Postado em 07/07/2015
Por: ROSA SYMANSK
Mais interessados em artes, brasileiros estão correndo atrás de exposições, adquirindo peças e aproximando mais estrangeiros desse mercado. No imaginário coletivo, as obras de arte comumente são associadas a experts ou à elite, ou seja, aqueles bem aquinhoados, dotados de refinamento e com o verniz necessário de conhecimento para saber distinguir preciosidades de alto valor. Esse pressuposto, no entanto, está ganhando novos contornos com a adesão, cada vez maior, de compradores de diferentes perfis, dando um novo enfoque ao mercado. O fenômeno é bem visível no Brasil, onde vem se desenhando há algum tempo com a venda de obras de arte ganhando corpo e alcançando um ritmo crescente de uns anos para cá, à custa até mesmo do interesse das novas gerações, com muitos compradores sapientes do valor intrínseco que uma obra pode carregar.
“Há um novo grupo de colecionadores mais jovens, interessados em arte contemporânea, gente que frequenta exposições lá fora e aqui. Fazem parte desse grupo, profissionais liberais, por exemplo. Esse interesse, na verdade, certamente começou a despertar na mais tenra idade por meio de visitas a exposições programadas pelas escolas. Mas há muitos fatores que levaram a um interesse maior, dentre eles, a visibilidade internacional de artistas nacionais”, explica Ana Letícia Fialho, pesquisadora e especialista em mercado de arte.
Isso, decididamente, não é de agora. Vem se sedimentando nas últimas décadas quando muitos jovens acabaram sendo introduzidos nesse mundo. “A partir dos anos 90, a programação cultural nas cidades brasileiras ganhou maior corpo, surgiram novas instituições e exposições. Em 2000, começaram a aparecer as feiras. E, hoje, há eventos de arte em vários estados”, observa a pesquisadora Ana Letícia.
Dados do setor confirmam essa tendência, movimento que levou à criação de galerias por todo o país. Pesquisa setorial apresentada pelo Projeto Latitude, em 2013, realizada em parceria pela Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) com 45 galerias do país, levantou que 33% delas foram criadas na década de 2000 – 33% depois de 2010. Desse universo, de acordo com o estudo, 71% delas realizaram vendas para o mercado internacional, um recorde desde que esses números começaram a ser monitorados. Em 2012, para se ter uma ideia, o índice era de 60%.
O traço jovem do mercado também está refletido no total de aproximadamente mil artistas representados pelas galerias, segundo a pesquisa, 15% deles introduzidos no mercado pela primeira vez em 2013. O levantamento demonstrou que, do total de 6.500 objetos de arte comercializados – pinturas, esculturas e fotografias em maior volume –, 85% tiveram como destino final colecionadores e instituições brasileiras, restando apenas15% para os compradores internacionais. A pesquisa ainda demonstrou que, desde 2010, a média anual de crescimento do volume de negócios entre as galerias pesquisadas foi de 22,5%. Em 2013, a expansão foi mais significativa: 90% delas informaram ter aumentado o volume de negócios. A média de crescimento entre o total de galerias pesquisadas ficou em 27,5%.
O principal termômetro que atesta essa onda de interesse pela arte por parte dos brasileiros é a feira SP-Arte, que aconteceu em abril último, em São Paulo, com um público de 23 mil pessoas na sua 11ª edição, superando o desempenho do ano passado. “A feira contou com uma crescente presença de renomados colecionadores estrangeiros, além de grande número de curadores, diretores de museus internacionais e jornalistas estrangeiros que disseminam, mundo afora, o nosso mercado e a arte produzida aqui”, observa Fernanda Feitosa, diretora da exposição.
“A nova Miami”
Sinais de que o mercado brasileiro de artes caiu no gosto dos estrangeiros saltam aos olhos. A presença de 57 galerias internacionais na última SP-Arte, e o recorde de participação de colecionadores de fora, em número de duzentos, superior, portanto, a 2014, não deixam dúvidas de que o Brasil entrou no roteiro do mercado de arte mundial, segundo dirigentes do setor. “O grande desafio, hoje, é atrair galerias estrangeiras considerando que há 180 feiras do gênero ao redor do planeta”, diz Feitosa. Na verdade, continuar exercendo essa atração é o grande negócio. “Assim como as nacionais, as galerias de fora querem divulgar seu trabalho, mas também visam o mercado no exterior. Já que eles têm muitas opções, o esforço da gente para se manter atrativo tem de ser maior.”
O peso do evento, realizado no recinto Ciccillo Matarazzo (Pavilhão da Bienal), em São Paulo, gerou R$ 140 milhões em vendas, R$ 17 milhões menos que a edição anterior, cifra que despertou a atenção da imprensa internacional. O jornal alemão “Die Welt” nomeou a capital paulista como “a nova Miami” do circuito das artes, dada a efervescência artística do evento, que está ganhando cada vez mais a adesão de gente do ramo de todos os quadrantes.
