Postado em 09/09/2015
Welber Oliveira Barral, mestre em direito e relações internacionais e doutor em direito internacional pela Universidade de São Paulo, é professor de negociações internacionais no Instituto Rio Branco e consultor e árbitro do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul.
Foi secretário do Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, procurador federal e professor de direito internacional na Universidade Federal de Santa Catarina, com pós-doutorado na Georgetown University, de Washington.
Esta palestra de Welber Barral, com o tema “Brasil – um País Caro para Fabricar”, foi proferida no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo, no dia 13 de novembro de 2014.
Pretendo falar sobre o cenário enfrentado pela indústria e pelo exportador brasileiro, qual a agenda de política comercial e discutir isso com os senhores. Quando falamos do custo de produção no Brasil, todos conhecem a longa lista de desvantagens que temos em relação a outros países em desenvolvimento. O Brasil tem entraves operacionais muito caros e infraestrutura precária.
Em 2006 o país comemorou o fato de ter, pela primeira vez, exportado US$ 100 bilhões. Em 2009 foram US$ 200 bilhões, com os mesmos portos, aeroportos e estradas. A verdade é que não conseguimos executar nem os grandes programas de infraestrutura que pretendíamos fazer nem conseguimos atrair investimentos. A consequência disso, para dar um exemplo, é que o custo de trazer um contêiner de Xangai a Santos é de US$ 100 e de Santos a São Paulo, US$ 120. Uma distorção imensa nos custos de logística.
Temos também uma burocracia extremamente complexa. Somos o pior país do mundo em termos de burocracia tributária, por exemplo. Em média, uma empresa precisa de 2,7 mil horas só para pagar impostos. A Volkswagen gasta muito mais que 22 mil horas, um custo imenso quando comparado com outros países.
Há poucos dias conversei com o presidente de uma empresa americana que tem uma fábrica com 5 mil funcionários em São Paulo e outra do mesmo porte na Índia. A Índia não é um exemplo de pouca burocracia, mas lá há cinco pessoas para cuidar da parte tributária, aqui são 60.
Além da burocracia, há o custo do próprio sistema tributário. Edmar Bacha muito tempo atrás disse que o Brasil era a Belíndia, mistura de Bélgica com Índia. Prefiro a frase de Delfim Netto, de que o Brasil na verdade é a Ingana, porque tem os impostos da Inglaterra e os serviços públicos de Gana. Comparativamente, pelo custo tributário no Brasil, deveríamos ter a melhor educação e saúde do mundo. Não se trata, portanto, de pouco investimento em educação ou saúde, mas de mau investimento.
Juros e riscos
Outra questão é o custo do financiamento no Brasil. É alto e todos nós sabemos que sua razão central é a taxa de juros básica muito elevada. Mas é interessante notar que a taxa de risco também é alta. Alguns bancos internacionais estão no Brasil e em países como o Chile, onde a taxa de juros e o spread bancário são muito menores. Apesar disso, o lucro desses bancos no Chile é maior, em razão do risco no Brasil, da dificuldade de financiamento, da burocracia, dos contenciosos judiciais e da própria ineficácia do Judiciário em garantir os contratos.
O governo tenta compensar, de certa forma, as ineficiências do sistema tributário através de mecanismos de ressarcimento. O grande problema é que é mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que alguém receber dinheiro de volta do Estado. Os mecanismos de ressarcimento são inseguros, não só para os contribuintes, mas também para os entes federativos, ou seja, os estados não confiam na União e isso dificulta sobremaneira as tentativas de unificar tributos.
Quanto à taxa de câmbio, o que aconteceu no final do governo Fernando Henrique Cardoso e durante todo o governo Lula, que praticamente manteve a mesma política econômica, foi que conscientemente Brasília tomou a decisão de expandir o mercado consumidor, ou seja, houve elevação de salários, milhões de pessoas saíram da pobreza e cresceu o mercado consumidor. Mas para aumentar esse mercado consumidor e impedir a inflação de demanda, o governo manteve a moeda muito forte. A consequência direta disso foi uma perda muito grande de competitividade internacional dos produtos brasileiros. Entre os anos 2000 e 2010, o Brasil perdeu exportações de produtos manufaturados por não poder competir principalmente com as novas economias emergentes e passou a ser um grande exportador de produtos básicos, que tiveram uma elevação muito grande de preço no mercado internacional.
Um dado que preocupa é o saldo da balança comercial. Ele é importante, porque o país tem um déficit estrutural na balança de serviços. Em outras palavras, o Brasil é um país que tem muito investimento direto, que se tem mantido num patamar alto, mas há também muita remessa de dividendos.
Na balança comercial tivemos na última década superávits muito importantes, chegando a US$ 48 bilhões anuais, o que servia para equilibrar muito a balança de serviços, em que estão os serviços bancários, transporte marítimo, seguros etc. Nessa balança somos altamente deficitários em todos os setores, com a exceção de construção civil, por conta das empresas brasileiras no exterior, e da cirurgia plástica que, apesar de importante, não afeta tanto a balança. Isso era compensado pela balança comercial. Mas o superávit da balança comercial fundamentalmente acaba neste ano de 2014. Se tivermos superávit, será inferior a US$ 2 bilhões, muito pouco, com tendência a um déficit em 2015.
