6.370 quilômetros.
Acima do núcleo líquido vem o manto, uma camada de consistência pastosa, semelhante à de um asfalto quente, com algumas partes sólidas e uma espessura de cerca de 2.950 quilômetros. Trata-se do magma, que pode ser visto quando expelido pelos vulcões em erupção. A Terra também se divide em duas partes, o manto superior, cuja temperatura é de cerca de 100ºC na sua parte de cima; e o inferior, onde ela pode chegar a 3.500ºC, na sua parte mais profunda, na interface com o núcleo. O manto é recoberto pela crosta, a camada mais superficial e menos espessa do planeta, onde vivemos, com uma média de 40 quilômetros de profundidade. Para comparar, ela é tão fina em relação ao globo terrestre quanto a casca de maçã em relação à fruta. Ela se divide em crosta continental, que pode chegar a 65 quilômetros de espessura nas regiões montanhosas; e oceânica, que em alguns lugares, como as fossas abissais submarinas, tem apenas 5 quilômetros.
A crosta, junto com a camada superior do manto, sólida, forma a litosfera, com 100 quilômetros de espessura. Abaixo dela, até 350 quilômetros de profundidade está a astenosfera, meio pastosa, meio sólida. Na verdade, tecnicamente a definição seria uma consistência dúctil, mais ou menos como o cobre ou o alumínio, por exemplo. Em seguida, até o núcleo, vem a mesosfera. Com outras palavras, Veloso explica que na faixa de 100 quilômetros de profundidade as rochas estão em estado de semifusão. “É nessa zona que se dá a separação da camada superior constituída de material rígido e quebradiço, a litosfera, de outra abaixo, mais dúctil e maleável, a astenosfera”, explica. É aqui que entram as personagens principais na história dos terremotos, as responsáveis diretas por sua ocorrência: as placas tectônicas.
Sua descoberta, na década de 1960, serviu para confirmar uma teoria mais antiga, proposta em 1912 pelo jovem cientista alemão Alfred Wegener (1880-1930), então com 32 anos, e que vinha sendo contestada havia cinco décadas: a deriva continental. Baseado em algumas evidências, como a semelhança das linhas costeiras da África e da América do Sul, que parecem se encaixar como um objeto côncavo e outro convexo, além da existência de rochas, fósseis e animais do mesmo tipo em terras hoje separadas por oceanos, ele propôs que há 200 milhões de anos todos os continentes estavam unidos num supercontinente, que denominou de Pangeia. Ao longo do tempo, essas massas terrestres foram se separando até adquirirem a conformação de hoje.
Fundo do mar
Exposta em seu livro The Origin of Continents and Oceans (A Origem dos Continentes e Oceanos), publicado na Alemanha, em 1915, a teoria de Wegener conseguiu o que raramente uma ideia científica atinge, a quase unanimidade. O problema é que esse consenso era contra a sua teoria. Havia dois motivos para a hipótese levantada por ele não ter sido aceita por seus pares no mundo científico. Um deles, sugerido por Hal Hellman, em seu livro Great Feuds in Science – Ten of the Liveliest Disputes Ever (Grandes Debates da Ciência – Dez das Maiores Contendas de Todos os Tempos), é que o cientista alemão era um estranho no ninho dos geólogos e geofísicos. “Algumas reações soaram também como um protesto do tipo ‘não-no-meu-quintal’, pois Wegener – um astrônomo e meteorologista – era visto como um intruso pelos geocientistas”, escreve no capítulo “Wegener Contra todo Mundo – A Deriva dos Continentes”.
Segundo o próprio Hellman e cientistas de hoje, o motivo principal para a rejeição da teoria era outro, no entanto. O que faltava a ela era um mecanismo, uma força capaz de mover os continentes, erguer montanhas e cavar abismos oceânicos. Wegener propunha que as enormes massas continentais se deslocavam deslizando pelo assoalho marinho sólido. Não sem razão, a ideia foi taxada de absurda. O próprio pesquisador reconhecia a falta de uma força capaz de realizar essa proeza. Na tentativa de encontrar uma solução, ele propôs que a gravidade do Sol e da Lua, atuando como faz com as marés, era a força que movia os continentes. Ou mais precisamente, os segurava.
