Postado em 06/01/2016
Por: MIGUEL NÍTOLO
Não há um número preciso, mas, especula-se, metade das nações se dedica ao seu cultivo, e o Brasil, uma das vedetes do agronegócio, é claro, faz parte dessa seleção. O país se envolveu de tal sorte com a cultura da banana que, não é motivo de surpresa, aparecer ao lado dos grandes do setor em escala mundial, clube de produtores liderado pela Índia. E sua oferta anual, em torno de 7,2 milhões de toneladas (estimativa para 2015), corresponde a 7% da produção global, da ordem de 106 milhões de toneladas. No ano anterior, teria colhido 7,09 milhões de toneladas, e, em 2013, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 6,8 milhões. “Aproximadamente 95% da fruta in natura é consumida pelos brasileiros”, afirma o assessor técnico da Comissão de Fruticultura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Eduardo Brandão Costa.
A banana é tão adaptada às particularidades do clima e do solo brasileiros que é tida como um fruto tipicamente nacional, assim como a castanha-do-pará, o açaí, o caju, a carambola, o cupuaçu, a graviola e a jabuticaba. Na realidade, segundo os estudiosos, ela é natural do continente asiático (possivelmente da China), tendo se esparramado a outras regiões tropicais (África, América Central e América do Sul) e chegado ao Brasil com os primeiros colonizadores, 500 anos atrás. Todavia, é possível que a bananeira já estivesse aqui quando Cabral aportou com as suas caravelas na terra que Pero Vaz de Caminha, o escrivão da armada, descreveu como graciosa e “querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem”. O fato é que a bananeira pode ser encontrada em todos os recantos do país, literalmente, do litoral ao planalto central, ocupando, conforme o IBGE, uma área de 487,9 mil hectares em 2014, e 491,4 mil em 2015.
Não há propriedade agrícola, pequena, média ou grande, em que os bananais não façam parte da paisagem, planta de crescimento relativamente demorado, mas que rende um fruto aceito por todos os paladares. É o mais consumido pelos brasileiros, está disponível o ano inteiro e alimenta negócios anuais da ordem de R$ 11,8 bilhões, um dos maiores da fruticultura nacional. A bananicultura ainda tem o mérito de gerar 500 mil empregos diretos e entre 300 mil e 400 mil indiretos. No mundo, ela movimenta em torno de US$ 36 bilhões, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO), e é fonte de renda para dezenas de milhões de pessoas.
Bahia, Minas Gerais, Pará, Santa Catarina e São Paulo (na ordem alfabética) são os estados brasileiros que puxam o ranking dos maiores produtores de banana da nação. E o polo cultivador mais destacado da fruta no Brasil fica em solo paulista, no Vale do Ribeira, responsável pelo grosso da oferta do setor em São Paulo, “região que, com clima tropical úmido bastante influenciado pelas massas de ar oceânicas vindas do sul do continente e barradas pelo relevo, desfruta de um dos maiores índices pluviométricos do país”, esclarece a secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado. Trocando em miúdos: como o clima é propício ao desenvolvimento da bananeira, aquela parte do interior de São Paulo se sobrepôs no cultivo do fruto em relação a outros pontos na terra dos bandeirantes.
Segundo a Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira (Abavar), 40 mil famílias (empregos diretos) dão vida ao setor local, quase 70% da força de trabalho envolvida com a cultura no estado. “Indiretamente, estima-se que 170 mil trabalhadores dependam do cultivo da banana em solo paulista, 100 mil apenas em nossa região”, esclarece a entidade. “A bananicultura ocupa apenas 0,001413% de todo o território do Vale do Ribeira, ou seja, aproximadamente 36 mil hectares”, informa a Abavar. Terras que abrigam 9 milhões de pés em grande parte, nas mãos de pequenos produtores, donos de propriedades que têm, em média, de 10 a 20 hectares. Bananicultores que levam uma grande vantagem em relação a cultivadores de outros lugares: estão relativamente próximos do principal centro consumidor do país, a Grande São Paulo, a uma distância não superior a 200 quilômetros.
Polos produtores
Nos últimos meses, foram muitas as demissões em São Paulo e em outras regiões por causa da gangorra em que se converteu o mercado de bananas, dado o aumento da produção em territórios mineiro e paulista (segundo o economista Flávio Godas, da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo – Ceagesp, em entrevista ao programa Globo Rural, em agosto do ano passado) e ao tamanho da crise econômica. Em síntese, o poder de compra do consumidor, menor em relação há outros tempos, é o vilão desta história. Para não ser substituída por outras frutas, já que as donas de casa, criteriosas, andam comparando preços, o mercado andou reduzindo o valor cobrado pela banana, medida que, por razões óbvias, refletiu diretamente no bolso dos plantadores.
