Postado em 27/11/2015
COM UMA OBRA DE FORTE CUNHO SOCIAL, QUE BUSCA TRAZER À SUPERFÍCIE OS SUBTERRÂNEOS DA CIDADE DE SÃO PAULO, ZEZÃO TRILHOU O PRÓPRIO CAMINHO NO GRAFITE
Difícil andar pela cidade de São Paulo e não esbarrar em um grafite de José Augusto Amaro Capela, o Zezão. Na ativa desde os anos 1990 e influenciado pelo grafite nova-iorquino, Zezão seguiu um caminho diferente para se expressar e deixar sua marca. Escolheu trazer aos olhos da sociedade o que não estava na superfície: usou como papel e tela paredes de canais de esgoto e de galerias de águas pluviais, explorou ambientes inóspitos, valas e entranhas de viadutos. Agir assim rendeu rótulos que o artista dispensa: “Há adjetivos que usam pra me qualificar, o pintor do subterrâneo ou da cidade, mas não gosto muito de me rotular porque estou sempre intervindo em espaços diferentes”. O ano de 2015 marca os 20 de estrada de Zezão. Acompanhe a conversa do artista com a Revista E.
ESTILO
Falando do meu trabalho e acompanhando o de outros artistas, acho que é natural que ao longo do tempo aconteça uma busca individual por estilo. Durante minha carreira, passei por uma transformação muito grande e nesse período encontrei o meu estilo. Porém, mesmo assim, acho que daqui a dez anos estarei produzindo coisas novas baseado nessa bagagem que adquiri. Sou reconhecido por um estilo de pintura, embora não me considere uma pessoa muito técnica – meu trabalho é mais abstrato, com influência da caligrafia. No meu caso, há um estilo, uma cor e características específicas. Não sei desenhar, sou autodidata e meu trabalho é muito free hand, porque é um processo criativo natural. Mas ao mesmo tempo desenvolvi peças com outros estilos e técnicas. Por exemplo, às vezes quero fazer grafite, outro dia quero pintar um pedaço de madeira velha que achei na rua.
VIVÊNCIA PESSOAL E RECONHECIMENTO
O reconhecimento vem de uma busca constante do meu trabalho direcionado para além do visual, são os conceitos. É um trabalho que nasceu na cidade, no lixo, e no qual busquei apontar problemas existentes na cidade. Não digo que isso seja um estilo, mas fica marcado nas criações. Está tudo ligado: estilo, autoria e conceitos, coisas que se conseguem ao longo dos anos.
Nos anos 1990, fiz meu primeiro grafite e era muito influenciado pelo que estava sendo feito em Nova York, assinava o meu nome com as letras características, numa referência à cultura do grafite que nasceu lá e tem um estilo particular influenciado pelo hip-hop – que é muito importante. Depois, desenvolvi uma pesquisa e, conhecendo outros artistas, pensei: Meu, eu sou brasileiro. Então, por que o nosso país se destaca no grafite? Porque somos um país de muitas culturas”. No Brasil há diferenças regionais muito ricas. E existem artistas brasileiros que mantêm as raízes do grafite clássico – o que é legal –, mas decidi buscar um caminho próprio com influência da cidade e da minha vivência pessoal.
NA RUA E NA GALERIA
Já as propostas para as galerias buscam explorar a minha experiência na cidade, a bagagem que a rua me deu e transpor isso para um objeto, porque o grafite é uma coisa da rua e nunca vai entrar numa galeria. Eu, particularmente, escolho um lugar para pintar e vou lá. Pinto mais espaços públicos, porque nos espaços privados você tem que bater na porta. Não que no espaço público tudo esteja legalizado, mas o meu grafite surgiu assim, em busca de lugares abandonados, do espaço público, do subterrâneo. Tenho muitas opções, mas é bater o olho e pensar: vou fazer o meu trabalho ali. Isso que é grafite, colocar sua arte na cidade para todo mundo ver, o envolvimento com a galeria é uma passagem, uma coisa mais comercial. Nunca me assustei com isso.
FORA DE CASA, DENTRO DE CASA
Viajo muito para o exterior e, pelo que acompanho, a gestão de uma cidade é diferente da outra. O que me toca no Brasil é a parte da educação e da saúde. Tenho meu ponto de vista sobre política e a questão de apagar ou deixar o grafite nos muros da cidade. O grafite está tão em evidência, por que acontece esse tipo de retaliação? Não pinto lugar tombado, monumentos. Sei os lugares que ocupo na cidade, mas às vezes a polícia me para. Tudo é uma questão de sorte.
Há grafites que podem durar um tempo e outros que duram dias. Além dessa retaliação, há a deterioração pelo tempo, o grafite está na rua e por isso exposto à degradação, mas acho isso interessante porque são as marcas da rua, é o sinal do abandono. No muro, não dá para saber se o grafite vai agradar ou se vão apagar. Há lugares muito marcados, nos quais a gente faz o trabalho e já apagam tudo. Para mim o importante é o respeito. Há alguns valores importantes na cultura de rua, na qual você pode fazer o que quiser, mas dependendo do que fizer você sofrerá as consequências. Tem o ditado que diz que a rua cobra. Eu sempre respeitei e sempre fui respeitado, tanto pela conduta quanto pela minha história.
SEM CLICHÊ
Tenho um espaço no centro que é um misto de estúdio e galeria com algumas obras em exposição. Fica na região da Cracolândia e essa localização simboliza uma coisa importante para mim, que é o cunho social e ambiental do meu trabalho; são dois fatores que me motivam a montar.
Há adjetivos que usam para me qualificar, o pintor do subterrâneo ou da cidade, mas não gosto muito de me rotular porque estou sempre intervindo em espaços diferentes. Até hoje busco o abandono, a sujeira, para falar da exclusão social, da violência e da arte escondida no subterrâneo, do que está invisível para nós na cidade e que gera uma reflexão nas pessoas.
Durante meus 20 anos de carreira muitos me questionaram sobre os porquês do meu trabalho e o que eu queria com ele. Acho interessante quando não existe a explicação, porque, assim, cria-se um mistério e o espectador vai criar uma fantasia particular. Falo isso para obras no geral, não só em relação à minha. Qualquer obra vai passar uma sensação e o espectador vai dar um sentido. A arte permite sentir e viajar.
O resultado desses anos de trabalho é meu autorretrato, a história da minha vida, dos meus 43 anos. Eu que criei esse monstro.
Conheça mais o trabalho do artista Zezão