Postado em 09/09/2015
Por: EVANILDO DA SILVEIRA
Apesar do avanço de outras áreas da economia e da consequente diversificação da pauta de exportações brasileira nas últimas décadas – descontada a crise que o Brasil atravessa atualmente –, ainda é o agronegócio que garante uma gorda fatia da balança comercial e ameniza a queda do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Os números não deixam dúvidas. Em 2014, o PIB do setor chegou a R$ 1,178 trilhão, correspondendo a 21,34% do nacional, e as suas exportações alcançaram US$ 96,74 bilhões, ou 42,97% do total vendido ao exterior, que foi de US$ 225,10 bilhões. E em 2015 a importância do setor agrícola continuou pesando nos números da economia. Segundo as previsões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a safra em curso deverá atingir 209 milhões de toneladas, 8,1% a mais que a anterior. As estimativas apontam para a expansão de quase todas as culturas, casos do trigo (17%), da soja (11,7%), do milho (9,7%) e da laranja (9,3%).
Mas, como não há nada perfeito, a agropecuária nacional também tem problemas e da mesma magnitude de seu sucesso. Entre os principais estão os de logística e infraestrutura de transporte para escoamento da safra, que aumentam as perdas da produção e elevam seus custos. Embora não tenha repetido o desempenho de 2013, quando cresceu 5,22%, o incremento de 1,6% do setor no ano passado é significativo, quando comparado à performance do PIB nacional, que teve uma elevação em 2014 de apenas 0,1%. Mesmo com esse resultado modesto, o agronegócio garantiu que o déficit do saldo comercial do Brasil não fosse maior que os US$ 3,93 bilhões registrados; ele sozinho experimentou um superávit de US$ 80,13 bilhões. Esse resultado vem do fato de o país ser o primeiro produtor mundial de açúcar, café e suco de laranja; o segundo de carne bovina e soja em grão; o terceiro de carne de frango, farelo de soja e milho e óleo; e o quarto de carne suína. Em exportações, é o primeiro em açúcar, café, carne bovina e de frango, milho, soja em grão e suco de laranja; o segundo em farelo de soja e óleo, e o quarto em carne suína.
De qualquer forma, o crescimento do agronegócio não reflete a disparidade entre os seus ramos registrada em anos anteriores. Por exemplo, de acordo com dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), enquanto a pecuária cresceu 6,92%, atingindo R$ 378,3 bilhões, o que representa 32% do PIB da agropecuária, a agricultura fechou 2014 em ligeira baixa de 0,74%, ficando em R$ 800,57 bilhões (68%). Ainda de acordo com informações da CNA, corroboradas pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), na pecuária, houve alta em todos os segmentos, com destaque para o setor primário, que se expandiu 8,32%. No caso da agricultura, esse setor também cresceu – foi o único – mas num índice bem menor, de apenas 0,15%.
Com uma queda de 0,32% naquele exercício, a agroindústria nacional também contribuiu para que o crescimento do PIB do agronegócio fosse modesto. Das dez atividades acompanhadas, apenas três tiveram alta: café, celulose e papel, e etanol, levando o segmento a fechar o período com uma retração de 0,94%. A indústria de base pecuária, por sua vez, teve melhor desempenho, com crescimento de 3,87%, principalmente por causa da significativa valorização das carnes bovina e suína.
Em relação a 2015, os dados da CNA e do Cepea/Esalq, tomando por base o primeiro trimestre deste ano, já mostram um comportamento do agronegócio pior do que em igual período de 2014. Sentindo a crise e as incertezas da economia, o PIB do setor avançou apenas 0,04%. Grande parte da responsabilidade pelo baixo crescimento se dá à agricultura, que amargou uma retração de 0,30% de janeiro a março, e à agroindústria, que caiu 0,22%. Em contrapartida, a pecuária experimentou um comportamento positivo da ordem de 0,74%. Apesar dos percalços no ano passado e início de 2015, não há como negar o sucesso da agropecuária nacional ao longo das duas últimas décadas e meia. Nesse período, a área plantada aumentou 50,1%, passando de 38 milhões de hectares, na safra 1990/1991, para 57,06 milhões em 2013/2014, enquanto a produção cresceu 234,9%, no mesmo período, indo de 57,8 para 193,6 milhões de toneladas de grãos.
