Postado em 01/02/2016
Carlos Felipe Lopes Werneck Hirsch nasceu em 1972, no Rio de Janeiro, mas se mudou para Curitiba aos 11 anos, época em que a cidade vivia um momento de efervescência cultural. Lá, se aproximou de um grupo de artistas e começou a se envolver com teatro. Aos 21 anos, dirigiu sua primeira peça, Baal Babilônia, e em 1993, fundou com o ator Guilherme Weber a Sutil Companhia de Teatro. De lá para cá, foram mais de 40 peças – incluindo uma ópera –, além de um filme e uma série para televisão. Após 20 anos de existência, a Sutil se despede e dá lugar a um novo coletivo chamado Ultralíricos, que marca uma nova fase de Felipe, um dos principais diretores brasileiros, premiado em diversos festivais nacionais e internacionais.
Como você se interessou pelas artes?
Desenvolvi o gosto pela leitura muito cedo. Apesar dos meus pais serem de áreas diferentes, tínhamos uma biblioteca razoável na minha casa. Quando me mudei para Curitiba, muito ali orbitava em torno do Leminski. Eu o conheci ainda garoto e passei a seguir sua turma, pessoas de trinta anos, poetas, músicos que passaram a ser a minha turma. Foi quando li Beckett e aquilo me provocou uma sensação interessante, de tentar sentir o porquê do vazio, da solidão dos personagens. Juntei amigos e fomos fazer aquilo no teatro, de maneira irresponsável, aos treze anos. Mais tarde, na faculdade, estudei jornalismo, mas não concluí. Voltei para o Rio para estudar TV, mas sabia que não ia me formar também. Fui para ter acesso a livros e textos mais modernos, difíceis de encontrar naquela época. Eu entrava na biblioteca às 11 da manhã e saía às 11 da noite. Fui lendo tudo que tinha ali disponível. Só depois de voltar para Curitiba, é que surgiu a Sutil.
Você acredita em uma função política e social da arte?
A arte tem um papel político, mas isso não significa que ela tenha que tratar diretamente de política. O papel político existe em qualquer ideia. Se existe de fato uma ideia a ser desenvolvida, com certeza ela tocará em alguns pontos sociopolíticos. Talvez não diretamente, não abertamente, mas com certeza, ela implicará em questões dessa ordem. A arte se faz dessa maneira. E não só ela. Mesmo quando você fala de amor, você está falando de algum modo de uma relação pessoal de educação, onde um se educa no outro. Isso também é política. O amor é uma forma de política.
Muitos de seus trabalhos no teatro carregam esse teor sociopolítico, não?
Até um tempo atrás, eu era bem mais comportado. A Sutil tinha um cerne muito forte na criação, no que a gente acreditava naquele momento, que era trazer o jovem para o teatro e formar plateia, trabalhar com o antroprofagismo pop relacionado à cultura brasileira e internacional. Acreditava que o teatro poderia por si só, pela arte e pela paixão que gera, mover mundos, trazer ondas de amor em relação às questões sociais, para com o próximo. O ato de fazer com que a arte fosse muito impactante sobre o público movia minha crença. Hoje eu ando meio malcriado. Meus projetos atuais estão ligados à literatura mais enraizada em questões sociais e políticas. O discurso é mais claro, mas sem nenhum tipo de bandeira. Tenho pesquisado o que as últimas gerações têm escrito sobre o Brasil e a América Latina, e fico feliz em poder divulgar que existe um pensamento crítico de ponta, genuíno, num contexto mundial, nesse continente.
O que o levou a explorar novas linguagens, como o cinema e a TV?
Tenho grande paixão por filmar. Só não filmo mais porque me divido em muitos projetos e cinema tem uma estrutura de produção mais complexa para ser montada, leva um tempo maior e você fica anos concentrado nisso. Mas tive muito prazer em fazer meu primeiro filme, Insolação. Eu e Daniela Thomas pensamos durante anos e decidimos que queríamos fazer um filme sobre utopias e sobre arquiteturas esquecidas. O centro do país estava muito ligado a isso. O resultado de tudo foi um filme complexo, mas do qual me orgulho. Ficou dentro do que a gente propunha – reflexão e não entretenimento – e foi muito bem, passou por 13 festivais internacionais. Tenho planos de repetir a experiência. Gosto dessa mistura do que é fazer cinema e o que é fazer televisão.
