Postado em 12/05/2015
Por: EVANILDO DA SILVEIRA
Banhada por dois importantes rios – o Tietê, o maior do Estado, e o Pinheiros –, com pelo menos duas grandes represas em sua área geográfica e chuvas torrenciais no verão, que, não raro provocam alagamentos e enchentes, pode parecer estranho que a cidade São Paulo tenha ficado com as torneiras secas, precisando adotar rodízios no abastecimento. Não tanto quanto parece, quando se sabe que os rios e represas estão poluídos e os temporais sobre a área urbana ocorrem longe do Sistema Cantareira, um conjunto de seis represas distantes da capital – a mais afastada fica a 114 quilômetros, de onde sai a água que abastece os paulistanos e os municípios da região metropolitana. Some-se a isso uma das maiores estiagens já registradas na região e tem-se a receita para o “desastre perfeito”. Isso só não aconteceu em toda a sua plenitude, ainda, porque as chuvas voltaram em fevereiro, os órgãos responsáveis tomaram algumas medidas e a população está colaborando. Com muita criatividade, as pessoas – e também as empresas e outras instituições – têm encontrado variadas maneiras de driblar o desabastecimento e ajudar a economizar o líquido que chamamos de precioso.
A crise hídrica de São Paulo, que na verdade afeta todo o estado e se estende a outros pontos da região sudeste, não é fato isolado no mundo. Ela se insere num contexto mais amplo em que a água própria para consumo humano é um bem cada vez mais escasso – e disputado. Embora dois terços da superfície do planeta sejam cobertos pela água, 97% dizem respeito aos oceanos salgados. Dos 3% que restam, ao redor de 70% ficam nos polos, nas geleiras e topos de montanhas na forma de gelo e um pouco menos de 30% são subterrâneas. Apenas 0,3% da água está ao alcance fácil em rios e lagos, e é aí que mora o problema. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), desse pequeno percentual, pasmem, 70% é usado para a irrigação – no Brasil, esse índice chega a 72%. A poluição e a destruição de nascentes e mananciais, o uso inadequado e o desperdício dão conta de reduzir ainda mais o pouco que sobra.
As pessoas aprendem, ainda nos primeiros anos de escola, como funciona o ciclo da água. A chuva cai, parte se escoa superficialmente e parte se infiltra e abastece o lençol freático, que por sua vez alimenta nascentes, rios e mananciais, de onde evapora, dando início a novo ciclo. Mas hoje não é bem assim em algumas regiões do Brasil. Nas últimas décadas, o desmatamento de encostas e das matas ciliares, a poluição e o uso inadequado do solo têm contribuído para degradar e colocar em risco as nascentes e os mananciais, diminuindo a quantidade e a qualidade da água que abastece a população, principalmente nas grandes cidades. Quando a isso se acrescenta a estiagem prolongada, a situação pode ficar caótica, com reservatórios vazios, torneiras secas e racionamento.
O pesquisador e especialista na questão Luiz Carlos Pittol Martini, do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina (CCA/UFSC), acrescenta a pressão demográfica como outro fator que tende a agravar o problema, tanto pelo consumo humano direto como para a produção de alimentos e de outros bens. “Da mesma forma, o acesso de uma maior fração da população mundial aos mercados – isto é, aumento do padrão de consumo – acaba resultando em maior gasto hídrico per capita”, explica. Apesar de a situação estar melhorando, segundo ele, dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que 11% da população mundial – 783 milhões de pessoas – continua a não ter acesso à água potável segura e o número dos que não têm saneamento gira em torno de bilhões.
No Brasil, a situação não é muito diferente. O Atlas Brasil de Abastecimento Urbano de Água, elaborado pela Agência Nacional de Águas (ANA), dá a dimensão do problema. Por causa desses fatores, 84% dos 5.565 municípios brasileiros necessitam de investimentos para a adequação de seus sistemas produtores de água e 55%, onde moram 125 milhões de pessoas, poderão sofrer com a falta dela a partir deste ano. São Paulo não foge muito a esse padrão, mas a crise hídrica atual foi agravada por uma estiagem sem precedentes numa época que, é regra, mais chove na cidade, entre outubro e março. Segundo dados da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), de 2013 para cá, em janeiro, um mês habitualmente com altos índices pluviométricos, choveu menos do que a média histórica para o período na região do Sistema Cantareira, que é de 259,9 mm. Em 2013, esse volume foi de 146,7 mm; em 2014, de 87,8 mm; e, em 2015, de 142,8 mm.