No médio prazo pode haver um descontrole da balança de pagamentos, porque não vamos conseguir reverter a balança de serviços nem garantir superávit na balança comercial. Comparativamente a outros países em desenvolvimento e mesmo da América Latina, o Brasil é um país fechado ao comércio internacional, o que gera sempre esse dilema do governo de não permitir o real enfraquecido, porque isso na realidade geraria uma oferta insuficiente no mercado interno, portanto, um quadro de aumento da inflação.
Mercosul
No cenário internacional, o Brasil tem uma série de problemas. A verdade é que o grande projeto de integração foi o Mercosul, mas o país se tornou grande demais para esse bloco. A economia argentina hoje é a metade da economia do estado de São Paulo. O tamanho do Brasil fez dele um país importante nas relações internacionais, embora tímido neste governo. No projeto regional, não sabemos o que fazer, como avançar. O peso é o mesmo para cada país membro, situação que se complicou com a entrada da Venezuela. Também não podemos retroceder no Mercosul, porque o custo político seria muito grande. Há muita crítica na Fiesp, onde há quem defenda que deveríamos partir para acordos bilaterais, deixando o Mercosul de lado, mas isso é muito mais difícil de realizar do que mencionar.
Há outras dificuldades, como a falta de acordos comerciais. Praticamente não temos acordo de serviços, nem de investimentos, são poucos os acordos de bitributação e isso dificulta os investimentos.
Tivemos perda relativa de acesso a mercados internacionais. Desde a criação da Aladi [Associação Latino-Americana de Integração], em 1980, o Brasil fez vários acordos preferenciais com países da região: Chile, Peru, Colômbia, Bolívia, Equador etc. Era o mercado natural das manufaturas brasileiras. Mas alguns deles, principalmente Chile, Peru, Colômbia e México, estão fazendo acordos mais vantajosos com outros mercados. Começaram com os Estados Unidos, mas já estão com Japão, Coreia do Sul e China. O Brasil tem perdido esses mercados, até porque o tratamento tributário fora da região é muito melhor do que no Brasil.
Outra questão é que há hoje em curso dois mega-acordos preferenciais, o transpacífico (TPP) [Trans-Pacific Partnership] e o transatlântico (TTIP) [Transatlantic Trade and Investment Partnership]. O TTIP envolve Estados Unidos e União Europeia, uma negociação muito difícil, onde na realidade a tarifa não é tão importante. Na negociação estão propondo uma série de regras de padronização de produtos, o que é extremamente importante e acaba afetando países como o Brasil, que para exportar para esses mercados terá de adotar aqueles padrões. O mesmo ocorre com o TPP, que envolve Estados Unidos, Canadá, México e todos os países da Ásia, com exceção da China. É o projeto geopolítico dos Estados Unidos.
Serviços
Um conceito atual no comércio internacional são as cadeias globais de valor. Um exemplo é a motosserra que tem 1.100 peças, provenientes de mais de 80 países. Isso para não falar do iPhone e produtos mais sofisticados. Essas cadeias estão no mundo inteiro, e há países que se especializam cada vez mais em produção de um produto ou de uma peça para um produto. O Brasil tem ficado fora dessas cadeias globais de valor, por várias razões. Uma delas é a geografia, outras incluem a pouca preocupação ou compreensão do que é o comércio de serviços. Na economia brasileira de hoje, 70% corresponde ao setor de serviços, que já ultrapassou a agricultura e a indústria juntas. Mas é um setor desarticulado em termos de legislação, de incentivos e de produção.
Como é que o governo pretende responder a esses dilemas no comércio internacional? O programa do governo é vago, falando em competitividade produtiva, investimento em produção, consumo de massa, infraestrutura social e econômica, modernização do parque industrial, desenvolvimento da cadeia de fornecedores e a exigência de conteúdo local, desburocratização e simplificação tributária. Todo mundo está de acordo com tudo isso, mas como chegar lá? Fala-se na integração com a América Latina e a África, com os Brics, no fortalecimento do Mercosul e Unasul [União das Nações Sul-Africanas] e na manutenção de relações com economias desenvolvidas. Só isso. Então é difícil saber qual é a estratégia real, principalmente porque o Itamaraty perdeu muito de sua relevância, deixou de ser ouvido em várias dessas decisões internacionais.
No caso da política comercial, o programa de governo tem vários problemas. Primeiro, ele dá ênfase ao eixo sul-sul, mas dá pouca atenção a parceiros importantes como União Europeia e Estados Unidos. Na realidade, uma das prioridades deveria ser a conclusão do acordo Mercosul-União Europeia, que está sendo negociado há mais de dez anos. Há uma retórica ideológica dentro do governo, focada nas relações sul-sul. Como diz a professora Vera Thorstensen, casar com pobre só dá certo na novela das oito. Não há uma estratégia, por exemplo, para lidar com os mega-acordos. Se o transpacífico e o transatlântico forem firmados, haverá problemas imediatos.