Esse índice poderá subir para 249,8% com a próxima safra (2014/2015), se for confirmada a estimativa de uma colheita de 202,2 milhões de toneladas. Ou 204,5 milhões de toneladas, segundo uma previsão de meados do ano, portanto, um incremento de 5,9% sobre o resultado de 2014. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a área destinada às principais culturas agrícolas em solo brasileiro poderá crescer à taxa média de 1,5% ao ano até 2024. A projeção, que integra um relatório sobre a agricultura brasileira nos próximos dez anos (contados a partir de 2014) preparado por aquelas duas instituições, diz que a área plantada no Brasil deve chegar a 69,4 milhões de hectares ao fim daquele período, um salto e tanto sobre a área média dos anos 2012 a 2014. Esse avanço, se confirmado, será creditado ao aumento na área de cultivo de cana-de-açúcar, algodão e oleaginosas.
Melhoramento genético
O ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, hoje coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (GV Agro), diz que, além da área atualmente plantada no país, são explorados 170 milhões de hectares de pastagens para a criação de gado. “Desse total, aproximadamente 50 milhões de hectares estão degradados”, esclarece. “E isso porque a produção de carne por hectare cresceu 100% nos últimos 25 anos. Ou seja, os pecuaristas estão reduzindo a área de pasto e aumentando a produção de carne. Por isso, sobram terras de pastagens.”
Rodrigues calcula que dos 50 milhões de hectares degradados ou não aproveitados pela pecuária, 10 milhões irão para a agricultura no futuro próximo. A esse total, deverão ser adicionados outros 5 milhões de hectares, que serão abertos ao cultivo por meio de desmatamento legal, sobretudo na área do cerrado. “Acreditamos que a agricultura pode aumentar horizontalmente mais 15 milhões de hectares”, diz. “Mas podemos crescer muito verticalmente na produtividade agrícola. Algumas culturas como a soja, por exemplo, já estão no limite, mas há outras, como o arroz, a cana-de-açúcar, o milho e o trigo, que ainda poderão ter sua produtividade muito aumentada. Desse modo, nos próximos dez anos o agronegócio brasileiro pode avançar 38%, pouco menos que os 40% desejados pela OCDE.”
A economista Daniela de Paula Rocha, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), lembra, por sua vez, que há uma nova fronteira agrícola do país se expandindo, chamada MATOPIBA – sigla formada com as sílabas iniciais de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. De acordo com ela, antes se falava muito dessa área, mas agora ela foi instituída oficialmente, por meio do Decreto nº 8.447, de 6 de maio de 2015, que dispõe sobre o seu Plano de Desenvolvimento Agropecuário e a criação de seu Comitê Gestor. “Ficou estabelecido que a região é formada por 327 municípios”, diz. “Até agora, os produtores estavam utilizando variedades de plantas do centro-oeste. Hoje, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) já lançou novas variedades mais adaptadas para essa região e deverá melhorar sua produtividade.”
Para o representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic, o país tem “amplas possibilidades” de ser o principal exportador de alimentos para o mundo nos próximos anos, embora ainda sejam necessários aperfeiçoamentos na infraestrutura logística. Rodrigues atribuiu a performance do setor a três fatores principais: tecnologia, políticas públicas em favor do setor e conscientização dos produtores rurais de que é preciso evoluir, investindo em inovação. No primeiro caso, estão, por exemplo, o melhoramento genético de plantas e animais, a correção do solo, a adaptação de espécies originárias de outras regiões do planeta às condições climáticas e ambientais do Brasil e novas técnicas de plantio.
A consequência mais marcante do uso dessas tecnologias foi o aumento da produtividade, cujo crescimento girou em torno de 3% ao ano nas últimas duas décadas. Além de aumentar a colheita, isso traz outros benefícios ao país. “Se nós tivéssemos hoje a mesma produtividade de 25 anos atrás, teríamos de plantar mais 69 milhões de hectares para colhermos uma safra igual à mais recente”, diz Rodrigues. “Em outras palavras, preservamos 69 milhões de hectares, e nossa agricultura, baseada na inovação, é a mais sustentável do mundo. Nenhuma nação aumentou sua produtividade como a nossa em um espaço de tempo tão curto.” Ele ressalta que isso não se deu apenas com os grãos, mas também com a carne de frango e suína no mesmo período, a primeira com um aumento da produção de 445%, a segunda, de 223%.
