Postado em 30/09/2015
Enquanto em 1900 a expectativa de vida estava na casa dos 40 anos, hoje a média de vida do brasileiro é de 75 anos. Envelhecer não é mais raridade, mas condição natural. Segundo projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de idosos no Brasil irá superar o de jovens em 2030. Quais as diferentes maneiras de encarar esse processo de envelhecimento? Quais as perdas e ganhos da velhice? Discutem o tema o médico Stefan Cunha Ujvari e a psicoterapeuta corporal Liane Zink.
Qualidade de vida
por Stefan Cunha Ujvari
“Envelhecimento é perda?”. A resposta seria impossível no início do século 20. O motivo? A escassez de idosos. Pasmem, mas a expectativa de vida em 1900 estava na casa dos 40 anos. Poucos sobreviviam às intempéries daquela época. Boa parcela das crianças era levada pelas epidemias de sarampo e varíola, enquanto outra parte falecia pelas diarreias, tuberculose e pneumonias. Já os adultos agonizavam pela incapacidade de tratamento adequado contra doenças crônicas como diabetes, hipertensão, distúrbios de colesterol, problemas cardíacos, renais, hepáticos, dentre outros. Encontrar idosos era raro.
Como se não bastasse, a industrialização ocidental do século 19 contribuiu para a marginalização dos idosos. Pessoas não produtivas não tinham importância e eram atropeladas pelo frenético crescimento econômico e industrial. Os poucos idosos, sobreviventes da falta de avanços médicos, eram esquecidos e, portanto, condenados aos leitos. O século das máquinas exigia jovens robustos e saudáveis.
As descobertas científicas do século 20 mudaram esse cenário. A mortalidade infantil regrediu, e, com isso, a proporção da população idosa se elevou gradativamente. A expectativa de vida atual já alcança a terceira idade. Envelhecer não é mais raridade, mas condição natural. Aliado a isso, a partir da década de 1980, com o controle maior da taxa de natalidade, a proporção de idosos saltou de 6% para 11% na população brasileira. Os idosos ganharam atenção da medicina, e, por isso, nos últimos anos ouvimos com maior frequência os termos gerontologia e geriatria
Diante disso, o envelhecimento é um grande ganho. Por trás de um idoso, aparentemente frágil, existe uma história de vida. Um passado ativo que contribuiu para o crescimento econômico da nação. Um trabalho passado que gerou empregos importantes para o sustento e oportunidade de outras famílias. Uma vida de dedicação que não apenas criou, mas trilhou o caminho dos filhos. A nossa vida familiar, profissional e financeira foi erguida pelos alicerces arduamente construídos pelas mãos dos nossos pais e avós. Portanto, o envelhecer é um ganho. É o período da premiação pelo sucesso de uma vida vitoriosa. Uma vida de calmarias e tempestades, mas vitoriosa. Uma vida repleta de desafios vencidos. O envelhecimento traz consigo o conhecimento e a experiência de vida. Por isso, acredito que a votação eleitoral deveria ser obrigatória aos idosos e, jamais, facultativa.
O envelhecimento é um ganho, mas apenas se for atingido com boa qualidade de vida. E isso, diferentemente de décadas passadas, a medicina atual proporciona ao idoso, mas é necessária a sua participação. Portanto, envelhecer é um ganho a depender, em grande parte, da vontade do idoso e do tipo de acompanhamento médico.
O organismo idoso se comporta de maneira diferente do jovem. Além disso, várias doenças apresentam sintomas atípicos no idoso que podem dificultar um diagnóstico preciso. Uma depressão ou ansiedade podem se apresentar de maneira diferente da do adulto jovem e, com isso, podem passar despercebidas a uma consulta por profissional não especializado na terceira idade. Assim também pode ocorrer com um diagnóstico de fadiga, depressão ou desânimo, que pode ter origem em distúrbios hormonais da glândula tireoide. Poderíamos citar outros tantos exemplos, mas a mensagem principal é a de que os idosos devem ter acompanhamento médico especializado com o geriatra.
É possível que, com o avançar da idade, algumas pessoas acrescentem remédios à sua vida, como os medicamentos para colesterol elevado, hipertensão arterial, diabetes, reposições hormonais, vitaminas, cálcio e assim por diante. Porém, novamente, no organismo idoso os medicamentos se comportam de maneiras diferentes. A absorção de um remédio é diferente da do jovem, assim como sua eliminação pelo organismo. Além disso, o idoso sofre muito mais das famosas interações medicamentosas. O que é isso? Alguns remédios alteram a concentração, eficácia e eliminação de outros medicamentos. Isso coloca em risco a saúde do idoso por intoxicações, efeitos colaterais ou até mesmo perda de efeito de certos fármacos. Mais um motivo para o acompanhamento com geriatra.