O programa também não menciona o papel dos serviços no comércio exterior e não diz que medidas serão adotadas no âmbito tributário nem para facilitar o comércio nem para diminuir a burocracia. Para ser justo com o atual governo, há alguns projetos, como o de criar uma janela única de comércio exterior. O Siscomex [Sistema Integrado de Comércio Exterior], criado em 1992, já está bastante defasado.
Outro dado interessante na agenda pendente é que o governo adotou uma série de medidas protecionistas, como o Inovar-Auto, que favorece fornecedores locais, e isso não está necessariamente de acordo com as regras da OMC [Organização Mundial do Comércio]. Na semana passada, a União Europeia protocolou um caso contra o Brasil, questionando não apenas o Inovar-Auto, mas vários programas brasileiros de incentivo e preferência à indústria local. Será um caso longo, no mínimo três a quatro anos de contencioso, e poderá ter um impacto importante.
Diante disso tudo e da realidade do comércio internacional, qual a saída? Em primeiro lugar, precisamos urgentemente definir qual a estratégia com relação ao Mercosul. Evidentemente, trata-se de um projeto político que conseguiu diminuir muito a tensão que sempre existiu entre Brasil e Argentina. O Mercosul teve uma evolução muito importante nos anos 1990, quando o comércio regional cresceu 500%. O problema ocorreu depois da crise da Argentina em 2001, quando o PIB daquele país caiu mais de 10%. A verdade é que a Argentina nunca conseguiu se recuperar totalmente daquela crise e também não se recuperou politicamente.
Precisamos de uma política comercial para acordos relevantes. Primeiro, temos de mudar o foco, saber quais são os parceiros que interessam. Mas, além dos acordos comerciais, temos de lembrar de outros acordos que o Brasil não vem assinando, como os de investimento. Há uma perspectiva: a Camex [Câmara de Comércio Exterior], formada por alguns ministros, fez um modelo de acordo de investimento, que será proposto inicialmente para Angola e Moçambique. Um viés claro é a defesa dos investimentos brasileiros no Exterior, mais do que os investimentos estrangeiros no Brasil.
Temos poucos acordos de bitributação. Incrivelmente, quem negocia acordos de tributação no Brasil é a Receita Federal, que, como se pode imaginar, tem muito pouco entusiasmo por um acordo em que possa perder arrecadação. A Receita Federal é um grupo fantástico de servidores extremamente dedicados e preparados, que foi criado e reunido para tornar nossa vida miserável. Então ela não avança nos acordos de bitributação. Uma das consequências é que empresas brasileiras que investem no exterior começam depois de alguns anos a ter um problema: pagam imposto lá e aqui. É claro que isso tira o incentivo ao investimento.
Quanto aos acordos de serviço, o comércio internacional está mudando. Há dois fenômenos que não compreendemos totalmente. O primeiro é que não se trata mais de um compra e outro vende, mas um fornece parte para outro, que vai fornecer para um terceiro, que fornece um serviço para alguém que vende e coloca uma marca. Vejam as grandes marcas mundiais, nenhuma dessas empresas produz nada, o que elas têm é design e marketing e uma produção espalhada pelo mundo. São as cadeias globais de valor.
O segundo fenômeno é o que a Academia Sueca de Economia chama de servicificação, ou seja, o papel dos serviços, por conta do grande trânsito mundial de mercadorias. A produção industrial depende cada vez mais de serviços eficientes, como logística, o transporte, marketing, publicidade, design, embalagem. O serviço cada vez mais faz parte do processo industrial. E esse processo de servicificação faz com que o Brasil perca dos dois lados.
Estamos fora das cadeias globais de valor, a não ser nas fases iniciais. No iPhone o aço deve ser brasileiro. Aliás, aço, não, mas minério de ferro. No entanto, nem toda a agregação de valor está no Brasil. Para que isso se resolva, temos de mudar muita coisa. Precisamos de serviços logísticos e aduaneiros muito mais eficientes. Telecomunicações e internet precisam melhorar. E reduzir a burocracia.
Forças e fraquezas
Uma das lógicas das cadeias globais de valor é o just in time. No Brasil a aduana funciona if God wills, se Deus quiser. É uma dificuldade. Toda cadeia global de valor pressupõe a rápida entrada e saída de produtos do país, da empresa, do transportador, coisa que não temos. Evidentemente temos de procurar novos mercados onde se tenha integração que permita a participação das empresas brasileiras.
O setor de serviços no Brasil é grande, mas contribui pouco com o crescimento industrial, justamente porque o grau de eficiência ainda é pequeno. Serviços em geral são lentos, ruins e caros.