Seja como for, o fato é que em épocas de crise os problemas ficam mais encorpados. Meses atrás, a imprensa noticiou que plantadores do oeste da Bahia estavam assistindo, impotentes, à queda dos preços do fruto. Em junho passado, o quilo da banana prata, que vinha sendo comercializado pelos baianos a R$ 1,55, levou um tombo de quase 65% semanas mais tarde, passando a ser cotado a R$ 0,55, ou R$ 0,33 no caso do quilo da banana de segunda. Um quadro que contrasta com as notícias que vinham do sul do país. Um exemplo: em agosto de 2014, o Canal do Produtor, da CNA, noticiou que os bananicultores do Rio Grande do Sul estavam comemorando um bom momento. “O preço da fruta dobrou no estado em comparação a 2013, e está dando até para investir em melhorias”, dizia. A explicação para o bom momento então vivido pelos produtores gaúchos estava no clima. “O calor excessivo do verão passado contribuiu para que a produção fosse ainda menor neste inverno. Com a baixa oferta, o preço se valorizou e está ajudando a capitalizar o bananicultor”, explicou a CNA.
Cada região tem seu centro produtor. Assim como em São Paulo o forte da banana é o Vale do Ribeira, em Santa Catarina a posição pertence ao município de Corupá; em Minas Gerais, à região norte do estado, e na Bahia, ao perímetro irrigado de Formoso, em Bom Jesus da Lapa, o maior cultivador do fruto no nordeste. Os plantadores baianos, na realidade, estão ampliando a oferta do fruto por meio da irrigação nos perímetros de Nupeba e Riacho Grande, no município de Riachão das Neves, a 918 quilômetros de Salvador, no oeste do estado. Paralelamente, a região investe no cultivo irrigado de cacau, uma cultura ainda em fase de teste na região, mas reconhecidamente promissora. Isso se deve ao fato de que, graças ao clima, ela está livre da vassoura-de-bruxa (doença causada por fungos que ataca os cacaueiros).
Os especialistas informam que há centenas de tipos de banana, apesar de conhecermos algumas poucas variedades, como a maçã, nanica, ouro, prata e da terra. A mais popular de todas é a nanica, consumida em larga escala no país e, por isso mesmo, responsável por grande parte das plantações. A Abavar conta que o fruto da bananeira foi classificado pelo botânico sueco Lineu (Carolus Linnaeus), no século 18, como Musa sapientum – ou, simplesmente, “o fruto do homem inteligente” por se tratar de uma das fontes mais ricas em vitamina B6, ou piridoxina, um composto essencial para o metabolismo das proteínas, dos carboidratos e das gorduras, e fundamental para o desenvolvimento do sistema nervoso central e da função cognitiva.
Fruto dos atletas
“A banana contém três açúcares naturais – sacarose, frutose e glicose – que, combinados com fibra, fornecem uma instantânea e substancial elevação da energia”, garante a Abavar em seu site, com a informação de que “pesquisas provaram que o consumo de apenas duas unidades é capaz de fornecer energia suficiente para 90 minutos de exercícios extenuantes”. E arremata: “Não é à toa que a banana é o fruto predileto dos grandes atletas”. Ela contém, ainda, potássio, um mineral que contribui para evitar a fraqueza muscular e cãibras durante a prática de exercícios físicos “puxados”.
Por essas e outras, as donas de casa nunca deixam faltar banana na fruteira. Afinal, o fruto da bananeira é um alimento útil na cozinha cujos atributos vão muito além das virtudes de ser capaz de saciar a fome quando ingerida in natura. Com a banana é possível preparar bolos, cucas (cuques), farofa, lasanha, muffin, nhoque, pães, pastel crocante e tortas, ou, é comum, ser servida abafada, assada, cozida ou frita. E verde, como prato de vegetarianos, dar consistência e volume à carne de soja na confecção de hambúrgueres caseiros naturais. Todos os anos, em abril, a comunidade da Estrada Blumenau, na zona rural do bairro Vila Nova, no município catarinense de Joinville, a 180 quilômetros de Florianópolis, realiza a Festa da Banana, um misto de exposição de artesanato, danças folclóricas e festival gastronômico. Como justificava ao nome do evento, a banana responde por parte do cardápio, tanto que os visitantes podem se deliciar, além de iguarias à base de frangos, de churrasco e saladas, como a lasanha e o empanado de banana. O fruto é o terceiro produto mais importante da agricultura de Joinville, que destina 580 hectares para a bananeira e colhe, anualmente, 20 mil toneladas, oito vezes menos que Corupá, a capital catarinense da banana. Aqui, 300 produtores, cuja lavoura se estende por 5.500 hectares, participam com 50% do movimento financeiro do município de apenas 15.132 habitantes.
A despeito de seu sucesso na cozinha, a verdade é que a banana in natura ocupa, com distinção, o primeiro lugar no ranking nacional de consumo do produto. Já sua industrialização ainda representa uma fatia pequena da oferta, respondendo por não mais do que 3% da demanda. Conforme entendimento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a industrialização é uma opção ao aproveitamento do excedente de produção e de frutos fora dos padrões de qualidade para consumo fresco, desde que, é claro, as propriedades alimentares da polpa não tenham sido comprometidas. “O processamento da banana permite a obtenção de diferentes produtos, tais como farinha, doce, néctar e purê, por exemplo”. A entidade informa que o principal item fabricado no país a partir do fruto da bananeira é o purê (55%), seguido da bananada (20%), banana-passa (13%), flocos (10%) e chips (2%). “Podem ser produzidos, ainda, o fruto cristalizado e em calda, balas, cachaça, licor, suco clarificado simples ou concentrado, vinho e vinagre”, esclarece o Sebrae.
