Postado em 31/05/2016
Interesse por práticas manuais reflete desejo de dar asas à criatividade e possibilita uma pausa no ritmo frenético da rotina urbana
Qual foi a última vez em que você criou algo utilizando como principais ferramentas as próprias mãos? Com a rotina nos centros urbanos e o desenvolvimento de tecnologias digitais, práticas corriqueiras no passado, como a marcenaria, a cerâmica, o bordado e o crochê, acabaram perdendo espaço na vida cotidiana. Recentemente, porém, tem havido um retorno ao fazer manual, e cada vez mais pessoas buscam cursos e oficinas para se reconectar com a própria criatividade.
Mais do que um modismo, a volta das práticas manuais faz parte de um movimento maior e é impulsionada por conceitos como o DIY (Do it yourself, ou Faça você mesmo) e o movimento Maker, que carregam a ideia de que qualquer pessoa pode construir, consertar, modificar ou fabricar objetos do dia a dia. “Esse aumento na procura por cursos de artes mostra uma busca pelas origens, por fazer as coisas manualmente, ter o prazer de fazer e ver o resultado. A tecnologia chegou a um patamar em que as pessoas buscam algo mais simples”, comenta o marceneiro especialista em marchetaria e professor da técnica Rinaldo Ferrucio. “As práticas manuais tiram a pessoa da rotina de trabalhos em escritórios e proporcionam momentos para desenvolver um projeto. Em geral, as pessoas têm uma criatividade que fica escondida, porque trabalham com algo que não proporciona meios de aflorar esse lado”, completa.
Foi o caso de Renata Dania, uma das criadoras do Clube do Bordado, coletivo de São Paulo que busca incentivar a cultura do bordado. Ela passou a se reunir semanalmente com as amigas para bordar em 2013, quando trabalhava com design de moda e sentia falta do processo criativo por conta das tarefas burocráticas. “Muitas pessoas sentem necessidade de voltar a mexer com as mãos”, explica. Segundo ela, que hoje dá cursos de bordado no Clube, muitas pessoas buscam aprender também para se reconectar com uma herança familiar. “Existe uma relação afetiva com o bordado, e a gente vê esse retorno das artes manuais em um contexto diferente do das nossas avós, por exemplo. Houve uma época em que as mulheres aprendiam a bordar quase por obrigação, mas, hoje, a geração de 20 e 30 anos vê o bordado de uma forma completamente diferente, como uma maneira de expressão e empoderamento”, analisa.
Para todos
Apesar de, culturalmente, muitas práticas manuais serem associadas ao universo feminino, hoje o interesse não tem nicho específico, ressalta a instrutora de oficinas de crochê e tricô Anne Galante. “Ele abrange todas as idades, gêneros, classes sociais e áreas de atuação”, observa. Segundo a professora, há também a busca pela lentidão proporcionada por esses trabalhos, em contraponto ao ritmo frenético da vida atual. “A produção desses trabalhos manuais envolve um tempo mais lento e resulta em um produto durável, o que também significa menos lixo para o mundo”, acrescenta. “Isso tem a ver com uma procura de fazer mudanças e resgatar essas técnicas artesanais que foram se perdendo na era industrial.”
A visão de ponta a ponta do processo produtivo de um trabalho manual é algo que se tornou raro nos dias de hoje, em que a maior parte dos produtos já chega pronta até nós. “É interessante se apropriar de algo do começo ao fim”, avalia o escultor, ceramista e instrutor de oficinas Jean-Jacques Vidal. “Você pode ter esse domínio do processo inteiro, e isso dá satisfação. Ao mesmo tempo, os processos têm um tempo exato, com regras a serem seguidas. Na cerâmica existe o projeto, o fazer, a forma, o acabamento de superfície, secagem, queima, requeima, espatulação... são etapas que fazem as pessoas se concentrarem muito no que estão elaborando”, exemplifica.