O Brasil tem forças, fraquezas, tem oportunidades e tem ameaças. É um grande mercado interno, tem estabilidade macroeconômica, tem democracia consolidada, uma grande força de trabalho, uma população jovem, um agribusiness extremamente forte, uma energia renovável muito alta e tem grau de investimento. Entre as fraquezas, a primeira é o sistema tributário, que é o terceiro ciclo do inferno de Dante. Há uma burocracia muito complexa, infraestrutura insuficiente, formulação política pouco transparente e intervencionista, taxa de juros muito alta, força de trabalho qualificada reduzida. E regras trabalhistas muito rígidas.
Temos oportunidades, uma classe média crescente, um consumo crescente também no mercado doméstico, uma atratividade muito grande para investimentos, temos a perspectiva de exploração do pré-sal e as Olimpíadas de 2016. Mas há uma inflação crescente e um desenvolvimento econômico muito pequeno. Cada ano que passa sem crescimento compromete o país. Precisamos crescer inclusive para manter os atuais níveis de emprego.
Outro risco é a redução do crescimento global. A queda no preço de commodities já está afetando os resultados da balança comercial brasileira. Há um risco de protecionismo. É preciso criar mecanismos de transição para que os diversos setores se acostumem com a abertura comercial. Essa deve ser uma posição pragmática com relação à política comercial. Quando se acredita que o protecionismo vai resolver um problema setorial, começamos a criar dificuldades futuras para o país. Foi o que aconteceu neste governo.
Sem falar dos problemas da Petrobras. Regras de conteúdo local atrasaram projetos de petróleo e não foram modificadas. Regras com relação à elevação de tarifas, sobretudo de insumos, acabaram prejudicando toda a indústria à jusante. Então há um risco sempre presente de uma retomada do protecionismo. Existe dificuldade para implementar reformas trabalhistas e fiscais e um investimento muito insuficiente em infraestrutura.
Debate
JOSEF BARAT – Barral, pelo exposto, estamos diante de uma encruzilhada. O governo deveria tomar grandes decisões para mudar de rumo. No entanto, a impressão que temos é que corremos o risco de ficar na mesma, por uma série de razões. Parece que continua a existir a insistência com uma política externa sul-sul, negando o reconhecimento dos grandes acordos internacionais. Isso não vai levar a um desastre? A indústria, como um todo, a agricultura e os serviços precisam de horizontes mais amplos do que esses.
BARRAL – Se observarmos o que aconteceu nos últimos anos, com o presidente Lula, mas ele teve uma sorte inacreditável. Ele foi pragmático e favorecido por um cenário internacional extremamente positivo, que gerou superávit para o país, elevou seu grau de investimento e ao mesmo tempo seguiu um programa econômico, que começou com Fernando Henrique, de distribuição de renda e de crescimento pelo consumo. Esse modelo se esgotou. Tiramos 50 milhões de pessoas da pobreza, aumentamos o valor dos salários, mas agora não tem mais como crescer por essa via.
E o cenário internacional está desfavorável, pois o preço das commodities não equilibra mais a balança comercial do país. O que fazer? Temos de sair de um modelo baseado em consumo para um modelo baseado em investimento. O percentual de investimento em relação ao PIB no Brasil é de 17%, deveria ser 25%. Na China chega a 32%. Sem isso não vamos crescer, porque o consumo não vai se expandir.
Como aumentar o investimento? Isso envolve uma série de decisões duras, como baixar a taxa de juros, principalmente de longo prazo, e restringir muito os gastos do Estado. E cortar programas sociais, o que é outro problema. E reformar o sistema de pensão, que como está é insustentável. Além disso, buscar mecanismos de atração de investimento, inclusive a reforma tributária e a trabalhista. Sabemos que isso não vai acontecer, pois o custo político é muito alto, mas é o que deveríamos fazer para o futuro do país.
Na formulação de políticas dentro do governo há vários grupos, dos mais ideológicos até os mais pragmáticos, alguns prevalecem, outros não. O Itamaraty perdeu muito a voz neste governo. A verdade é que política externa não é uma prioridade para a presidente Dilma, ela não gosta de firula, não tem muita paciência com diplomatas. Há um certo imediatismo e uma concentração em problemas internos.
CLÁUDIO CONTADOR – Lamentavelmente, não podemos fazer nada quanto ao fato de o Brasil estar virado para o Atlântico, quando o polo de crescimento está no Pacífico. Tivemos pelo menos três tentativas de gerar uma saída do Brasil para o Pacífico, mas isso morreu, os projetos pararam. Você sabe como andam esses projetos?
BARRAL – Sei. Uma coisa que temos em comum com nossos irmãos latino-americanos é o grau de burocracia. Isso provoca atraso, não só no Brasil, mas inclusive quando executamos projetos lá fora. No caso do Peru, por incrível que pareça, foi completada a estrada ligando Cruzeiro do Sul, no Acre, até o país vizinho. Mas o impacto foi muito pequeno por enquanto.
CONTADOR – Mas já existe porto funcionando lá?
BARRAL – Há um porto muito pequeno no Peru, mas precisa ser reformado. Além disso, aquela região do Acre tem problemas de transporte. Há outro projeto, de Rondônia até a Bolívia, isso não é muito divulgado, mas envolve problemas políticos muito sérios. Na realidade, é um dos temas que está na pauta de discussão com a Bolívia e que não está andando. A rodovia passaria por uma reserva indígena e isso provocou manifestação dos indígenas locais e a obra parou há uns três anos. O terceiro projeto seria de uma ferrovia e está em estudos.
