Postado em 30/12/2015
Na semana em que se celebra o Dia Mundial de Luta contra a Aids, um público variado se reuniu no Sesc Ribeirão Preto para receber Marcell Filgueiras, Renato Plotegher, Tiago Marinho e o ribeirão-pretano Rafael Bolacha, do canal Chá dos 5. Nas redes sociais, o grupo é conhecido por discutir questões como gênero não binário, constituição de família homoafetiva e a relação de mães com seus filhos gays, sempre de forma direta e bem humorada. No auditório do Sesc Ribeirão, a conversa seguiu a mesma fórmula, e o Debate Aberto Sobre HIV provocou questionamentos e muitas risadas.
A participação do público começou tímida. Dentre as perguntas e depoimentos, um jovem na plateia tomou o microfone e de forma despretensiosa, falou sobre os medicamentos que já experimentou e seus efeitos colaterais. Sem voltas e com muita naturalidade, assumiu sua soropositividade entre os presentes. Conversamos com Lucas Raniel sobre sua decisão de, no 1° de dezembro deste ano, revelar sua condição entre seus amigos nas redes sociais.
Durante o debate, um assunto recorrente foi a dificuldade de assumir, especialmente em uma cidade do interior, a sorologia positiva. Como foi a decisão de compartilhar que era soropositivo e qual foi a reação das pessoas ao seu redor?
Desde o início, tentei aceitar a ideia de ser soropositivo, compartilhei com familiares e algumas amigas, aliás, três, que foram minha base e meu apoio nos momentos mais difíceis. Com o tempo, conheci algumas pessoas que estavam passando pela mesma situação, isso mostrou que viver com o HIV não era um bicho de sete cabeças. No decorrer desses dois anos, desde que descobri, vivi muita coisa: relacionamentos que terminaram por conta da desinformação e alguns encontros casuais nos quais resolvi contar sobre minha sorologia. Acabei virando motivo de fofoca, o que acarretou um período de depressão. Larguei tudo em Ribeirão Preto, voltei para casa da minha mãe e foi lá, ao lado da família, que tive a certeza de que podia contar com o apoio deles pra qualquer decisão que tomasse. Em uma visita a São Paulo, frequentei lugares e conheci pessoas capazes de tratar com naturalidade o assunto. Isso ajudou a decidir falar abertamente sobre minha sorologia para todos. Além da auto-libertação, pude também ajudar outras pessoas a entender o que é ser soropositivo e como lidar com preconceitos e a falta de informação, inclusive em relação ao próprio tratamento.
Você começou a sua fala contando sobre alguns medicamentos e suas reações adversas. A ciência e a medicina já oferecem condições seguras para que todos convivam bem com o HIV, mas a ideia de que é possível ter uma "vida normal" tem justificado comportamentos de risco entre alguns jovens. Quais dificuldades você enfrenta diariamente como portador do HIV? Qual é a sua rotina de cuidados?
Sobre a medicação, como disse no debate com o Chá dos 5, já passei por 3 combinações. A primeira rendeu uma alergia medicamentosa e a segunda uma hepatite medicamentosa. A atual, que esta dando super certo, é a combinação de Kaletra, Lamivudina e Tenofovir e, com ela, tornei-me indetectável. Existem efeitos colaterais, principalmente intestinais, mas uma boa alimentação colabora para o bom funcionamento do organismo e ajuda a reduzir as reações adversas da medicação.
A partir do momento em que o portador do vírus se cuida, se alimenta de maneira adequada, faz exercícios e toma seus medicamentos corretamente, algo extraordinário acontece: a carga viral diminui, tornando-se indetectável. Ser indetectável significa que o risco de transmissão para outra pessoa se reduz a um nível muito baixo. Isso não justifica abrir mão da camisinha, pois mesmo sendo indetectável, existe o risco de outras DSTs se alojarem no seu organismo. Se relacionar sem proteção com outro soropositivo também é arriscado, o contato pode acarretar mutação do vírus, jogando no lixo todo o sucesso do tratamento.
Minha rotina mudou muito, principalmente depois que amadureci a ideia de que tenho que largar algumas loucuras características da vida de um jovem de 23 anos. Foi uma questão de foco e prioridade. Após o trabalho, sempre saio para encontrar amigos e, mesmo frequentando barzinhos ou baladas, resolvi parar de ingerir bebidas alcoólicas. Foi uma opção pessoal, não significa que todo soropositivo deva parar de beber. Por isso, o diálogo com o infectologista é essencial. É claro que os cuidados aumentam, mas com orientação médica é possível levar uma vida relativamente normal.
Como na fala do Rafael Bolacha, que também é soropositivo e ativista no GIV (Grupo de Incentivo a Vida), "se o preconceito é uma doença, a informação é a cura", muitos não têm ideia dos avanços da ciência nessa área. Como era o seu conhecimento sobre o HIV/Aids antes do diagnóstico e hoje?
Confesso que, antes de contrair o vírus, eu sequer pensava sobre o assunto. Ainda assim, sempre tive um sentimento de que um dia algo iria acontecer comigo, não exatamente o HIV, mas algo de intuição, né? Sempre levei a vida da maneira que achava que deveria levar, 21 anos, jovem, universitário, eu queria mais é curtir a vida loucamente. Só que tive que lidar com as consequências dessa escolha. Foi meu primeiro teste, por conta de uma DST, nunca tinha feito o teste antes. No resultado, a simples resposta: sífilis - reagente, HIV1 e HIV2 - reagente. Foi um baque. No momento, aceitei, mas, ao sair do consultório, desmoronei. Hoje trato o assunto abertamente, mas compreendo que tive que passar por tudo que passei para obter amadurecimento em relação à doença. Acho válido, pra que todos possam ver que HIV não tem cara, classe social, religião ou gênero. Tento mostrar que o estereótipo de HIV positivo ou, como costumam dizer de maneira errônea, “aidético” está extinto. Isso ainda assusta muita gente.
Saber a própria condição sorológica é importante tanto para o cuidado com a saúde quanto para o controle da epidemia, mas compartilhar esta informação é uma escolha pessoal. Você considera tornar pública sua soropositividade um ato político?
Creio que a atitude de expor a própria sorologia seja sim um ato político. Por mais que instituições governamentais e ONGs promovam ações educativas e incentivem o teste e o tratamento caso o resultado seja positivo, por mais que essas soluções sejam oferecidas, ainda não é claro para a maioria como é ser soropositivo em 2015. Não é a mesma forma que se vivia na década de 80, 90 e aos poucos as pessoas estão entendendo isso, é pela mobilização de alguns portadores que o estigma tem sido combatido. Mostrei minha cara e estou disposto a contar para todos como é viver com HIV.