O famoso check-up da terceira idade é diferente do do jovem. O geriatra garante os exames de rotina necessários à busca de pequenos distúrbios frequentes ao idoso e, consequentemente, medidas preventivas. Reposições hormonais, vitaminas, cálcio e medicamentos bem indicados garantem a saúde e qualidade de vida. Vacinas direcionadas às doenças comuns na terceira idade são recomendadas com frequência e indicadas no momento oportuno pelo médico.
O envelhecimento é um ganho. Os idosos ganham o prazer de conviver com seus familiares de maneira saudável e sem obrigações. Estão no período da colheita de seus frutos semeados arduamente durante sua vida. Fase de desfrutar do convívio com seus netos. Mas, novamente, para isso, precisam combater a degeneração natural do organismo. Isso é possível? Sim, mantendo atividades físicas e intelectuais.
Os exercícios físicos, frequentes e rotineiros, contribuem para o fortalecimento muscular e melhoram a flexibilidade. Além disso, aperfeiçoam o sistema responsável pelo equilíbrio e, consequentemente, previnem as quedas frequentes no idoso. Atividade física também melhora as funções cognitivas e psicológicas, propiciando a interação social e melhoria na autoestima. As atividades físicas rotineiras podem propiciar a redução ou até mesmo a suspensão de certos medicamentos ingeridos regularmente pelo idoso.
Não raro, o geriatra suspende remédios que se tornaram desnecessários após o início dos exercícios. Portanto, não pensem duas vezes em se matricular nas aulas de hidroginástica, musculação, natação, atividades recreativas, esportes e outras. Não recusem convites para caminhadas, lazer, jogos e danças. Logicamente se liberados pelo geriatra. Manter a atividade de leitura e raciocínio também já foi comprovado como ótimo exercício para manter uma vida independente e intelectualmente ativa.
Stefan Cunha Ujvari possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (1988) e mestrado em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade Federal de São Paulo (1996). Atualmente é infectologista com atuação no Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Sexualidade e redescobertas
por Liane Zink
Hoje, com 71 anos, posso pensar e reformular vários conceitos. Falar de terceira idade é como se fosse um conceito do século passado. Esse conceito foi mudando e dele veio a “melhor idade”, o que para mim também não fazia sentido, pois a melhor idade, penso eu, deveria ter sido aos 40 ou 50 anos. Como nomear, então, esta fase da vida?
A idade da maturidade, a idade da liberdade e também dos medos faz mais sentido. A estrada é curta daqui para a frente e temos de pisar nela com determinação, coragem, sem melancolia – com aquilo que pode ser o mais prazeroso.
Há muitos anos pesquiso sobre a sexualidade. Como boa reichiana, a primeira leitura dele me impactou. Foi a descoberta de um novo mundo. Saindo da repressão sexual o que haveria era uma promessa de gozar e viver um corpo livre de amarras. Sei das ilusões e desilusões desta grande aventura da maturidade.
A leitura de Reich [o psicanalista Wilhelm Reich é autor de obras como A Função do Orgasmo e Revolução Sexual] nos anos 1960 dava suporte ao movimento político-social da época, o movimento hippie, a luta contra a guerra do Vietnã, a busca da liberdade, a troca de parceiros, os desquites em massa e a depressão que chegava porque esse tipo de orgasmo não satisfazia: legitimava a liberdade, mas não levava ao orgasmo total tão procurado. Viver aquela época foi uma aventura.
Sempre fui reichiana e acreditei na sexualidade. Sorte minha, pois essa força de vida me fez cuidar do corpo, da saúde, do trabalho. Sexo, oh! O sexo fica calmo, silencioso, o corpo parece estar dormindo, mas é só acordá-lo e, pronto!, lá está, o companheiro certo, o momento profundo do encontro, ele existe e é preciso estimulá-lo sempre.
O que restou da juventude é a herança e o tesouro que usamos hoje. Lembranças dos erros e dos acertos. Quantos caminhos, quantos momentos de angústia. Todos os caminhos percorridos de alegria, erros e acertos nos fizeram chegar até aqui.
Aqui e agora – o que é isto, que tempo é este? Como não mergulhar no presente? Falemos dele!
Acordar devagar, entrar em contato com cada parte de seu corpo, mandar o cansaço embora, meditar, esticar, esticar muito. E, como um herói que vai para batalha do dia, ler o jornal, nunca ficar ausente do mundo, indiferente ou, por medo, não entrar em contato com a realidade. Fazer grounding, que é o enraizamento no aqui e agora. Grounding, esse conceito da bioenergética, é de suma importância e traz consigo uma questão profunda: quem sou eu e onde estou colocada no mundo?