Eliana Finkelstein, presidente da Abact, acredita que o maior interesse do brasileiro pela arte se deve, também, ao aumento do poder aquisitivo da população nas últimas décadas. “Esse interesse vem do fato de que muitas pessoas vão para fora, visitam museus e, aí, começam a se interessar, passando a incluir as exposições em seus programas.” À frente da renomada Galeria Vermelho, situada na capital paulista, onde é sócia diretora, Eliana espera que, em 2015, o desempenho comercial seja superior a 2014, apesar da lentidão dos negócios. “A expectativa é que as vendas aumentem em até 20% em relação ao ano passado. Estamos planejando formas de driblar a crise, trabalhando bem mais os nossos artistas e explorando outros mercados”, conta.
Há 13 anos na ativa e com artistas de renome no mercado, como Claudia Andujar, André Komatsu e Chiara Banfi, a Galeria Vermelho faz dez exposições no Brasil e oito, em média, no mercado internacional. “A França aprecia muito o artista brasileiro, e um dos que mais vendem lá fora é Claudia Andujar, dona de um vasto trabalho de fotografia com índios ianomâmis”, relata a titular da Abact.
Outra estrela da galeria, André Komatsu é um artista bastante conhecido e festejado no exterior. Suas obras se caracterizam pela ideia da desconstrução, e o artista é conhecido por dar novos rumos ao entulho de ruas, de caçambas e de lixo, tanto por empregá-lo na produção de tridimensionais e instalações como, também, como suporte de desenhos de arquitetura.
Uma das mais conceituadas do país, a Galeria Millan, há 28 anos em atividade, em São Paulo, trabalhou com artistas brasileiros consagrados, tais como José Resende, paulista, considerado um dos mais inventivos escultores de sua geração, e o renomado artista plástico pernambucano Tunga, um dos mais importantes em sua área no mercado internacional.
Na edição da SP-Arte deste ano, a crise passou longe da Millan. “Foram vendidas 18 obras de artistas jovens e em evidência, e o crescimento das vendas superou em 30% o resultado de 2014”, destaca a galeria. Ana Prata, Felipe Cohen, Tatiana Blass, Thiago Rocha Pitta, Rodrigo Bivar e Sofia Borges são alguns dos nomes de peso da Millan. A galeria também já foi responsável pelo espólio da artista suíça radicada no Brasil, Mira Schendel, famosa no mercado mundial e que teve uma exposição no Museu de Arte Moderna (MoMA), de Nova York. Em média, a Millan realiza oito exposições em sua próprias instalações e dez no exterior, por exemplo, Estados Unidos, França e Portugal. Mas também há exposições coletivas e em outras instituições. Até junho, José Resende estava com uma individual na Pinacoteca, assim como Nelson Felix, presente em outra mostra no mesmo local, até julho.
Fora do eixo Rio-São Paulo, os negócios também estão caminhando. A Bolsa de Arte de Porto Alegre, uma das mais importantes do país, expandiu sua atuação para São Paulo a fim de poder trabalhar de maneira mais apurada as suas exposições e mostras. Com 35 anos de vida, ela justifica sua esticada à terra dos paulistas com o argumento de que “O mercado de São Paulo está diretamente ligado ao que acontece na América Latina. Por isso, achamos que seria importante abrir uma filial naquela cidade”, fala Marga Pasquali, diretora da galeria.
Com um acervo composto por obras de Alex Flemming, Adriana Duque e Iberê Camargo, a galeria sulina representa um total de 40 artistas do Brasil e do exterior. Um dos grandes nomes da Bolsa de Arte de Porto Alegre, o artista Saint Clair Cemin, que atualmente mora em Nova York, é um dos artistas brasileiros mais reconhecidos no exterior pela sua escultura contemporânea. “Estamos com uma exposição de Cemin na nossa galeria em São Paulo desde abril”, diz Marga “Também vamos fazer exposições com dois artistas mais novos, o mineiro Leonardo Finotti, que vai expor trabalhos em fotogravura, e o gaúcho Eduardo Haesbaert, que fará uma mostra com desenhos e pinturas.”
Realizando, em média, 15 exposições, anualmente, Marga lembra que, apesar de a economia estar passando por um momento delicado, sempre há boas oportunidades de negócios no campo das artes. “Muitos compradores podem se beneficiar, adquirindo de colecionadores que estão precisando vender para fazer dinheiro”, acentua ela.
Movidos pela adrenalina
Dona de um portfólio onde se destacam artistas famosos, como a sérvia Marina Abramovic e o brasileiro Fernando Zarif, a Luciana Brito Galeria, no setor desde 1997, é outra empresa que vive o momento de efervescência da arte no país. “O mercado sempre foi construído de crise em crise. Por isso, não nos deixamos abalar pelo período negro experimentado pela economia nacional, pois os negócios continuam”, diz Júlia Brito, uma das responsáveis pela galeria. A feira SP-Arte não trouxe surpresas aos negócios da galeria. “As vendas ocorreram dentro do esperado, e a feira foi muito boa para nós. O ambiente estava muito favorável aos negócios e as pessoas otimistas.” Com oito exposições no Brasil, a galeria Luciana Brito também participa de grandes eventos no exterior, como a feira de Art Basel, na Suíça. “O processo de compra de uma obra inclui muito a forma como o comprador se identifica com ela. O momento decisivo é quando ele se apaixona”, observa Júlia, acrescentando que a galeria também representa artistas jovens.