Bem escasso
Em outubro, novembro e dezembro de 2014 também choveu abaixo da média histórica para esses meses. No primeiro dos três, o volume que caiu no Sistema Cantareira foi de 42,5 mm; no segundo, de 135,0 mm; e, no terceiro, de 165,5 mm – ante médias tradicionais de 130,8 mm, 161,2 mm e 220,9 mm, respectivamente. As chuvas só voltaram ao normal – na verdade mais do que o normal – em fevereiro e março, quando choveu 322,4 mm e 206,5 mm, para médias de 199,1 mm e 178,0 mm, respectivamente. Apesar do maior volume de precipitações, a situação não melhorou muito. No dia 31 de março passado, o total armazenado no Cantareira era de 19%, computado o volume morto, reserva situada abaixo da área de captação normal e que precisa ser retirada por meio de bombas.
O Cantareira é o maior dos sistemas de abastecimento administrados pela Sabesp e um dos maiores do mundo, destinado à captação e ao tratamento de água para a Grande São Paulo. Antes da crise hídrica ele era utilizado para abastecer 8,8 milhões de paulistanos. Com o aumento da participação de outros sistemas no fornecimento à população da capital, ele agora abastece 6,2 milhões de pessoas. Suas seis barragens – Paiva Castro, Águas Claras, Cachoeira, Atibainha, Jaguari e Jacareí – são interligadas por um complexo sistema de túneis, canais, além de uma estação de bombeamento de alta tecnologia para ultrapassar a barreira física da serra da Cantareira. Um dos aspectos que chama a atenção no sistema é sua distância em relação à área urbana que ele abastece e também à extensão da sua área de drenagem, que se estende até o sul de Minas Gerais.
O nível do sistema alcançado no último dia de março é semelhante ao registrado no dia 18 de fevereiro de 2014, de 18,5%. Desde então só caiu, até chegar a 8,2% em 15 de maio daquele ano. No dia seguinte, a Sabesp passou a usar a primeira cota do volume morto, o que elevou o nível do Cantareira a 26,7%. Sem chuvas, os reservatórios continuaram esvaziando, até o sistema cair para 3% de sua capacidade, no dia 24 de outubro. A companhia de saneamento passou a usar então a segunda cota do volume morto, aumentando o nível para 13,6%. A partir daí o volume despencou até chegar a 5,1%, no dia 28 de janeiro, e, a partir de então, veio se recuperando. Um dia antes, autoridades do governo estadual chegaram a anunciar que era grande a possibilidade de um racionamento, dois dias com água por cinco sem.
A população, não sem razão, se assustou e começou, por conta própria, a tomar medidas para economizar água e superar sua escassez. Moradores, prédios, clubes e empresas, todos de uma forma ou de outra passaram a engenhar maneiras para lidar com o problema. Muitos compraram caixas-d’água para armazenar e garantir o líquido nas torneiras, outros adquiriram baldes e outros recipientes para guardar água de chuva e, com ela, lavar roupas, carros ou calçadas, por exemplo, ou ainda regar plantas e jardins. E alguns mandaram furar poços artesianos. Outros se conscientizaram da importância da água, passando a tomar banho e escovar os dentes com mais celeridade e a reaproveitar o resto da máquina de lavar para uso na descarga do banheiro, por exemplo. As indústrias e outras empresas também fizeram sua parte, mudando processos e adotando medidas de redução do consumo, além de fazer campanhas de conscientização.
São demonstrações de que a crise hídrica está ajudando a mudar hábitos e o jeito como a população vê a questão, que começa a ser tratada como bem escasso e, por isso, mais precioso do que se imagina. “A partir do momento em que os cidadãos compreendem que a água deve ser cuidada e usada com economia, eles próprios se autofiscalizam e ajudam a controlar os desperdícios na distribuição”, diz Martini, da UFSC. “É um processo lento e talvez requeira uma geração para se chegar a resultados apreciáveis. Incutir na cultura das pessoas a necessidade de uso racional de qualquer recurso escasso é o melhor caminho.”