Em relação às políticas públicas, o ex-ministro cita como uma das mais importantes empreitadas o Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Nossas máquinas agrícolas eram carroças nos anos 1990, comparadas com as do Primeiro Mundo”, afirma. “Ou seja, eram velhas, superadas e arcaicas. O Moderfrota foi um plano de financiamento para reformar a mecanização existente. Em cinco anos, assistimos a uma revolução no setor e hoje as máquinas são novas.” O terceiro fator foram os próprios produtores rurais que, segundo Rodrigues, amargaram momentos difíceis, mas aqueles que conseguiram superá-los se fortaleceram. Ele está se referindo aos planos econômicos. Ele lembra que, não faz muito tempo, o país convivia com uma inflação de 80% ao mês, políticas públicas protecionistas e muito subsídio à agricultura. Nesse tempo, a maior parte da renda – até 60% – dos agropecuaristas vinha de aplicações financeiras, como o overnight, e não propriamente da safra. Com isso, a ineficiência da agricultura era muito grande, pois tanto fazia produzir 100 ou 120 sacas por hectare.
Recordes de produtividade
O Plano Collor, por exemplo, foi um desastre, segundo o ex-ministro da Agricultura. “Ele arrombou o Brasil comercialmente, acabou com as políticas públicas e o Estado perdeu a capacidade de investir”, lembra. Em 1990, o PIB recuou 4,3% e os preços bateram em 1.620%. “Em meados de 1994 foi a vez do Plano Real, que estabilizou a inflação em torno de um dígito apenas. Então, nós saímos de uma economia fechada para outra aberta, no aspecto comercial, exposta à concorrência e com inflação em torno de 8% ao ano e que não permitia viver de aplicações financeiras.” De acordo com Rodrigues, isso causou, num primeiro momento, uma onda de exclusão, com a quebra de milhares de empresas e produtores agrícolas. “Não há números precisos, mas estima-se que 150 mil pequenos ruralistas do sul e do nordeste, e médios e grandes do centro-oeste e sudeste faliram no período.”
Depois disso, veio outra onda, a da competitividade, e quem passou pela primeira tinha agora de lutar para sobreviver no novo cenário. Para tanto, teve de apelar para a inovação e lançar mão de uma gestão eficiente. “Foi um ajuste que os outros setores não fizeram”, ressalta Rodrigues. “É por isso que o agronegócio até agora ainda colhe os resultados desse processo e continua apostando em novas técnicas. Hoje está na cabeça do agropecuarista brasileiro que sem tecnologia não se produz. A consequência é que estamos batendo recordes de produtividade e de safras, ano após ano.”
A economista Ignez Vidigal Lopes, do Ibre/FGV, lembra outra grande conquista do agronegócio nacional: a incorporação dos cerrados ao processo produtivo da agropecuária. “Naquela região só era explorada a pecuária extensiva e o cultivo de arroz”, explica. “Com o desenvolvimento de novas variedades, foi possível fazer o cultivo da soja, por exemplo. Além disso, a área tem uma topografia adequada para a mecanização.” De acordo com Ignez, os produtores aos poucos foram dominando a tecnologia da chamada agricultura tropical. “Hoje o Brasil é líder nesse segmento, e isso só foi possível graças às pesquisas científicas, que geraram o desenvolvimento de sementes adaptadas e a correção dos solos, que eram muito ácidos.”
Mas nem tudo anda bem no agronegócio. Se da porteira para dentro o país tem do que se orgulhar, o mesmo não acontece do lado de fora. Entra ano, sai ano, os problemas de logística e infraestrutura de transporte para o escoamento da safra continuam impondo obstáculos ao setor. Quando a colheita deixa a fazenda rumo ao seu destino final, boa parte das vezes a caminho do exterior, tem de cumprir uma longa jornada, que passa por estradas esburacadas, ferrovias escassas e lentas e portos sucateados. Ou seja, a agropecuária nacional fez a lição de casa, sendo extremamente competitiva em termos de tecnologia de produção, mas não se pode dizer o mesmo da infraestrutura.
Um estudo da Confederação Nacional do Transporte (CNT) traduz essa situação em números. Intitulado Transporte & Desenvolvimento – Entraves Logísticos ao Escoamento de Soja e Milho, o levantamento identificou os principais gargalos à exportação e propôs soluções capazes de desonerar os procedimentos. Segundo a CNT, “o custo do frete, que é impactado tanto pela disponibilidade quanto pela qualidade da infraestrutura logística de escoamento dos grãos, pode chegar a representar até 50% do preço da tonelada de milho e 23% do da soja”.