Foi lançado alguns anos atrás algo que seria um sistema de integração física da América Latina. Os projetos são muito interessantes, principalmente de ferrovias, rios navegáveis, mas a execução é muito lenta, há muita burocracia. A repercussão em torno do Porto de Mariel, em Cuba, acabou fazendo com que o BNDES também se retraísse em alguns projetos internacionais, pelo nível de crítica que surgiu.
NEY PRADO – Tenho uma sugestão: incluir nas vantagens comparativas do Brasil a geopolítica, porque na verdade não estamos no centro dos grandes conflitos. Saliento também que há certa confusão entre protecionismo e paternalismo. O que temos no Brasil do ponto de vista jurídico é o paternalismo. E, em terceiro lugar, aos poucos amigos que dizem estar prósperos em suas empresas, ganhando dinheiro, faço a seguinte ponderação, apenas para lhes tirar o sono: qual é seu passivo previdenciário, ambiental, tributário e trabalhista? Atrevo-me a dizer que nenhuma empresa no Brasil, mesmo multinacional, tem condições de encerrar sua atividade, porque o passivo supera o ativo. Então vejo que a situação brasileira é preocupante. Não obstante, sou otimista, porque temos vantagens comparativas que nos possibilitam sair do perigeu e alcançar um dia o apogeu.
BARRAL – Com relação à geopolítica, concordo. Na realidade, o país vai para o outro extremo, pois investimos muito pouco na defesa, comparativamente com outros países. E defesa não é só preparação para a guerra, mas é até fiscalização do mar territorial brasileiro, das riquezas do país. Alguns projetos, como o Sisca e o Siscon, que se destinam à fiscalização de fronteiras, hoje estão praticamente parados, porque os recursos foram contingenciados. O Brasil deveria investir mais nessa área.
Quanto aos passivos das empresas no Brasil, até o passado, são incertos, como alguém já mencionou. O risco relacionado com a insegurança jurídica é muito alto e cria dois tipos de empresas, a que não consegue crescer porque não possui mais crédito por ter um passivo muito alto e a camicase, que cria um offshore no Panamá para comprar a empresa no Brasil e vai amontoando os passivos, até que um dia desaparece.
NEY – Hoje um profissional do direito não pode garantir ao cliente nenhuma certeza do resultado, pois nossa ordem jurídica está de tal forma caótica que só um indivíduo que não tem uma visão sistêmica pode assegurar que realmente é um profissional com alta taxa de certeza.
BARRAL – Armando Castelar, do BNDES, revelou em um artigo que o PIB do Brasil poderia crescer 10% se tivesse um sistema judiciário mais eficiente, porque basicamente a ineficiência do Judiciário e o volume de causas fazem com que o risco cresça, aumentam os juros e se amplia a dificuldade de crédito. Mas há também uma resistência muito grande dos juristas em aceitar mudanças. Isso, no meu entendimento, tem a ver com uma visão muito romântica do papel do operador do direito.
ZEVI GHIVELDER – Em primeiro lugar, pergunto-lhe por que o Itamaraty se deixou engolir pelo Executivo? O viés ideológico que vejo na política externa brasileira, de que modo afeta a imagem do Brasil?
BARRAL – Historicamente o Itamaraty segue uma hierarquia quase militar. O objetivo de qualquer um que entra no Instituto Rio Branco é de se tornar embaixador um dia e para isso a principal regra é obedecer as diretrizes do governante do momento. O governo Lula contribuiu muito para a imagem do país em termos, por exemplo, da organização da OMC. O Brasil teve um desempenho interessante, em vários outros foros internacionais, e não só aumentamos as exportações, mas as relações com outros países. Mas houve erros também. Fui um dos grandes opositores dentro do governo à aproximação com o Irã. Duas tendências eram muito claras na diplomacia do governo Lula. A primeira era considerar que o Brasil sempre seria bem-vindo em qualquer lugar. Lula acha que qualquer coisa pode ser negociada. Mas era uma briga muito maior. O fato de o Brasil não ter inimigos permanentes faz com que não compreendamos o grau de tensão que existe entre Estados Unidos, Cuba e Irã, porque são problemas de décadas. Aquilo foi um erro.
Participei das discussões nos bastidores e posso dizer que o presidente Lula tinha uma carta de Barack Obama dizendo em que condições os Estados Unidos aceitariam um acordo. Lula convenceu o Mahmoud Ahmadinejad a aceitar aquelas condições. Só que os Estados Unidos não iam aceitar posteriormente. De certa forma foi ingenuidade. Naquele mesmo período houve alguns conflitos em Gaza e o Brasil queria mandar tropas e ajuda humanitária em outro conflito de uma complexidade que não entendemos. Havia uma intenção muito grande de protagonismo.
