Postado em 11/11/2015
Por: MARCELO SANTOS
Primeiro foram os artefatos maleáveis usados para registrar sinais gráficos e desenhos, surgidos no Antigo Egito há cerca de 5 mil anos. Durante séculos os papiros, produzidos com a parte interna do caule de plantas aquáticas de mesmo nome, nativas dos pântanos daquela região, registraram imagens e textos fundamentais para o desenvolvimento humano. Isso até a China, por volta do ano 150 d.C., criar o papel tal qual o conhecemos hoje. Desde então sua popularidade só cresceu e seus usos se diversificaram.
Na virada deste século, entretanto, quando a era digital alçava voo, cogitou-se que o uso amplo e irrestrito do papel, em especial para o registro de informações, estaria ameaçado. Nada mais equivocado: a produção seguiu crescendo e ultimamente o bom desempenho das empresas da cadeia do papel e da celulose em todo mundo tem chamado a atenção, notadamente no Brasil, num momento em que a maior parte dos segmentos produtivos nacionais está sofrendo perdas por conta da debacle da economia.
De 12 setores empresariais analisados em recente estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), apenas quatro devem ampliar seus investimentos entre 2015 e 2018, e o da cadeia de papel e celulose é um deles. A performance das ações das principais companhias do ramo ilustra o bom momento atravessado por ele: enquanto o Ibovespa amargou recuo de 20,29% entre agosto de 2014 e agosto de 2015, as ações da Fibria, Klabin e Suzano, as três maiores companhias do setor, avançaram no período surpreendentes 92%, 118% e 82%, respectivamente.
Os negócios estão indo bem em todas as áreas. Assim, por exemplo, em 2014 as exportações de celulose – embarques de 10,6 milhões de toneladas – cresceram 8,8% em comparação com o ano anterior. E apenas no primeiro semestre de 2015 as vendas externas aumentaram 5,3% em relação ao mesmo período do ano passado. Na realidade, a explicação para o bom momento do setor em meio à crise econômica que o país atravessa reside, principalmente, no alto volume de celulose comercializado no exterior (mais de 90% da produção) e na alta do dólar. “Tanto o câmbio quanto o preço da celulose, que são ascendentes, estão fazendo com que o capital de giro aumente. O efeito continua no terceiro trimestre e isso significa uma rentabilidade maior do negócio”, afirma Walter Schalka, presidente-executivo da Suzano Papel e Celulose.
Segundo a Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), entidade que agrupa as empresas do setor, mais de R$ 50 bilhões serão investidos pelos produtores de celulose brasileiros até 2020. “O mercado deve se manter aquecido e com preços em alta até pelo menos o fim de 2017. Aí então é provável que a produção supere a demanda e o preço caia”, diz Victor Penna, analista de investimentos do BB Investimentos, instituição que acompanha de perto todos os movimentos do ramo.
“A cada dois anos, uma nova fábrica de celulose entra em operação no Brasil, e acredita-se que o setor florestal possa duplicar de tamanho nos próximos cinco anos”, comenta a presidente da IBÁ, Elizabeth de Carvalhaes. “As exportações estão crescendo, com a recuperação nos Estados Unidos e a melhora na Europa, e ainda há espaços para a valorização no câmbio, aumentando a receita. Além disso, os preços da celulose, ao contrário de outras commodities, estão ganhando altura”, observa. Em maio, Elizabeth assumiu a presidência do Conselho Internacional das Associações de Papel e Floresta (ICFPA), entidade mundial sediada em Washington que reúne associações da indústria florestal. É a primeira vez que um representante de uma nação do hemisfério sul chega ao importante posto.
Novos mercados
“Neste ano, o foco da atuação do ICFPA visará a colaboração das indústrias de base florestal na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, com destaque para a participação da entidade na Conferência sobre Mudança Climática das Nações Unidas, a COP 21. Ela será realizada em dezembro deste ano e deverá estabelecer um novo acordo climático mundial”, relata.
Nota-se, porém, que outros setores majoritariamente exportadores não estão tendo a mesma sorte. As indústrias de minério de ferro, carne bovina e soja, por exemplo, têm visto os ganhos potenciais gerados pela maior alta do dólar em seis anos serem corroídos pela queda nos preços das commodities e pela alta nos custos de produção. Segundo dados da Bloomberg (agência de notícias focada em finanças de capital americano com atuação mundial), no primeiro trimestre deste ano as margens brutas de lucro das empresas daqueles setores caíram, em média, 4,6 pontos percentuais, para 18%. No mesmo período, as margens das fabricantes de celulose Suzano e Fibria subiram 9,9 pontos percentuais, para 36%, em média. “Isso acontece porque os produtores do ramo vêm conseguindo aumentar seus preços em dólar, estimulados por um mercado externo favorável devido a uma série de fatores, como a crescente demanda da China e a retomada das vendas na Europa”, afirma o analista Penna, do BB Investimentos. O cenário externo traz ainda mais vantagens, como o fechamento, por questões ambientais, de diversas fábricas de cartões chinesas que usavam tecnologia ultrapassada e poluente. O espaço deixado por essas unidades abriu novos mercados para concorrentes de todo o mundo.