Por isso, talvez o mais indicado seja começar pelas crianças. É o que estão fazendo muitos colégios, como a Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Roberto Patrício, na Vila Amélia, Zona Norte de São Paulo. Nas aulas, os alunos aprendem sobre a falta de água na cidade e a importância de não abusar no consumo do produto. Eles funcionam como multiplicadores, levando para casa e aos vizinhos os novos conhecimentos. É o que fez, por exemplo, a estudante Maria Eduarda Lima, de 8 anos, daquela escola, que agora desliga o chuveiro enquanto se ensaboa e passa o xampu nos cabelos. Além disso, ela “fiscaliza” a família e recentemente tornou-se síndica mirim do condomínio onde mora. Nessa função, Maria Eduarda ajuda a síndica titular a convencer os moradores do prédio a reaproveitar a água da máquina de lavar roupa para as tarefas de limpeza.
Atitude mais radical tomou a família de Vicente Aureliano, de cinco pessoas, moradora da Vila Nova Cachoeirinha, também na zona norte da capital paulista, onde o fornecimento no auge da crise era interrompido entre 10h e 11h da manhã e só retornava às 5h do dia seguinte. Decididos a recolher o que vem da chuva, eles instalaram há cerca de seis meses uma lona no quintal da casa, de onde o líquido escorre para baldes e bacias. A cada temporal mais forte conseguem armazenar até 500 litros, que depois são usados para limpeza da moradia e calçadas, lavagem de roupas e até para o banho. O que sobra vai para a descarga do banheiro. Além de ajudar a contornar a situação, a família de Aureliano ainda obtém benefícios financeiros: a conta da Sabesp caiu de R$ 220,00 para R$ 56,00.
Banho cronometrado
Grandes empresas também estão atentas aos problemas decorrentes da crise hídrica. A Ambev, uma das maiores fabricantes de cerveja do mundo, é um exemplo dessa nova postura. Em nota enviada à revista Problemas Brasileiros, a empresa garante que “atua há mais de 20 anos com esforço contínuo para garantir a economia de água em todas as suas unidades” e que, de 2002 a 2014, diminuiu em 40% o uso desse recurso natural em suas fábricas. Nos últimos dois anos, a Ambev comemorou a redução de 10% no índice de consumo, uma referência mundial nesse tipo de economia. Com a crise no abastecimento, ela destaca, várias iniciativas já existentes foram reforçadas.
Ainda, segundo a companhia, para reduzir o consumo a empresa trabalha em diversas frentes, com ações de reaproveitamento de água e estabelecimento de metas individuais e coletivas, campanhas internas de conscientização, padronização de processos, treinamento dos funcionários e utilização dos melhores equipamentos e tecnologias disponíveis. “Com a falta de água enfrentada pelo Brasil, a Ambev intensificou ainda mais os investimentos e atitudes para garantir a economia dos recursos hídricos num momento tão crítico.” Uma das ações da empresa é a Campanha de Água, projeto anual vinculado às atividades para o Dia Internacional da Água que estimula os funcionários a pensar em boas práticas com vista à economia do precioso líquido. Este ano, a iniciativa foi lançada em março e propõe uma competição entre as fábricas da companhia. Os três melhores projetos serão premiados e poderão ser apresentados pelos próprios colaboradores à diretoria da empresa.
A Rhodia, do grupo internacional Solvay, é outra grande corporação empresarial que vem adotando medidas para o uso racional dos recursos hídricos. Por meio de sua assessoria de imprensa, ela informou que “vem acompanhando atentamente o cenário de estiagem dos últimos meses, com impacto principalmente na região sudeste, tendo em vista garantir o funcionamento normal de suas operações no Brasil”. A empresa diz que adotou nos últimos anos uma série de medidas, de acordo com os processos produtivos de cada unidade industrial, que incluem o emprego de sistemas de circuito fechado e de reúso e redução de consumo, implantação de novos poços profundos e sistemas de armazenamento de água de chuva, além de iniciativas relacionadas à gestão de produção e de estoques. Também reduziu a captação naquelas plantas fabris, cujos processos produtivos dependem desse sistema.