Aspecto coletivo
Muitas práticas manuais costumam ser praticadas coletivamente. “Isso não quer dizer que o trabalho será coletivo, mas ter o processo em grupo é muito enriquecedor, porque cada um acaba desenvolvendo uma forma própria de produzir”, comenta Jean-Jacques. “Os resultados são os mais diversos, mesmo empregando o mesmo trabalho. Isso é interessante, porque você vê as soluções e a maneira como as outras pessoas fazem as coisas.”
Apesar disso, dependendo da técnica, completa Rinaldo, nada impede que cada pessoa busque esses conhecimentos individualmente. “Eu sou autodidata, busquei por conta própria aprender a marchetaria, mas foi muito difícil. Procurando cursos, torna-se mais fácil desenvolver os trabalhos e dominar as técnicas”, recomenda.
Em grupo, há também a vantagem de que as práticas manuais se tornam um momento de socialização. “Bordar é uma forma de meditar, mas que não impede de conversar. Em geral, as técnicas manuais são muito integradoras. Se sento em uma praça sozinha para bordar, tenho certeza de que alguém vai se aproximar para conversar”, comenta Renata. “O trabalho manual é um aglutinador de pessoas.”
Benefícios das práticas manuais vão além do domínio das técnicas
Estudos científicos têm comprovado que técnicas como o tricô, o bordado e o crochê trazem benefícios ao cérebro e produzem uma sensação de relaxamento similar à ioga e à meditação. Segundo o professor de medicina integrativa da universidade Harvard, nos Estados Unidos, Herbert Benson, em seu livro The Relaxation Response (sem tradução no Brasil), praticar crochê e tricô pode diminuir os níveis de cortisol, hormônio ligado ao estresse. Além disso, estudos com mais de 1300 idosos publicados em 2011 pelo psiquiatra Yonas E. Geda no Journal of Neuropsychiatry & Clinical Neurosciences mostraram que aqueles que praticam atividades manuais têm menor chance de desenvolver perda de memória e transtornos cognitivos leves. A vivência de quem pratica essas atividades corrobora os estudos científicos que têm sido feitos e demonstra que há muito mais do que as técnicas manuais envolvidas nestes trabalhos:
Renata Dania, professora de bordado
Anne Galante, professora de crochê e tricô
Jean-Jacques Vidal, professor de cerâmica
Rinaldo Ferrucio, professor de marchetaria
O melhor caminho é procurar um bom curso e colocar a cabeça e as mãos para trabalhar
Em diversas unidades do Sesc, há oficinas e cursos livres sobre práticas manuais variadas. No Sesc Pompeia, as Oficinas de Criatividade representam um dos mais importantes centros de cursos livres de artes de São Paulo, com cerca de 70 cursos permanentes e mais de 1400 alunos, em sete ateliês diferentes: gravura, técnicas mistas, tecnologias e artes, cerâmica, fotografia, marcenaria, arte têxtil. Veja a programação completa em oficinas.sescsp.org.br.
Conheça alguns dos próximos cursos em outras unidades e saiba mais no portal Sesc São Paulo:
O curso gratuito traz um panorama das expressões gráficas de diferentes regiões da África, tendo o tecido como principal suporte. A partir da contextualização sociocultural de cada uma das estampas estudadas, os participantes são convidados a criar uma padronagem para estamparia em tecido por meio do processo de block printing. Esse processo consiste em gravar blocos de madeira para serem usados como carimbos na estamparia.
Da carroceria do caminhão às placas de promoção do mercado, o desenho das letras está presente, marcando um estilo e evidenciando o ofício do letrista. Esse curso gratuito pretende apresentar aos participantes diversos alfabetos e composições criados e desenhados à mão livre e estimular a prática dessas técnicas para diversos usos no mundo do design gráfico e digital.
No último sábado e domingo do mês, o Sesc Osasco oferece uma oficina gratuita de noções básicas de marcenaria. Utilizando sobras de materiais, as oficinas visam dar aos participantes informações e orientações sobre técnicas de construção criativa com madeira e apresentar os princípios básicos para a criação de diversos objetos.