Ainda de acordo com o estudo, as condições do pavimento das rodovias levam a um aumento de 30,5% no custo operacional das vendas externas daqueles grãos, as duas culturas mais embarcadas pelo país. Mais: se fossem eliminados os gastos adicionais que decorrem desse gargalo, haveria uma economia anual de R$ 3,8 bilhões, ou seja, “o correspondente ao valor de quase 4 milhões de toneladas de soja ou a 24,4% do investimento público federal em infraestrutura de transporte efetuado em 2014”. O problema se agrava, porque há um desequilíbrio na malha de transporte brasileira, com o predomínio do modal rodoviário. No caso da soja, 65% do total exportado são transportados por rodovias e apenas 26% por ferrovias e 9% por hidrovias.
Em outros países, a situação é diferente. Nos Estados Unidos, por exemplo, principal concorrente do Brasil no mercado da soja, somente 20% da safra é transportada por caminhões, de acordo com a pesquisa. “Na Argentina, o percentual é de 84%, mas as distâncias médias entre regiões produtoras e portos são pequenas, ao redor de 250 a 300 quilômetros”, destaca a CNT. “Aqui, a distância percorrida pelos veículos, do centro-oeste (principal área de cultivo de grãos no país) aos portos do sul e do sudeste, chega a ultrapassar 2 mil quilômetros. É o que ocorre na maior parte dos deslocamentos do milho e da soja, considerando que, atualmente, 67% das exportações são feitas pelos portos de Santos (SP), Paranaguá (PR) e Rio Grande (RS).” Isso se deve a um fenômeno que vem sendo verificado nas últimas décadas: a interiorização da agricultura, que distanciou os centros produtores dos grãos das zonas de processamento e de exportação. “A situação se agrava com a baixa disponibilidade de infraestrutura de transporte que, associada à concentração do atual sistema logístico, resulta em um número reduzido de opções de rotas alternativas para escoamento”, salienta a CNT. “Consequentemente, verifica-se uma sobrecarga do sistema que se traduz em perda de eficiência operacional.”
Exportação de tecnologia
O superintendente técnico da CNA, Bruno Lucchi, tem mais dados sobre esse processo de interiorização. “De toda a colheita do milho e da soja, 54,1% estão acima (ao norte) do Paralelo 16 (que corta, de leste a oeste, os estados de Minas Gerais, Bahia, Goiás, Distrito Federal e Mato Grosso) e 45,9%, abaixo (ao sul)”, explica. “O que sai pelos portos da região do chamado Arco Norte soma 13,3%; já o que é exportado pelos das regiões sul e sudeste totaliza 86,7%. Essa discrepância onera muito os custos de exportação dos produtos nacionais.” Com a transferência do plantio para o norte, o custo Brasil do transporte subiu, em 2013, para US$ 85 a tonelada, contra US$ 23 dos Estados Unidos e US$ 20 da Argentina.
O aumento no número e uma maior extensão das ferrovias poderiam amenizar o problema. Pesquisa feita para o estudo da CNT revelou que 83,3% dos maiores embarcadores de milho e soja consideram a pouca disponibilidade de estradas de ferro um problema grave ou muito grave para o escoamento da produção. Para comparar, o tamanho da malha ferroviária do Brasil equivale a 15% da dos Estados Unidos. Para resolver a situação dos outros modais de transporte, a CNT verificou a necessidade de execução de 2.045 projetos, com investimentos estimados em R$ 987,7 bilhões.
Além desses obstáculos, o ex-ministro Rodrigues vê um mais pernicioso: a falta de uma visão estratégica do Estado brasileiro em relação ao agronegócio. “É algo que me incomoda muito”, diz. “Em 2011, a OCDE fez um levantamento que mostrou que em dez anos, a partir daquele exercício, a oferta mundial de alimento terá de crescer 20%, para não prejudicar o abastecimento mundial. A produção agrícola da União Europeia vai experimentar um incremento de 4% no período; os Estados Unidos e o Canadá, de 15%; a China, a Índia e a Ucrânia, de algo em torno de 25%, 26%, e o Brasil, de 40%. Na verdade, pela primeira vez na história do mundo, a OCDE está dizendo o seguinte: Brasil, pelo amor de Deus, cresça 40% para que o mundo avance 20%. Então há uma expectativa muito grande sobre o nosso potencial”, sustenta Rodrigues.