Os mesmos passos são dados pela Galeria Luisa Strina, de São Paulo, que na última SP-Arte repetiu os números de 2014. Há 40 anos no mercado, tem em suas realizações uma série de exposições históricas com nomes célebres como os estrangeiros Andy Warhol, James Rosenquist, Roy Lichtenstein e Jim Dine. Representando, atualmente, uma mistura de artistas consagrados e artistas emergentes, a galeria – uma da mais festejadas do país – faz, em média, dez exposições anualmente. “Os artistas da galeria com maior trajetória são Cildo Meireles, que acabou de ganhar o prêmio da Associação Brasileira de Críticos de Arte; Antonio Manuel, que está expondo agora na 56ª Bienal de Arte de Veneza; Anna Maria Maiolino, que já expôs na 13ª Documenta, em Kassel, e Renata Lucas, muito conhecida pelas intervenções arquitetônicas feitas em museus e instituições ao redor do mundo”, salienta Maria Quiroga, diretora da Luisa Strina.
A Galeria da Gávea, fundada em 2009, no Rio de Janeiro, é outro empreendimento que vem registrando crescimento significativo em seus negócios: fechou 2014 com vendas 38% maiores que em 2013. “Nosso público é diversificado, despontando entre eles jovens casais que parcelam as obras”, relata a gerente Gabriela Toledo. Durante a SP-Arte, a galeria expôs obras de artistas de vários gêneros. Chamava a atenção a exposição de fotos dos anos 1970 e 1980 de atrizes seminuas como Sônia Braga e Sandra Bréa do fotógrafo Antonio Guerreiro, que foi um ícone naqueles anos. “Estamos focados no resgate de fotografias que marcaram a vida brasileira, trazendo essa preciosidade para o mercado de arte”, esclarece Gabriela, acrescentando que os preços do material exposto na feira variavam de R$ 4.800 a R$ 10 mil.
A Gávea trabalha com onze artistas representados de forma permanente na capital carioca, além de dispor de um acervo com trabalhos de outros expoentes, a exemplo de Alexandre Sant’Anna, Ana Stewart, Antonio Augusto Fontes, Bina Fonyat, Bruno Veiga, Ivan Padovani, Julio Bittencourt entre outros. “Trabalhamos com fotos de artes geralmente premiadas”, frisa Gabriela.
Jones Bergamin, diretor-presidente da Bolsa de Arte, sediada no Rio de Janeiro e em São Paulo, tradicionais sedes de leilões no país, acredita que, no caso do mercado de artes, um dos maiores saldos da crise econômica reside na acomodação dos preços das obras. “Tivemos poucos leilões em 2015, mas o setor já soube atravessar com poucos arranhões todas as crises já amargadas pelo país”, afirma. Fundada em 1971, a Bolsa de Arte faz avaliações patrimoniais e particulares, cataloga obras, pesquisas, restauros, edições de arte, e divulga a obra de artistas nacionais dentro e fora do país. Norteada por uma seleção rigorosa de obras, hoje, seus leilões praticamente balizam o mercado de arte brasileiro. “Realizamos leilões periódicos, em torno de três por ano. Já chegamos a fazer quatro, mas não há tanta oferta no mercado. Está difícil encontrar oportunidades, ou seja, obras de qualidade a baixo preço porque, simplesmente, as pessoas não vão vender barato”, observa Bergamin.
O diretor da Bolsa de Arte enumera os três fatores principais que podem levar o proprietário de uma obra de arte valiosa a se desfazer dela. “As causas são bem definidas: morte, dívidas ou separação do casal. Pode ser, ainda, que o proprietário tenha vislumbrado o momento certo de vender, esperando ganhar com o investimento. Mas esse não é um fator preponderante”, afirma. Bergamin chama a atenção para o público que costuma frequentar os leilões. “O evento é para iniciados, não para leigos. A galeria de arte negocia preços. Já no leilão o comprador tem segundos para decidir pela compra. Então, se o comprador for leigo, o leilão não será a melhor opção”, ele sugere, dizendo que nessas vendas públicas as pessoas são movidas pela adrenalina, em especial os conhecedores de arte.
Ainda segundo Bergamin, as comissões sobre o que é vendido podem oscilar entre 15% e 20% e os lotes das obras são expostos antecipadamente na internet. O leilão realizado no dia 28 de maio último reuniu peças de Francisco Brennand, Carybé e Xico Stockinger, entre muitos outros artistas.