Postado em 30/07/2015
POLÍTICA E REFLEXIVA, A PRODUÇÃO DAS DÉCADAS DE 1960 E 1970 BUSCOU NOVAS FORMAS DE EXPRESSÃO POR MEIO DA APROPRIAÇÃO DE IMAGENS E OBJETOS
O ímpeto de deixar convenções de lado e pensar o novo, tão presente na arte contemporânea, ganhou força a partir dos anos 1960 no Brasil. Temas como a politização, o rompimento com a limitação do suporte delimitativo, a influência estrangeira e os meios de comunicação passaram a fazer parte da paleta dos criadores que despontavam.
Foi nesse período que, segundo a professora titular de História da Arte da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) Ana Maria Belluzzo, os artistas abandonaram os meios tradicionais da arte e buscaram novos modos de expressão por meio da apropriação de objetos, imagens, colagens, entre outros recursos.
Realizadores brasileiros como Rubens Gerchman (1942-2008), com Não Há Vagas (1965) e O Rei do Mau Gosto (1966), e Claudio Tozzi (1944), com Eu Bebo Chop, Ela Pensa em Casamento (1968), beberam na fonte da pop art americana, da qual herdaram o interesse pela comunicação e apropriação de imagens. Aqui essas características tão vivas na obra de nomes como Andy Warhol (1928-1987) e Roy Lichtenstein (1923-1997) ganharam novos contornos devido às condições políticas e sociais.
No país, a ascensão dos meios e formas de comunicação (TV, publicidade, cinema, música) convivia com o incipiente cotidiano urbano e o engajamento do momento de transição política que atravessava toda a América Latina. “Havia muitas discussões, até pela construção de Brasília – projetada por Oscar Niemeyer (1907-2012) e inaugurada em 1960 –, e foi um choque grande, pois uma série de crenças foram abaladas.
O fato é que tínhamos artistas dentro de um projeto construtivo, alguns acreditavam na projeção da arte em série ou aproximação forte com o design, que significou a proximidade com a indústria”, explica a historiadora da arte e organizadora do livro Geraldo de Barros e a Fotografia (Edições SESC, IMS, 2015) Heloisa Espada. “Estávamos florescendo e crescendo industrialmente, o que fortaleceu a crença de que o Brasil se desenvolvesse e não fosse mais um exportador de matéria-prima, mas de conhecimento e de arte. A arquitetura era um símbolo disso.”
PIONEIROS
Alguns adeptos da arte concreta nesse período começaram a olhar em outras direções, como Geraldo de Barros (1923-1998) e Waldemar Cordeiro (1925-1973), pioneiro da arte eletrônica no país. Em homenagem ao poeta Augusto de Campos, Cordeiro dá forma a Popcreto para um Popcrítico (1964), obra entendida como resultado de novas configurações entre a arte e a sociedade.
Segundo Heloisa, a menção ao pop se dá por ser um termo conhecido, e há razões para isso, mas existia uma preocupação com a cultura de massa, ampliação do campo gráfico e das mídias culturais. “Foi um momento de expansão das imagens no Brasil pelo cinema, publicidade, uma indústria cultural muito influente nos Estados Unidos – o que tocou os artistas, porém tínhamos um choque em relação a essa nova cultura visual mais pop, de massa, com uma transformação social e política traumática”, analisa. A historiadora cita Geraldo de Barros, que se apropriou de cartazes, imagens e pinturas, mas não teve como resultado “uma planificação esvaziada do pop americano, que continua sendo colorido e sedutor, porém no Brasil se mostrou meio indigesto”, exemplifica.
ALÉMPOP
RETROSPECTIVA DE MARCELLO NITSCHE AJUDA A COMPREENDER A PRODUÇÃO INOVADORA E CRÍTICA DO ARTISTA PAULISTANO
Alcimar Frazão, técnico de programacão do Sesc Pompeia, conta que há tempos o núcleo de programação da unidade planejava “se debruçar sobre a produção brasileira da década de 1960/70”, fato que ganha materialidade com a exposição LIG DES – Marcello Nitsche, aberta ao público até 30 de agosto. “A ideia de retomar a obra do Marcello Nitsche se insere nesse desejo. Nitsche (1942) é um artista importantíssimo. É o primeiro a inserir uma obra pública diretamente no chão, sem a pompa dos monumentos públicos, é um artista que se envolve com a produção industrial a partir de uma prerrogativa humanista e coloca o operário como autor e como motor das transformações que seu fazer ocasiona”, contextualiza.
De acordo com Frazão, a nova objetividade, o “movimento” ao qual a produção do artista se integra inicialmente, era uma resposta direta à industrialização acelerada dos centros urbanos, de um lado, e ao otimismo cínico da pop art americana, de outro. “A obra de Marcello se debruça criticamente sobre estas questões: a indústria que avança sobre a vida nos casebres, a cidade fraturada e um universo imagético industrial que começa a ganhar volume no espaço urbano”, explica.
Quem estiver frente a frente com suas criações verá peças que abarcam a trajetória produtiva do artista, “numa sequência seletiva e não exaustiva”, pondera a curadora Ana Maria Belluzzo. Segundo ela, a exposição é resultado de uma pesquisa minuciosa da obra “que estava longe dos olhos do grande público”.
Com o objetivo de retomar esse diálogo e agregar novos admiradores a uma audiência já cativa, Ana Maria reforça que Nitsche é um artista erudito e esteve em contato com movimentos artísticos, entre eles o pop americano: “Olhando a obra você percebe que ele conhece esse universo, detém esse conhecimento, mas também está em contato com a pintura de caminhão do espaço suburbano da cidade, as tiras de quadrinhos que chegavam ao Brasil”.
Para a curadora é importante perceber a renovação semântica da produção de Nitsche. “É muito bacana como a obra sobrevive ao tempo e passa a contar novas coisas a cada aproximação”, acrescenta.
Completando a apresentação, Bolha Amarela (1969) foi recriada na área de convivência do Sesc Pompeia. “Temos vídeos históricos nunca antes exibidos tratados especialmente para a mostra, trazendo a público uma parte importante da experiência poética e inquieta de Nitsche”, comenta Frazão.
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