A produtividade dos bananais brasileiros varia de uma região para outra. Segundo a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), no nordeste, no Paraná, em Santa Catarina e em São Paulo, ela é de 22 a 27 toneladas por hectare, e de 14 toneladas no restante do país. E destaca que nas Ilhas Canárias e na Espanha, onde são adotadas altas tecnologias, a produtividade pode chegar a 100 toneladas por hectare. “Isso mostra o potencial que teríamos, não fosse o baixo nível tecnológico da maioria dos bananicultores locais, os danos da produção e as perdas causadas por pragas e doenças”, acentua a entidade. É sabido que a falta de conhecimento e o desdém para com a tecnologia são os responsáveis pela baixa produtividade e pelo elevado índice de perdas, assim como os problemas fitossanitários, que levam o prejuízo ao bananal e, por isso, devem ser combatidos com unhas e dentes.
Microscópio e lupa
São muitas as doenças e pragas que podem debilitar as bananeiras, casos do Mal-do-Panamá (doença endêmica presente em basicamente todas as regiões produtoras); Mancha de cordana (surge normalmente associada a outro mal); doenças da pré-colheita, provocadas por fungos (antracnose, Lesão-de-Johnston e Podridão-da-Coroa); Moko e Podridão-mole (doenças bacterianas); doença das estrias da bananeira, Clorose Infecciosa ou Mosaico (viroses) e nematoides. Contudo, nada é mais grave que a Sigatoka-negra, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), moléstia que provoca danos em plantações de todo o planeta. “Pelo fato de a bananeira atacada não emitir mais folhas após o florescimento, e não ocorrendo, portanto, compensação, a doença torna-se extremamente destrutiva”, ensina.
A Sigatoka-negra chegou ao Brasil em 1998, pela fronteira entre o Peru, Colômbia e o estado do Amazonas. “Ao longo de seis anos, a doença foi se disseminando na direção dos demais estados da região Amazônica, chegando, em 2008, ao sul do país e, por conseguinte, ao Vale do Ribeira”, relata a Apta. Wilson da Silva Moraes, engenheiro agrônomo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que atua no Polo Regional Vale do Ribeira, da Apta, há 11 anos, recorda-se que, à época, os bananicultores estavam às voltas com a endêmica Sigatoka-amarela e realizavam de quatro a seis aplicações anuais de fungicidas. “Atualmente, no Brasil, são feitas de oito a dez aplicações de fungicidas por ano, enquanto países exportadores de banana, como a Costa Rica, o Equador e o México, realizam de 20 a 77 operações do gênero.” Ele afirma que o custo de cada aplicação oscila em torno de R$ 125 a R$ 150 por hectare (preços de maio do ano passado, data da notícia da Apta). Todavia, com o advento da Sigatoka-negra naquela região, os custos de produção subiram como um rojão.
No Brasil, a Sigatoka-amarela apresenta perdas que podem chegar a 50% da produção; já a Sigatoka-negra pode aniquilar 100% do bananal, elucida o pesquisador. Moraes alerta para o fato de que o agente causal da Sigatoka-negra é mais agressivo e a doença se comporta de forma mais severa, mas quando ocorrem infecções mistas, os danos são bem maiores. Ele ressalta que os prejuízos causados pela doença ocorrem de forma indireta sobre a produção. “O fungo ataca as folhas mais novas da bananeira, que apresentam processo de senescência e morte acelerados, resultando em severas desfolhas na planta e menor rendimento de frutos”. Também explica que existem muitas variedades de bananeira resistentes à Sigatoka-negra, desenvolvidas ou pesquisadas pela Embrapa em parceria com instituições como a Apta. “Muitas delas estão em fase de estudos e outras já foram lançadas no mercado, porém, a aceitação comercial é o grande desafio. Enquanto isso, as variedades preferidas pelo mercado, como a prata, a nanica e a maçã, são consideradas altamente suscetíveis à doença”, adverte.
Como a prática tem mostrado que problemas fitossanitários se combatem com pesquisa e trabalho de campo, a Apta decidiu agir, realizando treinamentos sobre a identificação e o manejo da Sigatoka-negra no Vale do Ribeira. “O objetivo é treinar produtores, técnicos agrícolas e engenheiros agrônomos e, também, passar informações a alunos e professores dos cursos de agronomia e biologia de universidades da região”, informa a entidade. Estava programada para 2015 a realização de quatro encontros do gênero, o último deles no mês de novembro, todos compostos por “aulas expositivas e práticas para conhecimento dos sintomas da Sigatoka-negra e a diferenciação dos sinais típicos do fungo em microscópio e lupa”. O plano é transferir conhecimentos ao produtor sobre as técnicas adotadas mundialmente para avaliar a severidade da doença. Fazem parte desses eventos, ainda, explanações a respeito das práticas culturais que ajudam os bananicultores regionais a conviverem com a doença e, principalmente, “a indicação do momento e da sequência correta de aplicação de fungicidas para o controle da doença”.