O governo Dilma mudou o cenário das relações externas. Celso Amorim era um ministro que tinha uma influência muito maior do que os que o sucederam. Sinceramente, a personalidade muito forte da presidente faz com que tome algumas decisões que são equívocos claros, contrários à argumentação do Itamaraty. A suspensão do Paraguai foi um erro crasso, o Itamaraty foi contra. Atrasamos o Mercosul em um ano e meio para nada.
Temos um acordo com o México, não é nem Mercosul. É um acordo de livre comércio do setor automotivo, fui o chefe da delegação, estivemos oito vezes no México para tentar transformar esse acordo setorial num acordo geral, abrangendo todos os produtos. Não há lógica no fato de dois grandes países da América Latina não se integrarem, o grande parceiro que deveríamos ter na América Latina é o México. Foi quando entrou o governo Dilma e a presidente mandou o então ministro Patriota simplesmente denunciar o acordo automotivo.
Durante os 20 anos do acordo tivemos superávit com o México. Na hora em que o México começa a ter superávit, o Brasil quer denunciar o acordo. Isso, evidentemente, gerou uma insatisfação muito grande naquele país, mas acabou se chegando a um acordo de cotas. Foi uma decisão da presidência a suspensão do Paraguai, como foi decisão dela a questão da Crimeia. Naquele momento haveria uma cúpula dos Brics em Fortaleza e estava subentendido que a qualquer manifestação mais forte do Brasil, Putin não viria. Então adotou-se uma posição simplesmente de silêncio, muito criticada no cenário internacional.
LUIZ GORNSTEIN – Como está a Zona Franca de Manaus?
BARRAL – A Zona Franca de Manaus é um exemplo de tudo o que mencionamos. Ela começou como um projeto geopolítico, a ideia era ocupar a Amazônia, até por uma questão de segurança nacional. Nos anos 1970 chegou a desenvolver produtos, havia um centro de pesquisa e desenvolvimento em Manaus. Só que nos anos seguintes, principalmente nas últimas duas décadas, por conta dessas cadeias globais de valor que mencionamos e da especialização produtiva, tudo migrou para países desenvolvidos e o que existe hoje na Zona Franca de Manaus é a montagem final, muitas vezes de pouco valor agregado, com vantagens muito maiores do que o resto do país. E ela exporta muito pouco. A grande produção vem para o mercado interno. Ela pode continuar com uma lógica geopolítica, mas num mundo de cadeias globais tem que buscar outra forma de ação.
MOACYR VAZ GUIMARÃES – A empresa chamada Brasil está em nosso espírito, a partir do que ouvimos aqui, com uma imagem negativa e preocupante, muito preocupante. Fico pensando se seria certo batizarmos 2015 como o ano da nossa desesperança.
BARRAL – Sou muito otimista com relação ao Brasil. Nós não estamos na Grécia, já é alguma coisa, lá é muito pior. Nem somos um país sem estabilidade institucional ou democrática, como outros em desenvolvimento. O Brasil tem uma série de vantagens. Todas as vezes que encontro investidores estrangeiros que começam a reclamar de um monte de problemas do Brasil, sempre digo que a grande vantagem é que todos esses problemas são autoinfligidos, nenhum deles é insolúvel. Não temos uma população dividida por etnias nem por religião, que seria pior ainda. Não temos problemas ambientais insolúveis como alguns países. Temos uma população que sabe o valor da democracia e da estabilidade democrática. Já tive discussões com alguns acadêmicos, principalmente argentinos; eles têm um país fantástico, já fui professor da Universidade de Buenos Aires, mas é uma nação essencialmente dramática, porque foi um país que teve tudo. No final da Primeira Guerra Mundial, tinha a renda per capita mais alta do mundo. Construíram o primeiro metrô da América Latina. Têm o maior nível educacional. Esse passado de glória os impede de ver o futuro, porque tudo no passado era melhor. Para nós, ao contrário, a vida melhorou, a metade da população era escrava há pouco mais de cem anos, e temos uma perspectiva de futuro muito importante. Até hoje alguns argentinos ou venezuelanos culpam a herança colonial que criou países divididos, aristocráticos. O Brasil não tem de culpar ninguém, somos nós os culpados, nós temos de resolver.
JOSÉ ROBERTO FARIA LIMA – Um resumo do mundo poderia ser hoje o seguinte: a Europa é um museu, a África, um campo de caça, a China, uma barriga de aluguel e os Estados Unidos, o grande centro de tecnologia do planeta. Lá existe uma atmosfera que favorece a criatividade, a inovação. E o Brasil é uma grande fazenda. A primeira vez que ouvi isso foi em 1989, no século passado, num debate presidencial, e quem disse foi Guilherme Afif Domingos. Diante disso, como encontrar um rumo para o país dentro dessa realidade, em que até a geopolítica não é simplesmente de países vizinhos?
