Postado em 29/05/2015
A distância geográfica que separa os países lusófonos ¿se dilui nas expressões culturais ¿de artistas que partilham
a mesma língua
Angola está situada na costa ocidental da África. Clima quente, fauna e flora diversificada e população predominantemente urbana. A República do Cabo Verde, um país insular, formado por ilhas de origem vulcânica. Portugal, localizado ao sul da Europa, na Península Ibérica, vivenciou a emblemática Revolução dos Cravos (1974), que pôs fim ao regime ditatorial salazarista de quatro décadas. Embora separados geograficamente do Brasil pelo Oceano Atlântico, esses e outros países guardam semelhanças culturais e artísticas amparadas na identidade da língua portuguesa falada nesses locais.
Apesar disso, para o crítico de arte, curador e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) Agnaldo Farias, há falta de diálogo entre o Brasil e outros países que compartilham a língua: “É importante discutir e tentar vencer essa barreira criada por circunstâncias históricas de regiões alinhadas do ponto de vista cultural que fizeram parte do império da expansão portuguesa. Podemos dizer que o contato já foi melhor, já foi pior, mas ainda é uma interlocução muito rarefeita”, analisa o curador.
Na rota geográfica, os realizadores culturais se mostram livres para criar. A formação cada vez mais cosmopolita dos artistas e seu trânsito pelos países acabam impactando as obras. É comum um artista nascer numa região, estudar em outras, estabelecer residências e fazer com que sua produção se torne tão fluida quanto sua visão de mundo. Gabriela Albergaria, uma das artistas presentes na mostra As Margens dos Mares (página 34), nasceu na cidade portuguesa Vale de Cambra, com população estimada em 22 mil habitantes. Vive e trabalha entre Lisboa, capital de Portugal – cidade mais populosa do país –, e Nova York, uma das metrópoles mais populosas e efervescentes do mundo. Realizou residências artísticas em Berlim, Paris e Oxford (Inglaterra). Com vivência eclética, Gabriela se assustou quando visitou o Brasil pela primeira vez: “Não queria acreditar que tinha viajado mais de 10 horas de avião e podia falar a minha língua”, exclama. “Na época vivia em Berlim e esse fato me marcou. Aos poucos me espantei com a mistura cultural dos vários países que podem ser vistos no Brasil devido à imigração. Culturalmente são países muito parecidos e ao mesmo tempo com desenvolvimentos históricos muito diferentes”, comenta Gabriela.
Em sua opinião, os artistas produzem essa noção territorial. “É importante o background de onde cada pessoa foi criada e, claro, há algo integrado nas peças, mas não me detenho muito nessa área. A noção de globalidade também é relevante, porém acho que a criatividade e a imaginação são o mais importante no fazer artístico”, opina. “O que faz diferença é quando o trabalho se transforma em ‘produto’ e aí, sim, é uma questão de sorte estar num país mais ou menos periférico.”
Já os limites entre artes visuais e outras expressões, segundo Farias, está se diluindo à medida que os artistas trabalham nesse sentindo. Não só o território, mas os conceitos também se expandem e formam interfaces. Um exemplo é o desdobramento entre a música – sons nítidos ou ruídos – e as artes plásticas. “A ideia dessa junção é a cara da arte contemporânea”, avalia. “Talvez um ponto catalisador desse processo pela busca de novas expressões de linguagem se mostre no fim da exclusividade, seja da escultura, do desenho ou da gravura”, contextualiza Farias. Para ele, há nos artistas uma preocupação latente “com as questões internas dos seus países”.
Segundo Gabriela, de fato, sempre está presente em suas obras a atenção ao mundo que a rodeia. “O uso da natureza, dos jardins, da ciência ou questões sociais de alguma forma provocam o trabalho, no entanto é no campo cultural que me situo”, completa.
BOXE - Experiências sensíveis
Exposição reforça o encontro profícuo entre música e artes visuais
Com curadoria de Agnaldo Farias e direção musical de Lee Ritenour, a exposição As Margens dos Mares serve de espaço para o encontro entre artes visuais e música a partir da produção de artistas de origem lusófona: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal. Até 2 de agosto a programação será composta por encontros musicais e pela exposição, que ocupa o segundo andar do Sesc Pinheiros. “É uma mostra pequena na área, mas intensa na qualidade dos trabalhos expostos”, comenta Agnaldo Farias.
Além da exposição e dos shows, o público está convidado para debates, oficinas, intervenções e exibições de filmes. Entre os artistas participantes estão: Arnaldo Antunes (foto), Guto Lacaz, Chelpa Ferro, Chiara Banfi e O Grivo (Brasil); Ângela Ferreira, Maimuna Adam e Mauro Pinto (Moçambique); Catarina Botelho, Gabriela Albergaria e Susana Gaudêncio (Portugal) e Kiluanji Kia Henda (Angola). Os músicos que se apresentaram durante a exposição nos dias 8, 9 e 10 de maio foram: Ivan Lins, Céu e Paulinho da Costa (Brasil); Ana Bacalhau e Sara Tavares (Portugal); Manecas Costa (Guiné-Bissau); Mayra Andrade (Cabo Verde); e Stewart Sukuma (Moçambique). Confira mais detalhes no Em Cartaz.