Postado em 04/05/2016
De 12 a 18 de maio, o CineSesc exibe a 'Mostra Eu Quero, Tu Queres... afetos, velhices e desejos'. Os filmes exibidos retratam as múltiplas formas de afeto na velhice.
Cena do longa Gerontophilia, de Bruce LaBruce, exibido na mostra Eu quero, tu queres. Crédito: divulgação
por Maria Lúcia Homem*
Há pouco mais de um século, Freud escreveu um texto que escandalizou sua época, como tudo aquilo que nos convida a pensar de uma maneira nova. Ele afirmou que sua experiência clínica apontava para a inequívoca existência de uma sexualidade infantil. Sexualidade, bem entendido, no sentido amplo do termo, aquele que conjuga dois vastos pilares: somos seres que carregamos um corpo e temos, a partir daí, sensações de prazer e desprazer - que serão sentidas, simbolizadas, subjetivadas e desenharão, dialeticamente, o próprio "mapa corporal desejante" que carregaremos até morrer. Sim, a pele e as zonas erógenas vão sendo marcadas e cada um terá uma história de vida que estará, de certa forma, presente em cada pedaço do seu ser, literalmente.
O que nosso tempo percebeu é que, assim como a criança vai descobrindo e exercendo a sua sexualidade, o velho também. O processo continua. Ele sente, fala, deseja, faz sexo. Isto é, o erotismo e própria ideia de subjetividade foram saindo de antigas redomas e agora se liberta de parâmetros ligados somente à vida adulta e reprodutiva. Ampliamos o espectro para além de ideias naturalistas ligadas ao funcionamento de uma "máquina" da natureza, com seus átomos e hormônios. A sexualidade não é algo somente do domínio da reprodução da vida ou, por outro lado, um campo a ser disciplinado pelas instituições da Escola, da Igreja ou do Casamento. Sabemos que o humano é um ser simbólico, envolto em uma trama complexa de pulsões, palavras e imagens, que assim formatam nossas identificações mais profundas e nossas formas de desejo e de gozo. Os filmes desta Mostra Eu Quero, Tu Queres nos mostram isso de maneira inequívoca: o corpo pulsa. O cinema nos ajuda a ver e mesmo a efetivar essa liberdade.
E mais: o movimento de ampliação do "direito à subjetividade" para a terceira, quarta e todas as idades segue também para além de uma linha temporal. Não só o corpo novo, o reprodutível e o velho estão vivos e podem desejar. O século XX estendeu esse paradigma para vários outros campos, ou “minorias”, como as mulheres, os homossexuais, os transexuais e assim por diante. Falar isso pode parecer hoje de uma obviedade cristalina, mas nos anos 1800 não tínhamos todas as mulheres podendo exercer e pensar sua sexualidade. Ou seja, pelo menos para uma mais ampla parcela da população humana, os ideais da Revolução Francesa cada vez mais ancoram-se na realidade concreta: podemos nos relacionar e fazer sexo sem distinção de raça, gênero, classe, religião e idade. Somos todos sujeitos, sujeitos políticos e desejantes. Hoje, na aurora do XXI, sabemos que esse movimento é irreversível.
O corpo pulsa. Em todos os seres. E até o último pulsar.
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Maria Lucia Homem* escreveu este texto a pedido do Sesc para o lançamento da Mostra Eu Quero, Tu Queres... afetos, velhices e desejos.