Postado em 28/10/2015
FILÓSOFA E UMA DAS CRIADORAS DA TEORIA QUEER, JUDITH BUTLER ESTEVE EM SÃO PAULO PARA PARTICIPAR DE SEMINÁRIO SOBRE CULTURA E SUBVERSÕES DA IDENTIDADE
Um dos principais nomes presentes no I Seminário Queer – Cultura e Subversões da Identidade, realizado no Sesc Vila Mariana no mês de setembro, em parceria com a revista Cult, a filósofa norte-americana Judith Butler expôs seus pensamentos e inquietações para uma plateia ávida por ouvir e debater assuntos relacionados aos temas que os estudos queer têm desenvolvido desde a década de 1980, divididos em eixos de discussão sobre cultura e política; educação, saúde e aprendizados; gênero e sexualidade e contra-hegemonias. Judith é professora do Departamento de Literatura Comparada e do Programa de Pós-Graduação em Teoria Crítica da Universidade da Califórnia, Berkeley. Doutora em Filosofia por Yale, é uma das criadoras da teoria queer, vertente de estudos em que continua a atuar e publicar. Nos últimos anos, tem se dedicado a reflexões sobre direitos humanos e filosofia política. Acompanhe trechos da conferência ministrada pela filósofa.
NO MAPA
O Brasil está no mapa da teoria queer e políticas sexuais radicais. Podemos dizer que o país está fazendo e refazendo esse mapa há muito tempo. Meu trabalho inicial sobre gênero focava na teoria da performatividade. Agora trabalho mais próxima da condição de precariedade e dos tipos de motivações contrárias a ela que estão ocorrendo em várias partes do mundo à medida que a economia global continua a produzir desigualdades e, como nós podemos ver, populações estão cada vez mais designadas como dispensáveis e não toleráveis. No Brasil a resistência a essa condição tem sido enorme, antecede e prefigura as manifestações de massa na Europa. Portanto, para mim, visitar o país é importante não apenas como exercício teórico, mas para compreender as formas plurais que a performatividade pode assumir em movimentos de resistência. Isso tudo aliado a uma compreensão global da política queer, que continua a ser remapeada para sobrepujar o poder.
IDENTIDADE E DIFERENÇA
No meu ponto de vista, a palavra queer tem uma importância enorme. Reconheço que, mesmo não sendo traduzível em outros termos, o significado pode mobilizar as pessoas. Se o vocábulo queer fosse para continuar tendo significados contemporâneos para nós, ele deve reter o sentido do desvio, de estar distante das normas, preparando para um acontecimento sem expectativa ou não esperado, uma aliança e não uma identidade entre um grupo de pessoas. Esse sentido de queer marca um campo de conexão erótica, política e também a afirmação da diferença que não pode ser facilmente sobrepujada por uma identidade unificada. Às vezes, somos conectados a quem amamos, mas isso não significa que todas as alianças sejam de amor. É possível se conectar para estabelecer o direito de amar e viver livre dos problemas, preservando os espaços da vida privada e pública. Mas tudo isso acontece com o compromisso de viver junto, independentemente das diferenças. Apesar de estarmos mobilizados para os direitos e os desejos do amor, não quer dizer que estamos desejando e amando todos aqueles de quem estamos próximos.
Alianças são difíceis e tendem a ser fundadas em fraturas. Agir junto não produz atividade coletiva, ao contrário, um conjunto de relações dinâmicas que incluem e suportam a disputa, a ruptura e a solidariedade.
É importante termos leis que reconheçam e se imponham à violência contra mulheres e transexuais, por exemplo, mas seríamos muito inocentes se achássemos que esse tipo de violência pudesse ser banida por uma lei. O problema não será resolvido simplesmente pelo fato de eu sugerir que as leis podem ser levadas a cabo. As leis podem ser aprovadas e nunca cumpridas. Por isso, é necessário haver uma mobilização jurídica maior, embora eu também acredite que existam formas extrajurídicas importantes a ser revigoradas. Deve haver uma crítica institucional sobre esse tipo de problema.
CONCEITO DE VULNERABILIDADE
Não acho que podemos identificar vulnerabilidade apenas com a precariedade. Gostaria de manter aberta a ideia de que a vulnerabilidade tem uma dimensão que nós buscamos valorizar e preservar e que é importante para nós, como criaturas sexuadas. Nós podemos ser explorados com base em nossa vulnerabilidade. Somos criaturas que precisam de abrigo e relações sociais. Não podemos ser entendidos como autossuficientes. Nós dependemos dessas relações para ir em frente. Se levarmos a sério o conceito de vulnerabilidade, temos que criar um mundo no qual serviços básicos são oferecidos e entendidos como parte da organização social.
Assista Judith Butler no Seminário Queer