BARRAL – Quando estive no governo, fui responsável pela negociação do acordo Mercosul-Israel, numa tentativa de ir além da região. O acordo foi rápido, negociado em nove meses, basicamente porque não havia temas agrícolas, que são difíceis de negociar. Mas para nós era um acordo muito pouco relevante. Aí negociamos paralelamente um acordo bilateral de cooperação em inovação e tecnologia, Brasil-Israel. A ideia era fazer joint ventures entre empresas israelenses e brasileiras. O cientista chefe de Israel, que é o ministro da tecnologia, me explicou o sistema israelense. Israel é um centro de startups no mundo, porque nos anos 1980 houve uma enorme imigração do Leste Europeu, principalmente de engenheiros, gente muito preparada. Foram criados vários mecanismos de incentivo ao empreendedorismo e começaram a surgir empresas, principalmente na área de tecnologia.
Havia um sistema de troca de informações com a universidade e basicamente o cientista chefe tinha uma verba anual de US$ 800 milhões para investir onde quisesse. Se lhe apresentassem uma ideia boa, investia naquela empresa US$ 10 milhões e ficava com um equity de 50%. Perguntei qual era a garantia. Não havia garantia, a garantia era a ideia do sujeito. Depois de cinco anos, se der lucro, ele vende a empresa e o dinheiro volta para o Estado. Se a empresa falir, fica por isso mesmo, porque a pessoa tentou. No Brasil ele nunca mais conseguiria fechar essa empresa, ficaria negativado.
Fizemos o acordo, o BNDES ficou como o lado brasileiro e conseguimos até algumas coisas na área de equipamentos médicos, mas muito pouco, porque a burocracia aqui é tão grande que nunca podemos atender aos prazos deles.
É um problema institucional. Existem recursos para inovação no Brasil, mas uma das exigências para isso são as garantias e garantias reais. Mais: há pesquisas nas universidades, mas muitas vezes não se transformam em produtos para o mercado, há uma disfunção muito grande entre universidade e indústria. Uma terceira questão: existem incentivos fiscais para inovação, mas as empresas desconfiam, porque se quem aprova é o Ministério da Ciência e Tecnologia, quem fiscaliza é a Receita Federal. Fiz um projeto uma vez chamado Padis [Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores], um incentivo fiscal para semicondutores. Foi trágico. Uma empresa americana, que já estava funcionando no Brasil havia cinco anos e tinha o Padis, foi fiscalizada pela Receita Federal e levou uma multa de R$ 600 milhões, porque o auditor fiscal entendeu que o decreto não tinha sido publicado corretamente. Então as operações dos últimos cinco anos que não haviam sido tributadas, passaram a ser. Era um decreto do presidente da República e o auditor disse que não estava correto.
Existe o lado de mentalidade também. Houve um evento na Suécia sobre inovação, por conta dos Gripen, os caças comprados por nós. Várias empresas e universidades suecas estão querendo investir no Brasil para desenvolver projetos conjuntos. A discussão era sobre isso e meu contato era com o fundo sueco de inovação. Um dos critérios que eles levam em conta para jovens empreendedores é o cidadão já ter quebrado antes, isso conta pontos, porque tentou e já tem experiência. Aqui temos uma punição absoluta a qualquer tentativa frustrada no Brasil.
JACOB KLINTOWITZ – Tenho ao longo da vida trabalhado com a alma brasileira, porque tenho pesquisado a arte, a literatura, a música do país e isso leva a uma reflexão. Você citou a Grécia como um exemplo negativo. Os gregos de certa maneira estabeleceram um padrão cultural, no século V antes de Cristo, que nunca foi superado pela humanidade. Nesse padrão dois elementos foram recuperados para nós por Freud, a ideia de Eros e de Thánatos. Segundo o que pensa a psicologia contemporânea, eles convivem em nós, o impulso de união de Eros e a pulsão de morte de Thánatos.
No Brasil, com a exceção talvez de Juscelino Kubitschek, o que observamos é um impulso em direção à morte. Às vezes conseguimos organizar alguma coisa, que em seguida é desorganizada por alguém que chega. A produção cultural brasileira é triste, sombria. Num país de muito sol, nossa arte visual é de cor pastel, opaca. Em todas as decisões que o Brasil toma parece que há um interesse muito grande em que as coisas não sigam em frente. Quando o Brasil pensa ideologicamente, são sempre ideias fora do lugar. Discutimos fatos que o mundo não discute mais. Não queremos que as coisas deem certo, as discussões que fazemos são cartesianas. O que nos impulsiona, na verdade, em sua opinião?
NEY – Como é que fica a ética católica nesse contexto? Em meu modo de ver, teve uma influência decisiva, porque nós trabalhamos com valores metafísicos.
JACOB – Não quero entrar nesse campo, mas a ética católica condena o sucesso, a pesquisa, porque seria duvidar da justiça de Deus. Enquanto nos Estados Unidos o ídolo é Steve Jobs, temos páginas e páginas dos jornais dedicadas a glorificar um filme sobre Joãosinho Trinta, uma história de fracasso.