Wegener imaginou que as gigantescas massas continentais derivavam lentamente para o Oeste, por que a gravidade do Sol e da Lua as seguravam, enquanto a Terra girava para Leste por debaixo delas. “Os físicos reagiram com sarcasmo e mostraram matematicamente que as forças gravitacionais são fracas demais para gerar tamanha peregrinação”, escreveu o paleontólogo Stephen Jay Gould (1941-2002), no ensaio “A Validação da Deriva Continental”, em seu livro Darwin e os Grandes Enigmas da Vida. “Por isso, Alexander du Toit, o defensor sul-africano de Alfred Wegener, tentou uma estratégia diferente. Defendeu a ideia de um derretimento local, radiativo, do solo oceânico nas fronteiras continentais, que permitiu aos continentes deslizarem”. Não ajudou muito. A teoria da deriva continuou em descrédito.
Os fatos só começaram a se mover a favor de Wegener no final da década de 1950. O primeiro passo foi dado bem antes, no entanto, em 1928, quando o professor de geologia da Universidade de Edimburgo, na Escócia, Arthur Holmes, propôs a existência de correntes de convecção no interior da Terra, que poderiam servir como um mecanismo para mover os continentes. Trata-se de um fenômeno que ocorre em líquidos, gases (como no Sol) ou material pastoso (como no interior da Terra) sob aquecimento. Como numa caneca com água fervendo. Grosso modo, o material aquecido sobe à superfície, resfria e desce, para ser aquecido de novo e reiniciar o ciclo, num movimento mais ou menos circular.
Ainda que correta, a ideia não foi de muita ajuda para a teoria de Wegener – só viria a ser mais tarde, quando outras peças do quebra-cabeça foram descobertas. “Embora as correntes de convecção pudessem servir de motor (para a deriva dos continentes) ainda não estava claro como isso funcionaria exatamente”, escreve Hellman. Só passou a ser entendido quando começaram a se acumular novas informações sobre as dorsais oceânicas, descobertas um século antes, durante a instalação, em 1858, do primeiro cabo submarino metálico transatlântico, interligando a América do Norte e a Inglaterra. Trata-se de enormes cadeias de montanhas submersas, que existem em todos os oceanos e podem chegar a 4 mil metros de altura a partir do assoalho marinho – há uma delas a meio caminho entre o Brasil e a África.
Conhecidas como cordilheiras ou dorsais meso-oceânicas, elas formam uma espécie de costura no fundo dos oceanos, como as de uma bola de futebol, só que com linhas irregulares, com 50 mil quilômetros de extensão. Mas a característica principal delas não está nisso, mas no fato de que elas criam o fundo do mar. A hipótese foi proposta em 1960, por Harry Hess (1906-1969), da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. “A ideia era simples e brilhante: o fundo do mar está sendo criado nas dorsais oceânicas, vindo das profundezas da Terra sob a forma de lava quente e maleável (ou magma)”, escreve Hellman. “Como um novo e longo vulcão erguendo-se de dentro da Terra, o material acumula-se ao emergir, formando a grande cadeia de montanhas que se erguem quilômetros acima do fundo do oceano. O magma também se espalha em duas direções opostas, para fora da dorsal, formando um novo fundo oceânico”.
Essa teoria, comprovada por vários tipos de observações e experimentos, ficou conhecida como espraiamento do fundo mar. A principal implicação é que ela forneceu um mecanismo, um poderoso motor para a deriva continental de Wegener. Como diz Hellman em seu livro, “os continentes pegam carona nesse processo global, que é impulsionado por correntes de convecção no interior do manto”. O próprio Hess explicou sua ideia: “Os continentes não vagam pela crosta oceânica impelidos por forças desconhecidas, mas são passivamente conduzidos pelo material do manto, conforme este chega à superfície da crista dorsal e passa a se afastar lateralmente dela”.