Não é apenas isso: a Rhodia afirma que tem realizado campanhas internas de redução de desperdício e programas de comunicação para sensibilizar as equipes e demais colaboradores em relação à questão da água e seu consumo de forma responsável. Em outra linha de atuação, “como um dos principais players do setor químico do país”, a Rhodia tem participado dos debates, discussões e audiências promovidos no âmbito das entidades setoriais e governamentais a respeito da gestão da crise hídrica, “estando integralmente alinhada aos esforços de toda a sociedade para enfrentar esse período de estiagem”.
A indústria farmacêutica Merck Sharp & Dohme (MSD) também comunica, por meio de sua assessoria de imprensa, que está comprometida com o meio ambiente e a manutenção sustentável de suas atividades. “Por isso, desde fevereiro de 2014, quando a unidade de Sousas, distrito de Campinas (SP), chegou a operar com 50% da capacidade de seu reservatório, foi desenhado um plano de ação a fim de manter as atividades normais, o que incluiu a suspensão da captação do rio Atibaia e a compra de caminhões pipas para o abastecimento da unidade.” A empresa também adotou medidas como a readequação de vazão de torneiras e vasos sanitários, e realiza campanhas educativas com os funcionários “para a conscientização do valor de um bem tão escasso”.
O consumo de água em larga escala pela indústria automotiva também tem motivado as empresas do setor a investir em projetos de redução de consumo. Um bom exemplo é dado pela Volkswagen do Brasil que, assim como já fazem muitos moradores da capital paulista, vem captando água da chuva em suas unidades de São Carlos, no interior de São Paulo, e de São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. Recolhida por meio de calhas, segundo a montadora, a água, depois de filtrada, é armazenada e, mais tarde, endereçada a uma torre de resfriamento, sendo, posteriormente, utilizada para reduzir a temperatura de máquinas no setor produtivo. “Em São Carlos, depois de todo esse circuito, a mesma água ainda passa por um processo de drenagem para manter a concentração ideal de sais minerais para, novamente, ser aproveitada na lavagem dos racks que armazenam os motores produzidos naquela planta fabril”, esclarece a empresa. A gigantesca linha de montagem da Volkswagen na via Anchieta, em São Bernardo do Campo, não deixa por menos e faz da água da chuva uma aliada na cruzada contra a crise de abastecimento. “Se forem intensas, as chuvas podem ajudar a gerar uma quantidade de água equivalente ao consumo médio diário da unidade”, informa o setor de imprensa da empresa. “Toda água que cai sobre o telhado de uma das alas é captada, tratada e utilizada nos processos industriais e na descarga dos sanitários.”
Assim como as grandes indústrias, os negócios menores têm adotado medidas parecidas para enfrentar a seca. É o caso, dentre tantos outros, da Ecofit Club, localizada na zona oeste de São Paulo, que se autoproclama “a única academia ecológica do Brasil”. Com a escassez de água, muitos alunos passaram a tomar banho no local para economizar em casa. Apesar de contarem com poço artesiano, os proprietários – para evitar o desperdício – colocaram ampulhetas nos chuveiros com a finalidade de controlar o tempo do banho, limitado em cinco minutos. Também instalaram campainhas que podem ser acionadas quando alguém ultrapassar o tempo estipulado. Com essas medidas, espera a academia, não será preciso recorrer a caminhões pipas se o racionamento de fato se consumar.
Serviço de mesa
A estiagem também obrigou os restaurantes, que gastam uma quantidade apreciável de água na lavagem de louça, talheres e copos, a recorrer a soluções alternativas. Um exemplo é o francês La Casserole, um dos mais tradicionais da capital paulista, no Largo do Arouche, na região central. Para o caso de faltar água, a dona do estabelecimento, Marie-France Henry, já se preveniu comprando pratos, talheres e taças em plástico, itens descartáveis com a aparência dos originais. Ainda não foi preciso lançar mão do novo serviço de mesa, mas o restaurante já sofre com a redução da pressão da água, que só não faltou porque foram instaladas duas caixas-d’água extras. Outra medida que o La Casserole pretende adotar é um sistema de captação da chuva, que proporcionará uma economia de 300 mil litros por ano, água que poderá ser usada na limpeza e nos banheiros.