BARRAL – Confesso minha ignorância para responder a sua questão, mas faço alguns comentários. Não mencionei a herança cultural da Grécia, estava me referindo simplesmente ao nível de endividamento, que não é só da Grécia, mas dos países mediterrâneos. Com relação ao caráter distintivo da sociedade brasileira, vemos aqui uma dificuldade de massificação. Por exemplo, a Justiça não é massificada, serviços públicos não são massificados. Experiências de grandes países que se desenvolveram mostram uma relação mais igualitária, como aconteceu nos Estados Unidos. Roberto DaMatta tem uma afirmação interessante. Ele diz que quando um cidadão briga com um servidor público na França, ele diz: “Je suis citoyen”. Sou um cidadão e quero ser tratado dessa forma. No Brasil é: “Você sabe com quem está falando?”. O sujeito sempre se considera superior a alguém.
PAULO LUDMER – Todos querem que o Brasil cresça, mas há uma dúvida. A linha Luiz Gonzaga Belluzzo é crescer porque não dá para arrumar a casa sem crescer. A linha Samuel Pessoa, de Simon Zilbert e da USP é que precisamos de um choque de gestão e crescer necessariamente arrumando a casa, com tudo o que isso representa de desagradável. Outra coisa: o embaixador Marcos Azambuja, que nos deu recentemente uma aula sobre os Brics [Problemas Brasileiros, nº 427, janeiro/fevereiro-2015], entre outras coisas, nos ensinou que os Brics não têm critérios para o que fazer com o banco que criaram e há uma indefinição em relação ao que querem ser. Mais: existe um fenômeno incontrolável, que é a pobreza de águas afluentes, não vamos ter energia elétrica em abundância. Se crescermos, vamos sofrer racionamento.
BARRAL – Quando se está dentro daquele turbilhão que é o governo, a verdade é que não há muito espaço para reflexão. É preciso resolver um monte de coisas que estão acontecendo ao mesmo tempo, apagando incêndios, tentando atender aliados e se defendendo para que não nos derrubem. No caso da política há claramente uma disfunção entre os ciclos econômicos e o período político. Evidentemente, demorou-se muito para adotar medidas, por exemplo, com relação aos preços da energia e do petróleo, por causa de um efeito eleitoral. O custo foi alto. No sistema previdenciário, o ajuste é duro, difícil e politicamente muito custoso. Aí se sente a diferença entre o político e o estadista, é preciso pensar no futuro.
Com relação ao crescimento, esse debate existe, mas a questão é: devíamos ter feito ajustes no tempo das vacas gordas, até 2008, e não fizemos. Agora fica a dúvida: vamos conseguir um nível de investimento que nos permita fazer o ajuste ou só teremos crescimento se fizermos o ajuste? O custo da mão de obra no Brasil é alto e se torna mais alto com as contribuições sociais. Como fazer um ajuste aí? Dificilmente um governo ligado a movimentos sociais e sindicais vai fazer isso, mas teremos de fazer. Não tenho uma resposta completa, mas sem alguns ajustes imediatos não vamos conseguir crescer.
JOÃO TOMAS DO AMARAL – Falou-se a respeito de serviços no Brasil, mas alguns deles têm sido executados por empresas vindas do exterior. Alguns hospitais de Brasília, por exemplo, estão sendo administrados por empresas espanholas. Em São Paulo há companhias portuguesas ajudando a administrar o metrô. Assim, embora o Brasil seja um grande celeiro para a questão de serviços, conta em parte com mão de obra estrangeira.
Outra coisa: um dos grandes compradores de minério de ferro brasileiro é a China, mas já se sabe que ela vem adquirindo mineradoras na Nova Zelândia e mudando o polo de compras, criando desequilíbrio em nossa balança comercial. Como vê isso?
BARRAL – Sobre serviços, o aumento de competição é importante. Imagine se nós ainda tivéssemos o monopólio estatal das telecomunicações. O grau de concorrência é positivo, principalmente para serviços instrumentais como bancos e telecomunicações. No Brasil, apesar do aumento da concorrência, esses serviços são muito caros. A liberalização é positiva, mas evidentemente precisamos de mecanismos de fiscalização. No setor da saúde, se as empresas estrangeiras são mais eficientes e podem trazer modelos de gestão que interessam a nós, em alguns casos criam atividades ilícitas ou pelo menos não autorizadas, e utilizam mecanismos tributários com os quais a empresa brasileira paga e elas conseguem se evadir. Então não precisamos de menos, mas de mais concorrência, só que dentro de regras iguais para todos.
Sobre a China, ainda não compreendemos todo o papel que esse país gigante terá no século 21. Há uma frase do embaixador [Luiz Augusto de] Castro Neves muito interessante: “Nos últimos dois mil anos, a China foi o centro criativo do mundo, com exceção dos últimos 300”. Estamos olhando apenas os últimos 300 anos. Eles têm estratégias para 100 a 200 anos e essa estratégia envolve um relacionamento com países da América Latina e da África, para garantir fornecimento de matéria-prima e alimentos. Isso é muito claro. Há um grande interesse chinês em investir em infraestrutura no Brasil para garantir abastecimento de soja, porque o problema deles é o tamanho da população e a dependência de importação de alimentos.