Placa sob tensão
Ainda restava um problema, porém. Como as dorsais podem estar criando e expandindo o assoalho oceânico se a Terra não está crescendo, ou seja, continua do mesmo tamanho que sempre teve desde o seu surgimento, há 4,6 bilhões de anos? Parecia claro para os cientistas que se uma região do planeta está crescendo outra deve estar diminuindo. E de fato, não demorou a se descobrir as chamadas zonas de subducção. Elas ocorrem principalmente às margens do oceano Pacífico, onde a crosta oceânica, mais densa, formada de rochas basálticas, mergulha sob a crosta continental, de granito, menos densa, se consumindo nas profundezas do magma incandescente do manto. Assim, o ciclo se fecha: nada se cria, nada se perde, tudo se transforma – como diria Antoine Laurent de Lavoisier (1743-1794), considerado o pai da Química moderna, falando de outros elementos. Trocando em miúdos: ou o ciclo se fecha ou retorna ao estágio anterior.
O quebra-cabeça ainda não estava montado, no entanto. Isso foi feito pela Teoria da Tectônica de Placas, surgida em 1968, que uniu as peças-chave, ou seja, a deriva continental, de Wegener, e o espraiamento do assoalho oceânico, de Hess. Essa nova proposta mostrou que a litosfera terrestre está dividida em gigantescas placas rochosas, que flutuam sobre o manto de magma, carregando oceanos e continentes. Existem dez dessas grandes jangadas de pedra – Africana, Antártica, Arábica, Eurasiática, Filipinas, Indo-Australiana, Nazca, Norte-Americana e Caribe, Pacífico e Sul-Americana – e várias outras menores. São essas estruturas que modelam a superfície da Terra, erguendo montanhas e causando terremotos e tsunamis.
Veloso explica que isso ocorre porque elas deslizam e tem contato entre si, ora pressionando umas contra as outras e, por vezes, afastando-se de sua vizinha. Há três tipos de limites ou encontro entre as placas: conservativo (elas deslizam lateralmente uma em relação a outra, sem criação ou destruição de crosta); convergente (chocam-se, podendo formar cadeias de montanhas); e divergentes (afastam-se, formando nova crosta no espaço que ficaria vazio). São nesses limites que acontecem os maiores e mais frequentes terremotos. “Apesar de tudo se mexer, os deslocamentos são organizados e regidos por um ritmo já apelidado de ‘dança dos continentes e dos oceanos’”, ele explica. “A velocidade dessa ‘dança’ é variável. A Sul-Americana e a Africana, por exemplo, separam-se a 35 milímetros/ano, a de Nazca desloca-se rumo à América do Sul a 151 mm/ano. No geral, a velocidade anual é de algumas dezenas de milímetros, mais ou menos a média de crescimento da unha humana”.
Os resultados visíveis dessa “dança” são muitos, além dos terremotos. Os Andes, por exemplo, são o resultado do choque entre a Placa de Nazca, que mergulha sob a parte oeste da Sul-Americana, erguendo a cordilheira. A cadeia do Himalaia, onde estão as maiores montanhas do mundo, como o Everest, com 8.848 metros de altitude, também é resultado do choque de placas tectônicas. O Brasil está integralmente assentado no centro da “jangada” Sul-Americana, longe de suas bordas. Por isso os sismos que ocorrem em seu território não estão entre os mais intensos e destruidores.
As causas dos abalos que vez por outra atingem o território brasileiro, todavia, são semelhantes aos demais tremores registrados no mundo. A placa inteira está sob tensão e como a crosta superior apresenta fraturas ou zonas mais frágeis em alguns pontos, quando as tensões são suficientes para vencer o atrito entre as superfícies adjacentes das quebraduras, elas se movimentam, liberando enorme energia e, por consequência, originando um terremoto. Os sismos que ocorrem no interior de placas tectônicas costumam ser muito mais destrutivos, pois são inesperados e, é comum, não há nenhuma preparação ou prevenção, seja física ou até mesmo psicológica.
Os danos do mais intenso terremoto já registrado no Brasil na era moderna só não foram maiores, porque ocorreu numa área até então pouco habitada. Foi no dia 31 de janeiro de 1955, na Serra do Tombador, no Mato Grosso, e atingiu a magnitude de 6,2 na escala Richter. Cerca de um mês depois, no dia 28 de fevereiro, um novo abalo, o segundo maior da história do país, só que desta vez no mar, ao largo de Vitória, no Espírito Santo, que atingiu 6,1 pontos. Outros sismos com intensidade superior a 5 foram registrados no país, entre eles um em Tubarão (SC), no dia 28 de junho de 1939, e outro em Codajás (AM), em 5 de agosto de 1983, ambos com 5,5 na escala Richter.