E quando o tema é a conquista de novos mercados, os brasileiros saem na frente, pois as árvores plantadas no Brasil são mais produtivas, os custos para a fabricação de celulose são mais baixos. Investimentos em biotecnologia e engenharia genética, somados às condições climáticas e geográficas favoráveis, reduziram o tempo de maturação das árvores e colocaram o Brasil no topo do ranking de produtividade. Cada hectare de solo brasileiro rende em média 40 metros cúbicos de madeira por ano, quase o dobro do registrado pelo segundo colocado, o Chile, com 17 metros cúbicos por hectare no período.
Nos Estados Unidos e na Europa a produtividade é ainda menor, de 10 metros cúbicos por hectare/ano e 7 metros cúbicos por hectare/ano, respectivamente. Uma árvore chega ao ponto de corte no Brasil em apenas sete anos; já na Europa é preciso esperar três décadas para o corte. “Nosso país possui condições de solo, clima e disponibilidade territorial que favorecem a produtividade das árvores plantadas, muito mais que em outros países onde invernos rigorosos e espaço territorial relativamente pequeno tendem a prejudicar a produção. Além disso, as empresas brasileiras do setor priorizam a manutenção de investimentos em pesquisas e desenvolvimento, buscando primordialmente a melhoria da genética dos plantios e das técnicas de manejo florestal”, destaca a presidente do IBÁ.
Há um fato que não pode ser esquecido: o bom momento limita-se às empresas que produzem celulose. As indústrias papeleiras que não produzem a matéria-prima do papel e que dependem de terceiros para obtê-la, sofrem com o aumento dos preços em dólar e com o impacto negativo da desvalorização do real. Para complicar ainda mais, a baixa demanda doméstica impede que a elevação dos custos seja repassada para o consumidor. O mercado interno registrou recuo de 4,9% nas vendas domésticas de papel (para 2,615 milhões de toneladas) nos seis primeiros meses deste ano.
Seja como for, todavia, o setor tem vivido dias de euforia com as perspectivas de investimentos robustos. A Fibria, que é a maior produtora mundial de celulose eucalipto, fez no primeiro semestre dois anúncios que envolvem bilhões de reais e que vão reforçar sua posição de liderança no mercado global de fibra curta. O primeiro é um acordo comercial com a Klabin, batizado de Projeto Puma, que prevê a comercialização de pelo menos 900 mil toneladas de matéria-prima, com valores que superam R$ 1,2 bilhão. “O contrato entre as duas empresas cria uma nova referência no mercado. Tal iniciativa é positiva para ambas as partes, agregando eficiência logística, complementaridade estratégica, sinergias e criação de valor compartilhado”, comenta o presidente da Fibria, Marcelo Castelli. Já o CEO da Klabin, Fabio Schvartsman, destaca que o Projeto Puma é o maior investimento da Klabin em seus 116 anos de história e marca o retorno da companhia ao mercado de comercialização de celulose. “Aliar a reconhecida competência florestal e industrial da Klabin à experiência comercial da Fibria nesse mercado, em um contrato inédito no setor global de celulose, resultará em uma operação que vai beneficiar as duas empresas”, destaca o executivo.
Excesso de demanda?
A Fibria tem anunciado aos quatro ventos o projeto de expansão da fábrica de Três Lagoas (MS). Hoje, a companhia produz 5,3 milhões de toneladas por ano em suas unidades localizadas em Aracruz (ES), Eunápolis (BA) e Jacareí (SP), além de Três Lagoas, que é a nova fronteira da celulose. Em razão dos investimentos de empresas do ramo na região, entre 2009 e 2013, o número de trabalhadores assalariados no município cresceu de 22,1 mil para 41,6 mil. No mesmo período, o salário médio mensal ascendeu 14,8%, e o número de firmas atuantes chegou a 3.322, correspondendo a um crescimento de 27,9%.
Incentivos oferecidos pelo governo do Mato Grosso do Sul, aliados à disponibilidade de áreas para plantio, topografia plana e características geográficas favoráveis, estimulam apostas altas naquela parte do país. Afora a Fibria, outra empresa do ramo, a Eldorado Celulose também pretende ampliar sua planta em Três Lagoas – em breve o estado responderá por 80% da celulose brasileira destinada ao mercado externo. As duas companhias foram as primeiras a investir no município. Primeiro a Fibria (na época VCP), em 2009, e, posteriormente, a Eldorado, em 2013.
Os investimentos bilionários no setor suscitam dúvidas quanto à capacidade do mercado de absorver tamanho incremento da produção. Afinal, a oferta irá superar a demanda e o resultado é a temida queda no preço da celulose. Especialistas afirmam, entretanto, que apesar da redução do uso de papéis para impressão, a demanda por embalagens e papéis sanitários continua firme. Além disso, a IBÁ acredita que os investimentos no setor vão aumentar inclusive para o desenvolvimento de novo produtos, como o etanol celulósico, por exemplo.