Centrar-se e encarar o dia com alegria. Vejo muitas mulheres neste momento se esvaziarem, se encolherem e morrerem antes do tempo. Fantasmas sem corpo. O corpo, por incrível que pareça, é o melhor amigo. É preciso ser olhado não com desprezo, medo ou rejeição, e sim com reconhecimento e dando as boas-vindas a todos os novos modelos ou novas rugas, caídas, pregas, gorduras. São expressões do vivido. Não se arrastar na vida, não sucumbir à tentação de ser só avó, porque o prazer é inverso, é como se agarrar ao que ficou para trás e tentar a maternidade. Como apego à juventude.
Crescemos nos olhando e nos identificando com espelhos, olhares que refletem quem somos, e finalmente entramos em contato com o antiespelho. Tudo fica líquido e parece sem forma quando começamos a entender que a estrada é curta.
A idade da maturidade ao ser vivida com um companheiro de vida traz a possibilidade de a memória da história estar sempre viva e te acompanhar como o contador das passagens. O companheiro nem sempre é só projetado no marido, pois pode ser também um amigo ou o trabalho. O importante é poder reconstruir cada paisagem que foi vivida. A evolução desde então no quesito sexualidade e maturidade foi muito grande do século passado ao contemporâneo.
Falar da liberdade na maturidade é possível. As mulheres querem ser livres, arriscar novas aventuras, mas se sentem presas a preconceitos antigos. Querem a liberdade, mas não aceitam o ônus nem sabem lidar com o que a liberdade pode trazer. Essa idade traz a possível sensação do “Eu Posso”.
Por outro lado, a vida cotidiana da mulher que trabalha fora e a exaustão, o trânsito, as tarefas e a família transformaram-se na excitação e na conquista do trabalho. O fim de semana virou o momento de dormir, descansar e se recuperar da labuta. O grande prazer e dolce far niente está distante.
A mulher deixou de ser a Cinderela para ir em busca da profissão e realizar-se como profissional. Tudo que parecia um mundo cor-de-rosa somou-se a trabalho, crianças, casa, relação etc. O sapatinho virou um tamanco de trabalho.
Como se não bastassem todas as culpas e queixas, temos ainda a patrulha da maturidade feminina, você merece ter prazer, ele é necessário para que não se torne uma “mulherzinha”, que abre as pernas apenas para satisfazer o homem. Mas o fato é que você não precisa seguir a ditadura do mundo contemporâneo e, ao assumir isso, você pode se sentir mais livre, mais dona do seu corpo, da sua liberdade. Mas, quando você acha que resolveu, vêm as revistas nas bancas cheias de truques de como agarrar seu homem, como ter melhor orgasmo, dicas de posições, lingerie, perfumes que não melhoram a performance e pioram a frustração de saúde. A eterna juventude vendida na mídia.
O culto à imagem e a preocupação com o corpo “bonito” foram sendo depositários da atualidade. Acabou a monogamia? Estamos mais livres? A monogamia trazia a promessa de ilusão, de exclusividade. A ilusão de que um satisfaria o desejo do outro por completo, amalgamando sem possibilidade de se enxergarem, ver as diferenças levava à intolerância, frustração e separação. “Até que a morte os separe” tornou-se uma prisão. Na minha doutrina, “a única traição que realmente importa é a traição a si mesmo”, já disse Contardo Calligaris.
Como vai ser o futuro? Vamos desconstruir isso tudo? Não dá mais para achar que um conceito em uma realidade de 1920 possa servir para o mundo líquido de 2014. Novos valores, amores na internet etc. A mulher madura sabe que pode amar, fazer sexo, sem sentir orgasmo, mas você pode fingir para agradar, por que não? Se isso for lhe fazer feliz. Por carinho e por afeto. As portas se abrem: como entrar nos conceitos dessa nova visão, sem preconceito, sem julgamento e sem medo.
Vou descrever o caminho para chegar à espiritualidade com medo de cair num lugar-comum. Na juventude, a vida é um tesouro intenso, e às vezes nos esquecemos de tirar os pés do chão e pensar na espiritualidade. Na maturidade ela aparece com força te chamando, talvez pelo medo da morte e do vazio do encontro depois dela. É preciso sempre preencher com a beleza do amor e da compaixão. Será isso espiritualidade? Ou um processo energético que nunca acaba? Nos encontraremos lá.
Liane Zink é pioneira na introdução da psicoterapia corporal no Brasil. Trainer Internacional e diretora do Instituto de Análise Bioenergética de São Paulo e do Instituto de Biossíntese do Brasil, trabalha regularmente com grupos de formação na Alemanha, Portugal, República Tcheca, Japão, Moscou e diversas cidades do Brasil.