Como foi produzir para televisão?
O projeto da série A Menina sem Qualidades surgiu de uma maneira lindamente irresponsável. Existia uma diretoria da MTV Brasil que foi sonhadora, utópica, e eles sabiam que o canal ia acabar. Como queriam produzir uma ficção, me chamaram para fazer isso. Confiaram tanto em tudo que eu apresentei a ideia na semana seguinte e eles aprovaram. Foi uma loucura, me deram um mês de prazo. Fui para um galpão e lá começamos a desenvolver. Escrevemos tudo em um mês e meio, entre dezembro e fevereiro. Em maio a série já estava no ar. Produzimos e filmamos em três meses. É um tipo de gente muito rara que confia nos artistas, dá liberdade, tem confiança e não fica com medos e receios, pensando que o público não vai gostar. Foi um grande sucesso para o canal.
Você nota semelhanças estéticas em seus trabalhos no teatro, no cinema e na TV?
As semelhanças estéticas em meus trabalhos acontecem porque geralmente eu me concentro numa ideia, desenvolvo um conceito para ela e vou buscando formas e linguagens para que essa ideia seja traduzida. A peça Não Sobre o Amor, por exemplo, está muito ligada ao filme Insolação. Todos os meus trabalhos evidenciam fases da minha vida. Durante a produção das peças Puzzle, finalizadas no ano passado, e d’A Tragédia Latino Americana e A Comédia Latino Americana, que estreiam esse ano, eu estava muito mergulhado nos ilustradores expressionistas e nas obras do Dalton Trevisan. Normalmente, eu acabo estendendo minhas referências a outros projetos em diferentes meios, seja no teatro, em uma ópera, no cinema ou na TV.
É possível notar uma diferença no público e na recepção que ele tem ao ver uma peça, uma série ou um filme?
As diferenças existem e são muitas. Elas estão relacionadas a hábitos. Por exemplo, eu nunca fui muito ligado à televisão. O eletrodoméstico não emplacou na minha casa, desde criança. Por outro lado, sou um pouco dinossauro de cinema. Gosto do ritual de apagar a luz, da tela grande. Talvez por isso, eu não consiga ver filme em casa. Só vejo quando preciso estudar alguma coisa. A experiência é diferente. Acho que existe uma diferença tanto em sensibilidade quanto em interesse. Isso não quer dizer que o público não possa migrar e se relacionar com outras linguagens. Existem diferenças de interesses, mas acredito que não devemos nos preocupar com isso, porque as fronteiras podem ser mais nubladas. Elas não precisam ser tão pragmáticas.
Você tem aberto o processo criativo de suas peças de teatro recentemente. Acha que é possível fazer isso com o cinema?
O cinema é um pouco mais hierárquico em toda sua estrutura. O que faz com que as pessoas não se acostumem muito com a ideia de um cinema mais coletivo. Isso é uma pena. Ele tem se tornado, entre aspas, profissionalmente mais americano, pensando num modelo industrial. Isso traz coisas boas, mas também muito ruins. Fazer cinema no Brasil ainda é caro e muitos da nova geração de diretores brasileiros vieram do mercado publicitário, com outra dinâmica de produção. Seria ótimo experimentar e fazer alguma coisa coletiva, ou que abra para pessoas acompanharem. É difícil, mas não impossível.
Quais são seus próximos passos no cinema e na TV?
Eu tenho três roteiros prontos. Um, ainda em estudo, de uma série que fiz com vinte autores latino-americanos, envolvendo muita gente boa, como Alan Pauls, Alejandro Zambra, Leonardo Padura Fuentes, João Gilberto Noll, entre outros – para mim, a melhor coisa que já fiz na vida. Tenho também um roteiro adaptado do livro de um autor que gosto muito, Rodrigo Rey Rosa, que acho de uma delicadeza. Estou analisando quando vou filmar. Por fim, tenho um filme com roteiro do Bernardo Carvalho e com o dinheiro já captado. Preciso fechar o elenco. Ele se chama A Última Juventude.