“Esse receio de um excesso de demanda surgiu com força em 2012, quando algumas grandes plantas foram inauguradas, mas até hoje não virou realidade”, observa Victor Penna, do BB Investimentos. “O fato é que há espaço para novas plantas, pois há o crescimento da procura e calcula-se que a cada ano 600 mil toneladas de celulose deixem de ser produzidas no mundo em razão do fechamento de unidades antigas e ineficientes.” O analista afirma que entre 2013 e 2014 esse número superou a média, com fechamentos de fábricas que levaram à redução da oferta anual de 1,7 milhão de toneladas de celulose.
Essa matéria-prima, nem todos sabem, é encontrada nas células da maioria dos vegetais e o elemento que garante rigidez e firmeza às plantas. Apesar de não ser digerida pelo organismo humano, é essencial na dieta de algumas espécies animais, principalmente os ruminantes, como bovinos e equinos. Pode ser extraída de diversos tipos de vegetal, mas é quase sempre retirada de árvores de crescimento rápido, como pinus e eucalipto. Seu uso não se limita ao papel, podendo ainda servir para a fabricação de filmes, plásticos, seda artificial, vernizes e até mesmo químicos.
Existem dois tipos de celulose, com diferentes características físicas e químicas. A celulose de fibra longa tem origem nas espécies coníferas, como o pinus, e mede entre dois a cinco milímetros. É utilizada na fabricação de embalagens, nas camadas internas do papel cartão e no papel jornal. Já a celulose de fibra curta é retirada do eucalipto, tem entre 0,5 mm a 2 mm de comprimento e é empregada na produção de cadernos, papéis para impressão caseira e papéis mais frágeis usados para fins sanitários e culinários, como papel higiênico e guardanapo. No território brasileiro existem 7,7 milhões de hectares de florestas, e desse mar de árvores 37% tem como destino as indústrias de celulose. O restante alimenta, principalmente, as indústrias de carvão vegetal e de painéis de madeira.
Eucalipto transgênico
O setor luta para legalizar e certificar todas as plantações e garantir que toda a matéria-prima para a produção de celulose provenha de florestas plantadas e que não gere desmatamento de áreas nativas. Segundo a IBÁ, 60% das florestas plantadas em território nacional são certificadas pelas duas entidades mais reconhecidas, o Forest Stewardship Council (FSC) e o Programa Brasileiro de Certificação Florestal (Cerflor). Contam para a certificação aspectos como aproveitamento de áreas já abertas, recuperação de terras degradadas, integração com matas nativas, associação com produção agrícola e, principalmente, a origem legal da madeira. “A certificação é extremamente importante para o setor, pois contribui para garantir sua sustentabilidade e mostrar o respeito ao meio ambiente”, diz Elizabeth de Carvalhaes. Ela comenta que, ao certificar processos e produtos, uma empresa aumenta sua credibilidade e se diferencia das demais por apresentar garantias sobre a adoção do manejo florestal adequado, passando a dispor, portanto, de um instrumento importante para conquistar novos mercados.
Para garantir ganhos ainda maiores na produtividade das árvores plantadas, as empresas brasileiras têm investido na transgenia. Após muitos anos de pesquisas, em abril deste ano a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou o plantio do eucalipto geneticamente modificado da FuturaGene, braço de biotecnologia da Suzano. A espécie liberada é a Eucalyptus spp, que contém um gene da planta Arabidopsis thaliana. Com isso, o Brasil tornou-se o primeiro país em escala mundial a aprovar o plantio de eucalipto transgênico para fins comerciais. Segundo a empresa, a variedade garante ganhos de produtividade de 20%, pois o ciclo de vida da árvore é reduzido de sete para cinco anos. “Produzir mais madeira sem aumentar o uso de recursos naturais é um desafio constante para todos os players do setor”, afirma Walter Schalka, presidente da Suzano. A divulgação do resultado das análises da CTNBio estava marcada para março, mas foi adiada por conta de protestos de movimentos sociais e de representes da indústria de mel. No início de março, cerca de mil mulheres integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) invadiram a sede da FuturaGene em Itapetininga (SP), enquanto manifestantes protestaram em Brasília no local onde ocorreria a votação.
Os manifestantes afirmam que a liberação da Eucalyptus spp viola a Política Nacional de Biossegurança. A Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel) também se mostrou contrária, afirmando que a introdução do eucalipto geneticamente modificado pode fechar o mercado europeu para o mel brasileiro. “Já tivemos lotes de mel com algum traço de pólen de soja transgênica barrado na Europa no passado. Como o continente só autoriza a entrada de produtos que tenham em sua composição variedades transgênicas previamente autorizadas, é bastante provável que a detecção de pólen do eucalipto transgênico no mel impeça a venda para o continente. E é praticamente impossível controlar o acesso das abelhas às novas variedades de eucaliptos”, reclama o presidente da Abemel, Carlos Pamplona Rehder. Ele explica que a introdução da variedade geneticamente modificada acarreta dois outros riscos: o fim do mercado de mel orgânico e a contaminação das variedades convencionais de eucalipto. “Essa contaminação já aconteceu em outras culturas, como a soja. Isso ocorre quando o pólen da variedade transgênica é levado pelo vento e entra em contato com a planta convencional”, preocupa-se.