Pressionado pelo risco de racionamento e pela população que cobra soluções, o governo paulista vem adotando algumas medidas contra a chamada crise hídrica. Uma delas foi a restrição de captação nos rios da bacia do Cantareira. Ela estipula que quando eles atingirem uma vazão muito baixa ou o nível do sistema cair abaixo de 5% do volume útil, as empresas de saneamento terão de reduzir a retirada de água em 20% e indústrias e agricultores em 30%. O governo também instituiu, em fevereiro de 2014, um bônus de 10% a 30% no valor da conta para quem podar o consumo em 10% em relação a seu gasto médio mensal de 2013. Para quem gasta mais, ao contrário, foi estabelecida uma sobretaxa de 40% se seu consumo aumentou pelo menos 20% e de 100% se cresceu mais de 20%. A quarta medida foi a redução da pressão da água em todos os bairros atendidos pela Sabesp.
Além dessas medidas, a administração estadual pretende acelerar a execução de oito obras, mas nenhuma delas será concluída em 2015: interligação da bacia do Paraíba do Sul ao Cantareira; duas novas barragens para aumentar a vazão das bacias Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ); sistema para distribuir a reserva das novas barragens das bacias dos rios PCJ; interligação do rio Pequeno com a Billings; duas estações produtoras de água de reúso, uma para reforço do Sistema Guarapiranga e outra para o Sistema Baixo Cotia; uma adutora emergencial para atender Campinas nos períodos de baixa vazão; e novos poços no Aquífero Guarani na parte oeste das bacias PCJ.
“Talvez a existência de uma gestão de recursos hídricos como tarefa de estado, e não de governo, pudesse ter minimizado eventuais negligências associadas aos calendários eleitorais”, diz o professor Martini, da UFSC. “Quanto à Sabesp, talvez caiba alguma crítica com respeito à ausência de um planejamento estratégico de contingência ou falta de estrutura mínima para colocar os dispositivos emergenciais existentes em ação. Porém, não posso me furtar a comentar que cobrar planejamento para eventos raros depois do acontecido é uma saída fácil. Na verdade, as organizações geralmente não trabalham com eventos tipo ‘cisnes negros’, assim chamados porque ninguém imagina que existam até serem vistos.”
É consenso entre os especialistas que faltam ações públicas no tocante ao conhecimento sobre a questão dos recursos hídricos e à formação de educadores. Faltam investimentos em educação, em síntese. Mas, para Martini, a massiva repercussão nos meios de comunicação da atual crise da água, certamente, tornou a população mais consciente sobre a dimensão do problema. “O primeiro ponto a ser mantido após o abrandamento da situação é que as pessoas passem a identificar que água de qualidade é algo tão básico e fundamental como segurança alimentar, patrimonial e sanitária, e, como tal, deve ter assento na lista de prioridades da agenda política”, diz. Providências desse tipo acabarão fortalecendo a percepção de que o recurso de qualidade depende de saneamento e proteção dos mananciais.
Para o ecólogo e doutor em ecologia, Sérgio Luís de Carvalho, do Departamento de Biologia e Zootecnia da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), os principais desafios da preservação e da recuperação de nascentes e mananciais estão na implementação de práticas sustentáveis, que compatibilizem o desenvolvimento econômico e social com a preservação ambiental. Ele destaca que as principais medidas para a preservação cobram uma mudança de mentalidade, o que se faz com um processo de educação ambiental para todas as faixas etárias e em todos os níveis sociais. “Mas isso precisa estar associado a uma fiscalização rigorosa, para evitar os desmatamentos e a poluição”, diz. “Além disso, são necessárias ações de estímulo à economia de água por parte da população e a implementação de medidas que valorizem a preservação, como a redução de taxas e impostos para proprietários de terras ou indústrias e mesmo da comunidade que agem de forma ecologicamente correta em relação ao meio ambiente.”
Para a consultora na área de recursos hídricos Marussia Whately, arquiteta e coordenadora do Programa Mananciais do Instituto Socioambiental (ISA), é preciso, no entanto, ir além de todas essas medidas de proteção e recuperação de nascentes e mananciais, mudando a maneira de administrar a questão do abastecimento. “Em São Paulo, e no Brasil em geral, temos o modelo de gestão de oferta: com base na demanda busca-se a água. O correto, todavia, é trabalhar a gestão de demandas. Mas a política brasileira é a de derrubar floresta, fazer hidrelétrica, no espírito de que tudo está aí para a gente usar. Não deveria ser assim.”