O maior terremoto
“A sismicidade da enorme área amazônica foi menos estudada do que a das demais regiões e começou a ser monitorada com atraso em relação ao resto do país”, diz Veloso, salientado que como ela é pouco conhecida, ainda pode apresentar surpresas. Na realidade, ele próprio descobriu uma dessas surpresas, e ela diz respeito ao que pode ter sido o maior terremoto acontecido no Brasil em tempos históricos, mais precisamente em 1690. Baseado em informações de dois jesuítas, Samuel Fritz (1654-1725) e Felipe Bettendorf (1625-1698), que estiveram na região epicentral em épocas diferentes, conversaram com testemunhas e observaram os seus efeitos no terreno. Veloso concluiu que o evento teve o epicentro na margem esquerda do rio Amazonas, a 45 quilômetros abaixo de Manaus. “Após longos estudos concluí pela veracidade das informações dos religiosos e as combinei com conhecimentos modernos de sismologia para estimar a sua magnitude em 7 e sua área de percepção em 2 milhões de km2”, conta.
De acordo com ele, esse sismo alterou significativamente a topografia do terreno devido ao fenômeno da liquefação – passagem do estado sólido para o líquido – do solo e também produziu ondas parecidas a um pequeno tsunami que reverteu momentaneamente a corrente do rio Urubu, inundando aldeias indígenas situadas a 5 quilômetros de sua foz com o Amazonas. “Não existe nada similar em nossa história e assim esse evento, percebido a mais de mil quilômetros do epicentro, ganha o status do maior terremoto brasileiro”, diz. “Há cerca de 300 anos não se falou de grandes prejuízos materiais, ou de vítimas fatais. Hoje não seria assim, pois aquela região se desenvolveu e há maior exposição de pessoas, de construções e de importantes infraestruturas que não foram desenhadas para resistir a sismos tão fortes”.
O terremoto brasileiro que causou impacto econômico e social, no entanto, foi sem dúvida o de João Câmara. “Na verdade, naquele dia aconteceu o maior de uma série de 50 mil abalos, aproximadamente”, explica Veloso. “Em pouco menos de duas horas, além do tremor principal, ocorreram quatro outros com magnitudes entre 4 e 4,3, intercalados por dezenas de réplicas importantes. Em 10 de março de 1989, aconteceu outro de 5 pontos. Em todo o ciclo de atividade, que durou sete anos, foram registrados 20 eventos iguais ou maiores que 4 pontos na escala Richter”. É o que se chama tecnicamente de enxame de sismos.
Em consequência, a pequena cidade, então com 23 mil habitantes, saiu do anonimato e mostrou que o Brasil não está livre de abalos destrutivos. Nada menos que 4.348 edificações tiveram de ser recuperadas ou reconstruídas. Subitamente, surgiram milhares de desabrigados, inclusive de municípios vizinhos, e algumas pessoas perderam praticamente tudo o que tinham. A maior parte da população deixou a cidade e a zona rural, paralisando o comércio, os serviços municipais, as escolas e as atividades agrícolas. O então presidente da República, José Sarney, esteve no local, prometendo reconstruir a cidade, o que de fato aconteceu, com ajuda do corpo de engenharia do Exército.
É um evento que Veloso não esquece. “Tive a oportunidade de viver parte dessa história, pois já estudava aquela atividade sísmica desde agosto de 1986, instalando sismógrafos na área”, lembra. “No dia do terremoto principal, um domingo, curiosamente a data do meu aniversário, fui levado de avião para João Câmara e lá fiquei por duas semanas. Dividi meu tempo atuando como sismólogo, para estudar, com outros colegas, o fenômeno sísmico; como agente de defesa civil, para ajudar e orientar as pessoas; e como repórter/cinegrafista, para documentar os acontecimentos, que depois fizeram parte do livro que lancei recentemente e que é acompanhado por um DVD”. O ex-chefe do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília alerta: “Tremores parecidos com o de 1690 e com o de João Câmara poderão repetir-se em qualquer outra região do país”.