De acordo com ele, isso se baseia em três aspectos fundamentais: terra disponível, tecnologia tropical bem desenvolvida e sustentável e produtores modernos. “Então, nós temos vantagens comparativas, que realmente fazem do Brasil a bola da vez do agronegócio mundial”, diz. E completa afirmando que “o mundo está pedindo isso e nós estamos de costas para ele. Não temos estratégia”. Tal se revela, segundo o ex-ministro, além de numa logística ruim, na ausência de uma política comercial agressiva, consistente e tecnológica de crescimento expansivo. “Nós estamos crescendo apenas vegetativamente, quando tínhamos que investir para valer”, critica. “A nossa agricultura tropical é a maior do mundo, mas os outros países estão avançando também e estamos ficando para trás.”
Um caminho alternativo para enfrentar os problemas com os quais o agronegócio brasileiro vai se defrontar nos próximos anos, dizem, é exportar sua tecnologia agrícola para outros países. Produtores e empresas agropecuárias nacionais poderiam optar por abrir fronteiras agrícolas em territórios estrangeiros, como na África. Outra opção para ter maior rentabilidade e valorizar as exportações seria aumentar o nível de transformação dos produtos agrícolas, diminuindo a venda in natura. “O Brasil é referência em tecnologia tropical”, diz Lucchi, da CNA. “Então, quando o mercado africano se abrir, quem vai abastecê-lo com novas técnicas, informação, maquinários e sementes será o Brasil.”
Aquecimento global
Esses são alguns dos problemas de hoje, mas há ainda os que virão pela frente. Os mais graves estão nos impactos das mudanças climáticas nas regiões produtoras. Segundo o estudo Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira, realizado em conjunto pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Embrapa, o aquecimento global poderá provocar alterações significativas no mapa da agricultura nacional, reduzindo as áreas cultivadas e podendo causar prejuízos econômicos de cerca de R$ 7,4 bilhões, em 2020, e de R$ 14 bilhões, em 2070. Na pesquisa foram avaliadas as culturas de algodão, arroz, café, cana-de-açúcar, feijão, girassol, mandioca, milho e soja.
Na realidade, as mudanças climáticas afetarão todas as regiões. O nordeste, por exemplo, sofrerá um forte impacto com o aumento das temperaturas. Toda a área correspondente ao agreste, hoje responsável pela maior parte da produção regional de milho, e a região dos cerrados no sul do Maranhão e do Piauí, e do oeste da Bahia – onde predomina o cultivo da soja –, poderão ser as mais atingidas, enquanto a mandioca corre o risco de desaparecer do semiárido nordestino. O sudeste também não ficará imune ao aquecimento, afetando principalmente o café, que terá poucas condições de sobrevivência na área. A região sul, por sua vez, que hoje é mais restritiva às culturas adaptadas ao clima tropical por causa da ocorrência de geadas, deverá se tornar propícia ao plantio da mandioca, do café e da cana-de-açúcar, mas não mais da soja. A região menos afetada será o centro-oeste, que deverá permanecer como área de baixo risco, mas cada vez mais dependente de irrigação no período mais seco.
Apesar de causar prejuízos à maioria das culturas, as mudanças climáticas poderão, em contrapartida, beneficiar algumas espécies agrícolas. É o caso da cana-de-açúcar, que deverá ser a mais favorecida até o final do século 21. A cultura, que hoje conta com uma área plantada de cerca de 10 milhões de hectares, terá um espaço potencial de 17 milhões de hectares em 2020. Embora os impactos do aquecimento global sejam inevitáveis, eles podem ser mitigados. Há várias medidas que o país deverá adotar para tanto. No primeiro momento, a situação não será fácil de ser contornada, é verdade. Mas, por causa do grande domínio que o Brasil tem hoje de tecnologias em agricultura tropical, poderão ser adotadas soluções biotecnológicas para superar os problemas nos próximos 20 anos. Para os pesquisadores da Embrapa e da Unicamp, métodos alternativos de lidar com a agricultura e a pecuária podem reduzir as emissões de gases do efeito estufa do setor e ajudar até mesmo a tirá-los da atmosfera, contribuindo com a diminuição do problema.
Ações no sentido de enfrentar a situação passam pela redução das queimadas e do desmatamento, adoção de práticas agrícolas mais eficientes no sequestro de carbono, como o plantio direto, e integração da lavoura com a pecuária. Essas medidas talvez se revelem o maior diferencial do país em relação às mudanças climáticas. O Brasil é uma das poucas nações, senão a única, com área e conhecimento técnico capazes de conseguir escala na redução das emissões de gases de efeito estufa.